CONTRAPONTO

 Jogos Mortais

Todos os dias corremos por inúmeras postagens no instagram e facebook cheias de opiniões fortes, uns são contra o governo atual e todos os que o elegeram, outros são contra o governo anterior e seus seguidores; uns são contra o aborto, outros defendem a liberdade de decisão; uns são a favor do homem pagando o jantar, outros são contra o homem pagar o jantar. Tá tudo certo termos as nossas opiniões, porém o que não está nada certo é a forma como condenamos imediatamente qualquer pessoa de opinião diferente e a etiquetamos com os piores rótulos, como se ela se resumisse àquilo mesmo. “Se não concorda comigo em algo, é meu inimigo!” - medo só de pensar em quantas pessoas concordam veemente com isso.

Refleti sobre isso outro dia, enquanto passeava pelos rells do instagran. Surgiu uma fala (mais uma entre milhares!) sobre a mulher estar fácil demais etc, etc, etc. Isso me deixou irada, pois acho um absurdo acreditarem que as mulheres são o motivo dos homens andarem infantilizados e problemáticos. Pensei seriamente em contestar as pessoas que afirmavam aqueles pensamentos, porém parei, respirei fundo - por que não estou afim de bater boca na rede - e espiei a página de algumas pessoas que pensavam diferente demim. Não analisei com aquele velho olhar infantil e julgador, mas apenas com curiosidade. Eram todas pessoas comuns, com algumas situações às quais se pareciam com as minhas e outras não. Esqueci em seguida toda a minha indignação de opiniões para perceber o quanto todos nós estamos no limite o tempo todo e isso não é bom. Por mais que o pensamento de alguém nos pareça ignorante, não sabemos todas as suas dores, buscas, receios, níveis de evolução. E todos somos humanos, quantas vezes já não nos envergonhados de uma crença ou atitude equivocada nossa do passado?

A internet, atualmente, está repleta de pensamentos ignorantes e rebates inteligentes, golpeadas pelos ignorantes de forma abusiva e agressiva. Quem tem a coragem de defender algo, é muito desprendido de ofensas alheias ou também está com sangue nos olhos. Nós, os que queremos paz, só passamos raiva em silêncio, para não se indignar ainda mais com toda essa doença social.

Não sei se eu era mais distraída antes, mas sinto que há 10 anos atrás a diversidade de opiniões não vinha com tanta intolerância e intensidade quanto agora. Há 28 anos atrás, tínhamos comunidades no Orkut defendendo inúmeros gostos. Dos mais macabros até os mais divertidos. Foi numa dessas comunidades que fiz uma amiga online de outra parte do Brasil, nós duas amávamos anime e rock e estávamos sempre pesquisando ou trocando informações sobre rocks de outros países e animes dramáticos. Lembro de fazer diversos contatos iguais e estava claro que a internet estava ali para nos aproximar. Atualmente a internet está nos separando (embora não seja culpa dela exatamente, mas da nossa imaturidade e extremismo aguçados). Quando queremos paz e união, desligamos todos os aparelhos.

“Ah, mas Fulano votou num genocida, ele é igual!”, “Ah, mas Beltrano é a favor da mulher ser submissa ao homem, é imbecil!”, “Ah, mas Ciclano é petista, deve amar todos os ladrões do mundo!”, é sempre o que vem na cabeça da maioria e essa é exatamente uma atitude observada pela pesquisadora Brené Brown em um dos seus livros, quando relata que uma das ações mais usadas em guerra é diminuir e denegrir o inimigo até que não haja mais vestígios de humanidade em sua imagem. Reduzir um grupo de pessoas à animais, monstros ou sub-seres desprovidos de raciocínio, pensamentos e direitos iguais torna mais fácil passar por cima deles. Brené relembra que foi exatamente o que Hitler fez com os judeus, também foi assim que diversos povos foram escravizados na história (indígenas,  ciganos, africanos, alemães, etc) - deixando de ser considerados humanos para significar apenas um sub-seres. Estamos no mesmo caminho!

O problema de tudo isso é que se estamos todos nos diminuindo, nos denegrindo, nos rebaixando para baixo do ser humano, quem restará para ser nossos compradores e donos? Quem ganha com as nossas brigas e desunião? Quem ganha com o nosso desinteresse pelos demais e imenso egoísmo? Todos já estão sendo egoístas, todos já não dão o sinal no trânsito, não respeitam o seu direito de opinar, o seu direito de não escutar a música dos outros, todos queimam o lixo do fundo do pátio, não perdem tempo reciclando o lixo, todos odeiam profundamente os professores, querem os melhores descontos, as melhores ofertas e as melhores oportunidades de sair na frente. O que sobra? Quem sobra? Se sobrou, por que sobrou? Convido a pensar em quem plantou esses Jogos Mortais e está assistindo de camarote a nossa chacina pela sobrevivência.


Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!


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