ARTE E CULTURA


 A arte e o gênio de Moacir Martins


"O que eu quis, durante muito tempo, foi associar ao meu trabalho uma ideia de ecletismo. Gostava de pensar que cada HQ que produzia tinha que ser uma peça única. Isso me trouxe um pouco de dor de cabeça, mas serviu para eu me desenvolver bastante. Foi a primeira coisa que me veio à mente, mas é mais ou menos por aí. A coisa mais parecida com uma formação que tive foi a “Escolinha de Artes dos Ex Alunos da UFRGS”, no mais, o autodidatismo foi me moldando junto com as dicas e conselhos acumulados na Grafar. A experiência como ilustrador em alguns sindicatos de Porto Alegre também foi bastante útil."
 - Moacir Martins

Brett continua sua cavalgada rumo à publicação. O personagem de quadrinhos de faroeste criado por Rodinério da Rosa e desenhado por Moacir Martins Vinicius da Silva está até o inicio de março com campanha no Catarse para publicação de sua primeira edição pela editora gaúcha Saicã.

A ideia em Brett é seguir a linha de Tex em termos de aventuras de faroeste, mas também, criar características que o diferenciasse, além de oferecer mais uma opção aos aficcionados pelo velho oeste.

Esta primeira HQ, de uma série de 6 números, em principio trimestral, traz a primeira HQ escrita por Rodinério e desenhada por Moacir e Vinicius da Silva em 1994, e o Arte e Cultura (que apoia muito o quadrinho nacional) foi conversar com o desenhista Moacir Martins, para que o público conheça um pouco mais sobre um dos artistas por trás deste novo faroeste que promete muito.

MOACIR MARTINS

Brett, arte especialmente produzida para o Arte e Cultura por Moacir Martins

Moacir Martins nasceu em 1971, em Triunfo/RS. Na adolescência fez parceria com Vinícius da Silva em várias publicações independentes. Ilustrou diversas publicações da imprensa sindical gaúcha como: Versão dos jornalistas (Sindicato dos Jornalistas) Vox Médica (Simers - Sindicato médico do Rio Grande do Sul) desde 2001, entre outros.

Criou e desenhou a revista Histórias Sobrenaturais (Que adapta para as HQs as cartas de ouvintes do programa de radio homônimo), Porto Alegre, RS em 1990. Ilustrou na série televisiva O Continente de São Pedro (RBS TV/ GLOBO) em 2002, na revista Super Interessante – Aventuras na História” em  (2005). Roteirista e desenhista na revista Picabu; co-criador e editor, no Projeto Esqueleto de Revistas em quadrinhos. Produziu um painel para o Museu Sobre a História Geológica do Rio Grande do Sul da UNISINOS, em São Leopoldo/RS.

Moacir Martins participou de diversas edições do Salão de Desenhos de Imprensa, e publica seus trabalhos no blog Espaço Precário. Um artista inquieto, com um lindo traço. Além disso, Moacir é um gentleman, perguntei para ele se havia possibilidade de fazer um desenho de Brett para o Arte e Cultura e ele topou, fazendo uma linda arte.

Conheçam mais sobre esse artista fantástico, que tal como Brett, saca rápido, só que o lápis, com o nankin, com a prancheta digital.


JORGINHO: Quem é Moacir Martins? Como você se define?

MOACIR MARTINS: Sou muitas coisas. Acredito que ninguém é uma coisa só, algumas somos obrigados a ser por necessidade, outras somos por vocação, por amor e assim por diante, algumas não somos por falta de oportunidade, mas acredito que o que interessa aqui é a minha condição de desenhista, e é bem isso, é uma complexidade, como uma condição mesmo, meio que opção, meio que uma imposição que vem do fundo do meu ser... Tá, tenho que responder à pergunta, não é? Então vamos lá: Sou um artista e me defino como um artista, mais especificamente um artista gráfico.


JORGINHO: Quando e como a arte entrou em sua vida? 

MOACIR MARTINS: Vejo que a coisa vai ser complexa por aqui (risos). Ela nasce conosco. Todos quando crianças vamos passar por uma fase que nos expressaremos com ela, segundo aprendi, como auto expressão mesmo. A maioria, ao longo da vida, vai deixando de lado essa forma de expressão. Eu faço parte daqueles que seguiram, talvez porque um dos meus irmãos também o fez e, magistralmente. Fui seguindo os passos dele e obtendo cada vez mais aceitação e elogios, que acabou sendo natural eu seguir a estrada que me trouxe até aqui. Não existe nenhum marco inicial claro que eu possa me recordar que indique: A partir daqui me tornei artista.


JORGINHO:  Fale de sua experiência na Escolinha de Artes dos Ex Alunos da UFRGS.

MOACIR MARTINS: É um prazer falar da “Escolinha”, é uma pena que só pude chegar a ela já no final da adolescência. Eu e o Vinícius participamos da turma de adolescentes e parecia que havíamos encontrado um oásis no meio do deserto. A arte educação, que era o conceito com o qual a escolinha trabalhava, não tem na verdade o intuito de formar artistas, mas se algum aspirante a artista caísse nas mãos de Jailtom Moreira, que era o professor de nossa turma e o qual faço questão de citar aqui, com certeza  sairia de lá com os seus horizontes expandidos. A empatia que tivemos com ele foi tão grande que nos tornamos amigos depois desse período e cheguei a trabalhar com ele como assistente em seu atelier, mas vamos encurtar, se não eu vou longe. Lá, o respeito à individualidade foi uma lição que levei para além do ofício de artista.


JORGINHO: Quais as tuas maiores influências no desenho? 

MOACIR MARTINS: O que faço ficou muito dos desenhistas de quadrinhos ingleses no traço, o gosto por planos abertos veio das leituras das obras de Moebius, é, um pouco de Ticci também ficou no traço. O jogo de claro e escuro e a diagramação do Ivo Milazzo, seus enquadramentos... puxa Milazzo é mestre. Dá pra citar muita gente, mas aquelas sequências em que de repente Milazzo desenha um personagem visto bem de longe sem um quadrinho delimitando a sua figura no branco da página é de tirar o fôlego, não tem como não ficar marcado em um grupinho de neurônios num cantinho do cérebro.


JORGINHO: Como funciona o seu método criativo?

MOACIR MARTINS:  Na verdade, eu estou em uma transição. Quando tive acesso à tecnologia 3D, foi como se as portas da minha imaginação tivessem sido completamente escancaradas. Sempre tive um devaneio antes dessa tecnologia de ter um mundo de calungas, que é como se chama os bonecos articulados para referência de poses para desenhistas, para poder jogar luz em cima e criar composições. Minha imaginação parecia ir sempre além de minha capacidade técnica. Agora, monto minhas cenas com meus calungas digitais, modelo seus rostos para poder desenhá-los da melhor forma em diversas angulações, não precisando fazer um sem fim de linhas guias para acertar perspectivas complexas e com uma mesa de digitalização onde desenho direto em cima da tela de vidro. Praticamente não preciso mais usar grafite para esboço. É um sonho de tempos atrás realizado.


JORGINHO: Como foi trabalhar em projetos com destaque midiáticos como a Superinteressante - Aventuras na História e na série O Continente da RBS?

MOACIR MARTINS: Superinteressante foi como fazer qualquer outro trabalho, não tive nenhuma repercussão, ou algum tipo de pressão maior do que em outros trabalhos, mesmo o trabalho para a RBS, apesar de meus desenhos estarem expostos todos os finais de semana na tela da TV, não passei a ser mais requisitado por isso.


JORGINHO: Fale para o leitor sobre a revista Histórias Sobrenaturais, revista que você foi criador e desenhista.

MOACIR MARTINS: Criador é um pouco  forte, fui um desenhista que adaptava textos para os quadrinhos, na verdade. Foi uma excelente escola para mim, meu primeiro trabalho profissional de quadrinhos. As adaptações eram feitas a partir de cartas de ouvintes a um programa de rádio narrando suas experiências sobrenaturais. Eu lembro que a economia do país estava um inferno. Havia uma história de URV que significava unidade real de valor. Todo contrato que não era selado através desse parâmetro corria um sério risco se fosse um trabalho muito longo, pois a inflação era algo inimaginável, as remarcações de preços chegavam a acontecer várias vezes no mesmo produto durante o dia, e como eu não me toquei de exigir um contrato em URV me ferrei feio pois quando recebia o dinheiro do trabalho ele não valia mais nada.


JORGINHO: Como você enxerga o momento político social pelo qual estamos passando? 

MOACIR MARTINS: Gostaria de fechar os olhos e só abrir quando tudo isso acabar. Nem nos meus piores pesadelos poderia imaginar um retrocesso desse tamanho.


JORGINHO: Vamos falar sobre Brett, o que significa para você a retomada deste projeto? 

MOACIR MARTINS: Cara, uma felicidade muito grande, há um tempo tinha pedido os originais para o Rodinério, para tê-los comigo, e entregar uma cópia digital para ele. Acabou que nunca  fui buscar. Eis que o tempo passa e o Rodinério me fala que quer publicar esse material, já que foi gasto bastante energia ali e merecia ser publicado pois muita coisa ficou bem boa, apesar de ser um trabalho já bastante antigo. A princípio não quis me envolver muito, mas quando ele me relatou que uma editora que publica um personagem boneliano aqui no Brasil se interessou pelo projeto e propôs começarmos com 6 números do nosso personagem, acabei por me animar.


JORGINHO: Como funciona a parceria Rodinério Rosa/Vinicius da Silva/Moacir?

MOACIR MARTINS: Claro que temos nossas diferenças, mas ela rendeu muito bem. Eu era o cara responsável pelo nanquim nas primeiras páginas de Brett e já tinha feito várias parcerias com o Vinícius, então nosso trabalho fluía muito bem. O Rodinério nos entregava um storyboard, com desenhos bem indicativos mesmo, só para marcar a decupação do roteiro e eu e o Vinícius trabalhávamos com bastante liberdade criativa. Depois o Vinícius decidiu tomar outros caminhos e eu fiquei com a incumbência de terminar a HQ e o curioso é que depois de anos do trabalho ter sido concluído, temos dificuldade de perceber a partir de qual página eu comecei a fazer o lápis.

JORGINHO: Quais as tuas maiores influências para a construção artística de Brett?

MOACIR MARTINS: A proposta do Rodinério era bastante inspirada no Tex, mas confesso aqui que tanto eu como Vinícius éramos aficcionados mesmo por outro título da Bonelli, o Ken Parker do Milazzo. Dos três, eu era quem menos tinha lido o Tex, mas acabei por curtir demais o trabalho do Giovanni Ticci nas páginas do Tex.


JORGINHO: Na sua opinião, por que o leitor deve adquirir Brett?

MOACIR MARTINS:  Eu fiquei surpreso ao reler no pdf nossa HQ. Como o Rodinério conseguiu amarrar bem um roteiro, sem longos diálogos enfadonhos cortando o fluxo da ação. Nos desenhos, o Rodinério teve que ser bastante incisivo comigo, senão eu ia ficar querendo mexer aqui e ali, porque é claro que depois de mais de vinte anos muita coisa já mudou no meu desenho e no do Vinícius. Concordei com os argumentos dele de deixarmos os leitores perceberem essas mudanças pois tem muita coisa ali que ficou excelente, apesar das dificuldades da época. Vai ficar como uma espécie de documento para quem acompanhar a saga do personagem.



JORGINHO: Quais seus demais projetos para este ano que está se iniciando?

MOACIR MARTINS: Não dá para se expandir muito com um projeto ousado assim, a princípio quero desenvolver bem esse personagem. Tive alguns convites, mas acho melhor não adiantar aqui, prefiro trabalhar bem esse projeto, dar um passo de cada vez. 



JORGINHO: Deixe sua mensagem para os leitores do Arte e Cultura.

MOACIR MARTINS: O que tenho para oferecer nesse momento de dificuldade a qual estamos todos passando é a minha energia criativa que se materializa nas páginas de HQ que estou desenvolvendo. Espero que elas ajudem, àqueles que a desfrutarem, a enfrentar esse ciclo. Sem a arte para embalar esses dias, vai ser difícil. 



Para apoiar Brett no Catarse:



História Completa, 64 páginas, Formato: 16X22 Cm, Capa: Papel cartão com soft touch, Miolo: Papel offset 90g

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"Todos, quando crianças, vamos passar por uma fase que nos expressaremos com ela (a arte), segundo aprendi, como auto expressão mesmo. A maioria, ao longo da vida, vai deixando de lado essa forma de expressão. Eu faço parte daqueles que seguiram..."
- Moacir Martins

Jorginho

Jorginho é Pedagogo, Filósofo, ilustrador com trabalhos publicados no Brasil e exterior, é agitador cultural, um dos membros fundadores do ColetiveArts, editor do site Coletive em Movimento, produtor do podcast Coletive Som - A voz da arte, já foi curador de exposições físicas e virtuais, organizou eventos geeks/nerds, é apaixonado por quadrinhos, literatura, rock n' rool e cinema.

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4 Comentários

  1. Que traço colorusmo incrível, não conhecia o trabalho e estou encantada.

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    1. Sempre é uma felicidade para o artista receber o feedback do público, grato por teres gostado.

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  2. Que maravilha, belíssimos desenhos. Também sou mais fã do Ken Parker, mas sei apreciar o faroeste durão do Tex. Parabéns pela arte e o trabalho ded todos vocês. Vida e arte longas, Moacir! (Ah, legal que tu citaste o Versão dos Jornalistas, que eu editava no SindJor de Porto Alegre).

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    1. Como não citar o versão, foi uma experiência magnifica para um iniciante, A primeira capa que fiz foi para o Versão. Lembro de te ligar me desculpando porque achava que não ia vencer o prazo. Tu me convenceu a não desistir tomei um folego e consegui terminar e a partir dali acabei fazendo outras para o mesmo Versão. Foram ótimos tempos!

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