ARTE E CULTURA


POR QUE EU SEMPRE LIA 
A COLUNA DO DAVID

Tinha um amigo que trabalhou comigo por quase dez anos. O Genaro. Era por demais crítico. Lia muito sobre história e filosofia. Adorava falar dos personagens. Getúlio Vargas e Brizola eram seus preferidos. Vez que outra,  almoçávamos no refeitório da escola onde lecionávamos. Num dia daqueles, enquanto degustava a refeição, preparada no dia anterior, ofereci ao colega um pouco da minha salada de alface. Considerava isso, um ato de solidariedade. Mas não para o Genaro. Prontamente ele usou de toda sua sofistica e me disse: “Uma pessoa que não gosta de linguiça frita e cerveja, não pode ser uma pessoa feliz.” Essa frase nunca saiu da minha memória. Uma noite, depois do último turno, de uma sexta-feira, sentamos a mesa de um bar para tomar aquela cerveja. Entre uma conversa e outra, meu amigo sempre citava um tal de David Coimbra. “O Coimbra disse isso, o Coimbra disse aquilo.” Como se fosse íntimo dele. E de fato era.

Como leitor de jornal, que sempre fui, até lia algumas crônicas do jornalista. Muitas vezes discordava de suas posições políticas. Mas, por insistência do meu amigo, o David Coimbra também passou fazer parte da minha vida diária. Meu amigo morreu já fazem uns cinco anos. E na última sexta-feira, o David também nos deixou depois de lutar por quase dez anos contra um câncer que lhe trazia muitas dores.

David foi um inovador na crônica esportiva. Começava com um assunto aparentemente banal, para no final, lincar  com o mundo do futebol, num desfecho sensacional. Aliás, para o David, o futebol e as mulheres eram coisas inseparáveis. Dominava a escrita e sabia contar histórias como ninguém. Suas palavras eram tão certeiras quanto um tiro do Tex Willer. Escreveu algumas crônicas falando do ranger do velho oeste. Gostava de ler gibis. Cleópatra, Júlio César, Napoleão, Alexandre, o Grande, Kant, Schopenhauer, Nietzsche também eram personagens frequentes nos seus textos. Imagina tu te lambuzares “com uma feijoada densa como um livro de Kant”. Algumas dessas crônicas eu compartilhava com meus alunos nas aulas de filosofia. Ainda guardo os recortes já amarelados, numa pasta, como um tesouro. Talvez coisa de velho.

O David nunca se declarou gremista ou colorado, mas sabíamos que era um gremistão. Quando falava do “seu Rolla”, “O inventor do futebol gaúcho” ou do Geromel, “o maior zagueiro da história do Brasil”, um “homem de borracha”, estava clara sua preferência clubística. O bairro do IAPI, foi eternizado não porque Elis Regina morou lá, mas através das diversas colunas que o David escreveu sobre esse lugar sagrado para o cronista: “O bairro mais bonito da cidade.” Das peladas no campo do Alim Pedro às reuniões dançantes ao som do conjunto Impacto, muitas foram as histórias que ficarão cravadas em minha memória e na de seus inúmeros leitores. O David partiu. E hoje deve estar se juntando aos seus velhos amigos Kant, Nietzsche e Schopenhauer num dos bares da eternidade, talvez não tomando um bom vinho ou uma vodca, mas sorvendo aqueles chopes bem cremosos acompanhados de uns nacos de linguiça frita.


Fotos de Dulce Helfer tiradas na
 rua Fernando Machado, antiga Rua do Arvoredo (Centro de Porto Alegre/RS), quando David lançou seu livro, "Canibais: paixão e morte na rua do arvoredo".

Para ler o livro COMIDA de David Coimbra, clique AQUI.

Aqui você pode acompanhar o trabalho da Dulce Helfer:

Paulo Kobielski

Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação
Paulo escreve a coluna Dossiê Kobielski, para ler, clique Aqui.
Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria Aqui.
Paulo é um dos apresentadores do podcast cultural Coletive Som, A voz da Arte. Para escutar os episódios clique Aqui.
Também confiram o episódio n# 02, apresentado por Patrícia Maciel e Luciano Xaba, entrevistando o Paulo Kobielski, clicando Aqui.


04 ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, CRIANDO MUNDOS
Não espalhe fake news,
espalhe cultura!

Postar um comentário

8 Comentários

  1. Uma história contada por quem sabe contar nos deixa de ladão a ladão com o enredo e com o Agente principal como se fôssemos da mesma turma no Colegial e, dessa forma, o mestre, maestro e professor Paulo desce da sua tronante sapiência para nos brindar e blindar com as peripécias escribadas desse formidável David, o cara. O cara que gostava de Tex e entre NIETZSCHE e outros, divertia-se aos batuque do bang bang e da tropelância dos cavalos em fugazes e desesperadas fugas.
    Se o Paulo Kobielski atesta ninguém contesta e pode levar que presta.
    Saudações,
    G. G. Carsan

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pelas palavras amigo Carsan. Tu que és o mestre das palavras. Sou um ,"juvenil" como dizem meus alunos. O David adorava Tex. Fará falta. Aquele abraço para. Te cuida aí.

    ResponderExcluir
  3. Conheci o Davi quando eu tinha 18 e ele 19. Participamos por três anos consecutivos de um bloco de carnaval em Cachoeira do Sul (minha cidade natal), pois ele tinha um grande amigo cachoeirense que o arrastou para as folias da lá. São lembranças de tragos e muitas risadas. Logo depois em Porto Alegre, o encontrava seguidamente pelo Centro e ele sempre solícito e simpático parava para conversarmos. Aí fiquei uns dois anos sem vê-lo e nos reencontramos numa edição da Feira do Livro e fomos jantar com amigos, como se tivéssemos nos encontrado no dia anterior. Depois a vida nos separou mas sempre mantive a forte impressão que se o reencontrasse, mesmo já como o nome consolidado como jornalista e escritor de talento, que ele iria parar para conversarmos um pouco e novamente darmos risadas. Essa é a imagem que carregarei dele para sempre, um cara simpático, bem humorado e um ótimo papo numa mesa de bar regada a chopps cremosos. Que ele siga para a Luz!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi João. David escrevia muito. Um jornalista combativo. Inteligente e criativo. Vá fazer muita falta nesses dias sombrios. Valeu comentário. Aquele abraço. Te cuida aí.

      Excluir
  4. Oh meu amigo... Fizeste-me chorar .. . Fui arremetida ao passado, quando tbm estava nessas rodas de conversas comendo inclusive linguiça frita e tomando a cerveja gelada...
    Bons tempos....
    Tbm virei admiradora de David Coimbra por causa do nosso eterno Genaro.
    Muito obrigada por me fazer reviver esses momentos em tuas pelas palavras...
    Sou tua fã!
    Grande abraço!
    Josi Reus!🌹

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oiiiiii Josi. Quanta saudade guria. Quando me pediram pra escrever sobre o Coimbra, a primeira pessoa que veio a cabeça foi nosso amigo Genaro. Valia a pena conversar c ele. Aprendi muito nós bate-papos, tanto na escola quanto nas mesas de bares. Duas perdas inseparáveis. Valeu o comentário. Aquele abraço. Te cuida aí.

      Excluir