O FANTÁSTICO, COMO
GÊNERO NARRATIVO
O escritor e filósofo russo Tzvetan Todorov explica dessa forma o gênero Fantástico em relação aos leitores: "Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos, nem sílfides, nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode ser explicado pela leis do mundo familiar. Aquele que percebe deve optar por uma das duas soluções possíveis. Ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, mas neste caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós".
O que é reconhecido por todos, é que o gênero fantástico tem uma enorme legião de admiradores, seja na literatura, no audiovisual (filmes e séries), videogames e histórias em quadrinhos, bem como também é consenso que se trata de um gênero narrativo, que sofre muito preconceito de letrados que se guiam apenas pelos cânones acadêmicos.
No entanto as histórias fantásticas representam um gênero literário tão antigo quanto a humanidade. Desde as inscrições de cavernas pré-históricas onde se percebe alusões ao sobrenatural e ao pavor, passando pela criação de lendas oriundas de tradições orais e do folclore, se formou uma fonte vasta e profunda onde escritores retiram o material para histórias que tratam do irreal e do sobrenatural. O interesse pelo sobrenatural é inato no ser humano.
Quantas vezes em nossas infâncias, demos asas às nossas imaginações a partir de relatos de casas mal-assombradas contados por uma Vovó de memória terrivelmente lúcida? Ou por uma Vizinha que só aparecia na hora do jantar e retribuía com um caso de alma penada que só ela conhecia?
Na tradição literária mundial escritores consagrados dedicaram histórias ao gênero, como Edgar Allan Poe, Jack London, Arthur Conan Doyle, Vitor Hugo, Rudyard Kipling, Guy de Maupassant, H. G. Wells, Somerset Maugham, entre outros tantos.
Mesmo em plena vigência da segunda década do século XXI em que a ciência se esforça para nos afastar das crendices e superstições, a irresistível atração do mistério a tudo se sobrepõe. Nesse ponto pouco evoluímos, já que continuamos tão supersticiosos quanto os homens das cavernas, carregando sempre em nosso íntimo o terror que nos assombrou na infância.
O ser humano contemporâneo e moderno, por vezes procura encontrar uma evasão espiritual para se aliviar dos problemas cotidianos, farto de notícias em que outros seres humanos extravasam às suas ambições e egoísmos desmedidos numa luta fratricida e sem tréguas e querendo se afastar do território virtual tão repleto de preconceitos e inverdades. Por isso volta-se ansioso e esperançoso para o clima de mistério, para o irreal, para a fantasia.
Para aqueles que nesses momentos sentem por vezes alguma forma de embaraço ou constrangimento, como se buscar refúgio no universo do fantástico fosse algo próximo à alienação, fica o aviso auspicioso de um mestre da fantasia, o filólogo e escritor britânico J. R. R. Tolkien: “ A Fantasia pode ser uma forma elevada de arte e por sua capacidade imaginativa, é um direito humano. A Fantasia aspira não a suspensão voluntária da descrença do leitor, mas a um sentimento de encantamento.”
Em tempos duros desse estranho novo mundo, todos precisamos de algum encantamento para mantermos acessas as nossas chamas vitais.
Arte de J. R. R. Tolkien, sim além de escrever, ele desenhava! |
João Luís Martínez |
João Luís Martínez é ator, escritor, diretor, dramaturgo e roteirista atuando nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web) há mais de trinta anos. Desde 2011 faz parte do corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo, uma instituição prestigiosa na cultura porto-alegrense, onde ministra cursos e oficinas de roteiro. Há três anos ministra as suas oficinas de modo on-line, contribuindo para a formação de novos roteiristas para o mercado.
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