DOSSIÊ KOBIELSKI

 


HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE FAROESTE 
E O PAMPA GAÚCHO

Paulo Kobielski no traço de Jim Halley

Existem os que gostam mais de faroeste e os que gostam menos. Entretanto, é difícil encontrar alguém que não tenha guardado nenhuma lembrança de algum filme ou sonhado com algum personagem desse fascinante mundo.

O cinema de faroeste, também conhecido como western, ou bang-bang – para os brasileiros -, é um gênero clássico da indústria norte-americana, baseando suas histórias no período de colonização do Oeste americano, o Velho Oeste. Nos filmes de faroeste, os personagens sempre respeitam mais aos códigos de honra do que as leis locais. É um cenário onde o poder de luta é o elemento mais valorizado em um indivíduo. Esse tipo de linguagem foi inspirado nos filmes japoneses de samurais e nas sagas nórdicas. Segundo a escritora Ann Cleeland “Não há herói como o herói do faroeste”. E como seriam tais heróis? Para muitos: definitivamente másculos, confiantes e silenciosos, em geral. Rápidos no gatilho. Potencialmente violentos, mas nunca injustos. E, acima de qualquer coisa, éticos – ao seu modo. 


O cinema – tanto hollydiano quanto os “spaghetti italianos” consagraram e popularizaram o Velho Oeste norte-americano, tornando-o histórica e geograficamente um patrimônio do mundo. Mas as histórias em quadrinhos também ajudaram a eternizar os míticos duelos entre pistoleiros, as batalhas envolvendo índios e colonos e as típicas pradarias e os áridos cenários em que esses rudes homens e mulheres protagonizaram um dos períodos mais fascinantes da História.

E são exatamente as HQs que, ainda, mantêm acesa a chama do Oeste bravio. Os áureos tempos das grandes produções de cinema de faroeste estão longe, mas personagens de quadrinhos como o ranger Tex Willer (Itália) e o ex-tenente Blueberry (França) são publicados há décadas - em alguns casos de forma ininterrupta - em vários países.
                                                 Tenente Blueberry e Tex Willer

O começo do western nos quadrinhos, foi numa série essencialmente de cowboys, em 1928, quando a série Young Buffalo Bill estreou nas tiras de jornal dos Estados Unidos. A partir da década seguinte, o faroeste se entregou de vez ao mundo das HQs. Personagens como Bufallo Bill, de Harry O'Neil; Rei da Polícia Montada, com os desenhos de Allen Dean; e Red Ryder (conhecido no Brasil como Nevada), de Fred Harman, faziam muito sucesso entre os leitores já na década de 1940.



Entre os anos 1930 e 1950, não havia personagens de filmes de faroeste que não migrassem para os gibis. Fossem séries de cinema ou de TV, até os atores viravam heróis. Roy Rogers (com a arte de John Buscema em início de carreira), Hopalong Cassidy, Gene Autry, Rex Allen, Bill Elliot, Johnny Mac Brown, Rocky Lane (desenhado pela primeira vez no Brasil por Primaggio Mantovi, na década de 1960), Durango Kid, Buck Jones, Annie Oakley, Tom Mix e até o cachorro Rintintin, todos inundavam as tiras de jornais ou revistas em quadrinhos.


No Brasil os cowboys passaram a ocupar regularmente as páginas dos gibis a partir de 1938. Já no ano seguinte, nas páginas do primeiro número de O Gibi Semanal (RGE), teve a estreia de Bronco Piler.


Mas há outros personagens que ainda gozam de prestígio, no Brasil e na Europa, e que há muito tempo figuram na lista de preferência dos fãs de western. Alguns deles continuam firmes e fortes em suas próprias revistas.

O mais longevo de todos é o ranger Tex Willer, criado em 1948 por Gianluigi Bonelli e Aurélio Galleppini. Ao lado do amigo inseparável Kit Carson, do índio navajo Jack Tigre e do filho Kit Willer, suas histórias apresentam roteiros e desenhos que estão entre as melhores de qualquer segmento de HQs do planeta. No Brasil, Tex tem uma imensa legião de fãs desde 1971 e se tornou um fenômeno editorial tão grande, que atualmente, ele é o personagem com o maior número de títulos nas bancas tupininquins. Outro cowboy da Bonelli que também aportou por aqui foi o protetor da fictícia floresta de Darkwood, Zagor, o Espírito da Machadinha, criado em 1961 por Guido Nolita (pseudônimo de Sérgio Bonelli) e Gallieno Ferri. As histórias de Zagor são recheadas de temas místicos, fantasia, ficção científica ou mesmo terror, têm sido a fórmula do sucesso desse faroeste inusitado. E é claro que não poderímos esquecer de “Rifle Comprido “ou, Ken Parker, que se tornou um cult dos quadrinhos, por ser um cowboy afeito a obras shakespeareanas e com ideais ecológicos, além de outras características marcantes que o tornaram um dos personagens mais reverenciados de todos os tempos. Criado pelos italianos Ivo Milazzo e Giancarlo Berardi, as histórias de Ken Parker são tidas como obras-primas, verdadeiros romances literários em forma de quadrinhos. A Vecchi lançou o personagem no Brasil em 1978. Desde então, Ken Parker passou por diversas editoras.



Todos esses cowboys também deixaram marcas profundas entre o público cinéfilo e leitor em muitas partes do Rio Grande do Sul. Tanto que nos anos 1990, foi criado o “Clube do Faroeste”, com exibições de filmes e trocas de gibis na Casa de Cultura Mário Quintana de Porto Alegre, reunindo muitos aficionados do western durante muitos anos. O que nos leva a perguntar o porquê de os gaúchos terem um apreço pelo gênero faroeste?

Talvez escritores gaúchos como Érico Veríssimo, autor de “O tempo e o vento” e Simões Lopes Neto com seus “Contos gauchescos”, possam nos ajudar um pouco, ao apresentarem personagens dentro de uma atmosfera um tanto quanto parecida como aquelas retratadas nas histórias de faroeste.

Podemos dizer que, no caso rio-grandense, o extremo sul do Brasil, associado às características climáticas diversas do restante do país, sua distância em relação ao centro do poder e a paisagem de campos a perder de vista e a criação de gado forjaram um modo de ser gaúcho, um ser não muito diferente dos cowboys norte-americanos. Aliado a isso, não podemos esquecer, temos a questão das fronteiras territoriais: Portugal e Espanha, EUA e México, com as constantes lutas por esses espaços. Assim, tanto o cowboy das paisagens áridas do Texas, quanto o gaúcho do Pampa, são representados como seres míticos, que podem despertar ódios e paixões, típico de homens das guerras. Uma representação que começou a se formar já na colonização do Rio Grande do Sul, assim como no caso norte-americano, e que a literatura contribui em grande medida para a continuação dela.
A Guerra dos Farrapos no traço do gênio imortal Flávio Colin

Talvez tais argumentos não expliquem em toda sua plenitude, a paixão dos rio-grandenses pelos personagens de faroeste, especialmente os vindos da Itália, como Tex Willer e Ken Parker, entretanto, percebemos nos últimos tempos a proliferação de eventos como o Festival de Quadrinhos de Limeira, em 2018, com grande presença dos gaúchos. Também partiu daqui do Rio Grande do Sul, em 2021, em plena pandemia, a ideia de fazer o maior evento on line do mundo alusivo ao ranger: “Cavalgando com Tex”, organizado pelo ColetiveArts, contando com a presença de inúmeros fãs de muitas partes do Brasil.

Brett, criação do gaúcho Rodinério da Rosa

Nas bancas de revistas e nos sebos, se percebe muitos jovens comprando Tex, o que denota uma certa renovação do público leitor de quadrinhos de faroeste no Rio Grande do Sul. Alguns deles ao serem questionados sobre como começaram a ler Tex, respondem que herdaram esse hábito dos pais que são muito apaixonados pelo ranger.

Kelvin Monteiro Gonçalves de Alvorada/RS



Paulo Kobielski

Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação
Paulo escreve a coluna Dossiê Kobielski, para ler, clique Aqui.
Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria Aqui.
Paulo é um dos apresentadores do podcast cultural Coletive Som, A voz da Arte. Para escutar os episódios clique Aqui.
Também confiram o episódio n# 02, apresentado por Patrícia Maciel e Luciano Xaba, entrevistando o Paulo Kobielski, clicando Aqui.


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1 Comentários

  1. Não sei se já falei aqui... embora já conhecesse Tex pelo logotipo desde criança, quando vi exemplares da Ed. Vecchi (nem lembro quais edições), redescobri só no Fundamental quando achei uns números na biblioteca do colégio Alfredo José Justo. Não sou colecionador, mas ocasionalmente andei lendo através da Biblioteca Pública de Alvorada

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