NAVALHAS AO VENTO

 


SETEMBRO VERDE - AS DUAS VISÕES DA
 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

Vendo a publicação do meu amigo, um transplantado emocionado, percebi que a doação de órgãos é uma via de mão dupla. Era visível a emoção e a gratidão do Jorginho (ilustrador, administrador do Coletive e editor deste site)  ao doador por lhe permitir uma segunda chance e eu fiquei pensando em como eu me senti grata quando doei as córneas do meu marido. Chorei vendo o vídeo do Jorge e por isso entrei em contato com ele, pois queria dividir a nossa história com mais pessoas, afinal a doação de órgãos pode ser uma via de mão dupla, uma via que beneficia ambos os lados.

A mídia está repleta de cartazes sobre o Setembro Verde, mas poucos se interessam em saber o motivo desta denominação. Desde 2014 a Campanha Setembro Verde busca conscientizar a população para a importância da doação de órgãos. O grande número de pessoas que necessitam de um órgão, muitas vezes vital, é assustador. E mais assustador é quando percebemos que deixamos esses mesmos órgãos apodrecendo dentro de uma gaveta no cemitério quando poderíamos salvar vidas.

Antes de dar sequência a este texto quero deixar claro que respeito cada credo e cada religião, mas não concordo com deixar alguém morrer tendo a cura para essa pessoa. Eu vejo a construção de um cemitério como um grande e suntuoso lixão. Não consigo entender uma pessoa chorando frente a uma lata de lixo. E isso é um assunto que devemos conversar com nossa família para deixarmos claro o nosso desejo, afinal, todos vamos morrer.

Ao receber a notícia de que meu marido tinha apenas horas de vida, procurei a administração do Hospital Dom João Becker e solicitei o formulário de doação de órgãos. Como ele foi diagnosticado portador de adenocarcinoma renal, tive dúvidas se algum órgão poderia ser aproveitado, pois as células cancerosas já haviam se espalhado. Antes mesmo de declarar o óbito já tínhamos o diagnóstico de que as córneas poderiam ser transplantadas. A equipe médica veio me parabenizar pela rápida decisão, pois se eu demorasse a decidir teríamos perdido ambas as córneas. Senti um grande alívio, chorei e disse aos médicos que o maior beneficiado seria o Carey. O Dr. Feijó ainda questionou dizendo que os dois receptores seriam os beneficiários e eu novamente o corrigi e fiz um pedido atípico: eu pedi para que ambos receptores soubessem da minha gratidão, pois eles estavam dando a oportunidade para que os olhos do Carey continuassem a ver as águas dos rios, as nuvens e as árvores que ele tanto amava. Esses dois receptores permitem que os olhos do meu marido continue a ver o céu e as belezas deste mundo.

O transplante aconteceu em 2012 e até hoje todas as noites eu rezo para que Deus abençoe essas duas pessoas que eu não conheço, mas que carregam uma parte do homem que eu amei, carregam os olhos que um dia me fitaram com amor. Como doadora das córneas do meu marido me sinto muito grata a essas pessoas que emprestam seus corpos para que uma parte do Carey continue viva. E em nome do doador eu agradeço ao Jorge, por permitir que uma córnea continue neste mundo, pois graças a ele esse órgão não virou lixo nem alimento de vermes.

Pense antes de engavetar seu ente querido. Além de salvar uma vida ainda poderá ter a certeza de que seu amor continua viva no corpo de outra pessoa.

Isab-El Cristina Soares

Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.


04 ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, CRIANDO MUNDOS
Não espalhe fake news,
espalhe cultura!

Postar um comentário

0 Comentários