ARTE E CULTURA

 

MORRE R.F. LUCCHETTI, ÍCONE DO TERROR E DA LITERATURA PULP BRASILEIRA


Veja como são as coisas. Chegando em casa, no final de tarde (05/04/24), como de praxe, fui direto a caixa de Correios. Já não era surpresa. Como sempre,  tinha uma correspondência de R.F. Lucchetti me esperando. Dessa vez, o volume 9 de “Reminiscências”. Eu e Lucchetti trocamos ideias desde 2015. Suas histórias sempre me fascinaram. Escreveu mais de 1350 livros de ficção ou pulp ficcion.

Infelizmente as notícias do dia (05/04/24)  nformam a partida de R.F. Lucchetti para outro plano. Fiquei triste. Mesmo sabendo dos problemas de saúde de um  homem de 94 anos. Mas, ao mesmo tempo, confortável em saber que Lucchetti escreveu até o fim. E isso é digno de um verdadeiro ficcionista. Vá em paz mestre, estaremos sempre lendo suas histórias com aqueles finais inesperados.

Abaixo texto que foi publicado em três partes na minha coluna Dossiê Kobielski em homenagem ao mestre durante os anos de 2021/2022


“Ouço a noite fria, o dobrar do sono no campanário solitário.
É meia-noite, hora triste e profana.
Já faz dois dias que aqui estou, exausto e sem poder conciliar o sono.”

Assim começava “A Única Testemunha”, primeiro conto publicado pelo menino Rubens - que contava então com doze anos de idade, no jornalzinho de bairro “O Lapiano” de São Paulo, inspirado na literatura de Edgar Allan Poe, naquele longínquo ano de 1942. Nascia aí uma lenda viva: R.F. Lucchetti, um dos maiores ficcionistas desse país, o papa da literatura pulp brasileira, o homem que escreveu mais de mil livros, o mestre do Terror, o artista multimídia, enfim, um ícone da cultura pop.


Meu primeiro contato com a obra de Lucchetti foi por meio dos quadrinhos de Terror da Bloch Editores. Era o gibi “A Múmia Viva”, nº 5, datado de 1977. Na inocência dos meus treze anos de idade, achava que R.F. Lucchetti era um  roteirista estrangeiro. Com o passar dos anos, fui descobrindo quem era esse ficcionista – é assim que ele se autodenomina, e quão vasta era sua produção. Em 2017, quarenta anos após essa leitura, tive o privilégio de publicar no fanzine Mundo Gibi, uma entrevista exclusiva e uma hq por mim escrita e desenhada pelo Eduardo Monteiro, na qual homenageio o grande mestre da pulp fiction nacional.

Desde cedo, Lucchetti demonstrou ser uma criança diferente das outras. Era muito introspectivo e, ao invés de passar o dia brincando na rua, preferia desenhar e escrever. Gostava de criar histórias, vibrava com as aventuras que assistia no cinema e com os heróis das histórias em quadrinhos. No início da década de 1940, Lucchetti teve contato com os tabloides A Gazetinha e O Globo Juvenil. Esse último era o preferido de Rubens. Saía às terças, quintas e sábados. Seus personagens favoritos eram “Ferdinando”, de Al Capp; “Zé Mulambo”, de Raeburn Van Buren; “Brucutu”, de V.T. Hamlin; “Patsy”, de Mel Graff e “Brick Bradford”, personagem que conseguia viajar no tempo, de autoria de William Ritt e Clarence Gray. Mas as que mais lhe chamavam a atenção eram as histórias em quadrinhos policiais, como “Dan Dunn”, de Norman W. Marsh e “Rádio Patrulha”, de Eddie Sullivan e Charlie Schimidt. “O Lobinho(tabloide) eu comprava mais por causa de O Sombra. E eu tenho um número especial somente com histórias de O Sombra”, relata Lucchetti, em entrevista ao fanzine Mundo Gibi nº2.

Foi também nesse período que Lucchetti teve contato com as revistas que publicavam histórias de Suspense, Terror e Mistério. Foi com Alcyr Rossi, um de seus poucos amigos, que descobriu esse tipo de leitura. Rossi deu-lhe de presente dois exemplares da revista “Detective” e um do magazine “Misterios” que traziam contos e novelas de autores estrangeiros. Rubens se encantou com esses escritores e aquele tipo de publicação, que tiveram grande influência em sua vida. Foi nesse momento que ele teve a certeza do que queria fazer: escrever histórias como aquelas que lia naquelas revistas. E eis que em 1948, Lucchetti passou a ser colaborador das revistas que tinham servido de inspiração: “Policial em Revista”, da empresa A Noite; e a “X-9”, das edições O Globo.


Em sua infância e início da adolescência, Lucchetti adorava escutar nos finais de tarde as novelas radiofônicas que, muito antes do advento da televisão no Brasil, gozavam de enorme audiência. Entretanto, o que mais o fascinava eram os seriados de aventuras como “O Homem de Aço”, “O Homem Pássaro” e “Dick Peter”, produções que seguiam os modelo norte-americanos. O mais famoso desses era, sem dúvida, “O Sombra” (de Maxwell Grant), que em São Paulo ganhou vida por intermédio da voz de Octavio Gabus Mendes pelas ondas sonoras da Rádio Tupi, uma das mais importantes da época. Lucchetti resolveu arriscar e enviou algumas histórias para Octavio. Depois de alguns meses, finalmente Octavio radiofonizou suas histórias. Gostou tanto, que mandou recado no ar para que o jovem autor o procurasse. Empolgado, Lucchetti foi até a Tupi onde conversou com o veterano homem de rádio que elogiou o modo como Rubens elaborava suas tramas, de forma muito “visual”, perfeitas para serem transformadas m imagens, tanto para o cinema quanto para a televisão.

No ano de 1948, já em Ribeirão Preto, Lucchetti começou a escrever regularmente para o jornal Diário da Manhã e diversas outras publicações da região se encarregando de quase todo conteúdo. Em meados da década de 1950, Lucchetti é convidado pelo diretor da Rádio Clube de Ribeirão Preto a colaborar com uma série de histórias juvenis, com trinta dias de duração cada, em capítulos diários de quinze minutos, vinculados de segunda a sexta-feira. O ficcionista criou então o “Grande Teatro de Aventuras” que ia ao ar diariamente às 17 horas. Para esse programa escreveu, em dezembro de 1956, “O Escorpião Escarlate”, para concorrer com “Aventuras do Anjo”, que era transmitido no mesmo horário pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro. Também escreveu o programa policial “Quem Foi?” para retransmissora local da TV Tupi. “Quem Foi?” apresentava um crime a cada edição e contava com a participação dos telespectadores, que ligavam para a emissora e apontavam ao vivo quem era o criminoso. Foi uma experiência pioneira de interatividade com o público numa era de pré-internet e que inspirou muitos anos depois o programa “Você Decide”, da Rede Globo.


No início dos anos de 1960, Lucchetti teve contato com as publicações de Terror da Editora Outubro e chamavam lhe atenção as histórias em quadrinhos desenhadas por Nico Rosso para a revista “Seleções de Terror”. Para ele “Os argumentos dessas histórias nada tinham de inovadores e eram, quase sempre, bastante pueris. Entretanto, os desenhos, feitos por Nico Rosso, me chamaram a atenção. Possuíam algo de mágico... Apaixonei-me, de imediato, por eles e ficava, durante um longo tempo, olhando-os, divagando, perdendo-me nos mínimos detalhes de uma  ponte gótica ou apreciando o ambiente esfumaçado de tavernas que evocavam Os Velhos Gaiteiros se Divertem, de G. K. Chesterton... Eram desenhos que retratavam – num jogo de claro-escuro digno dos filmes que Val Lewton produzira para a RKO na década de 1940 – aldeias solitárias e castelos sombrios, lugares repletos de nostalgia, aquela nostalgia que morde o mais íntimo do nosso ser” (Mundo Gibi nº2). Lucchetti imaginava seus textos desenhados por esse grande mestre da Ilustração. Enviou alguns argumentos para a editora, na esperança que fossem transformados em roteiros de histórias em quadrinhos. Comprava ansiosamente as edições de “Seleções de Terror”, a fim de ver se algum de seus textos tinha sido quadrinizado. Passaram-se alguns meses, até que ele recebeu pelo correio dez exemplares de um livro de bolso com o título “Noite Diabólica”, seu primeiro livro. Nele, foram publicados dezoito contos e um poema que Lucchetti havia mandado. Para sua surpresa, a capa e ilustrações internas eram de autoria de Jayme Cortez, outro grande nome da Ilustração. Foi por intermédio de Cortez que Lucchetti teve a chance de publicar sua primeira história em quadrinhos, em 1964. O roteiro era baseado em seu primeiro conto “A Única Testemunha”, desenhada por Paulo Hamasaki, que também estava estreando como quadrinista da Editora Outubro. Foi também graças a Jayme Cortez que Lucchetti conheceu Nico Rosso pessoalmente.

Arte: Laudo Ferreira, feita para o Mundo Gibi n°03


“A maior arte do século 20 foram, sem dúvida, as histórias em quadrinhos”.
 - R. F. Lucchetti

Em 1966, Rubens Francisco Lucchetti muda-se com a família para a capital paulista, onde começa a trabalhar em uma loja de ferragens, assumindo o setor administrativo. Mas, seu objetivo não era passar a vida inteira nesse emprego. O interesse maior do autor, ao mudar-se para São Paulo, era realizar aquilo que mais queria: escrever histórias em quadrinhos e textos de ficção. Logo conhece os proprietários da Editora Prelúdio, especializada em publicações populares, mostrando-lhes alguns trabalhos produzidos em Ribeirão Preto. Esses gostaram e passaram a encomendaram textos para Lucchetti. Eram obras de quarenta a sessenta laudas. Nesses livros, Lucchetti iniciou a carreira de autor de ficção de bolso que o lavaria a escrever mais de mil livros. Foi na Editora Prelúdio que adotou a prática de assinar seus textos com diversos pseudônimos, por motivos comerciais, contra sua vontade. 

Em São Paulo, retomou contato com Nico Rosso, onde passaram a formar uma parceria que durou até fevereiro de 1972, e que gerou cerca de 150 histórias em quadrinhos. Rosso gostava das histórias criadas pelo parceiro e se identificava muito com seu estilo narrativo. Em 1967 decidiram criar uma revista só da dupla: “A Cripta”. A revista tinha formato grande e uma novidade: histórias publicadas em meio-tom. A Cripta teve uma boa aceitação popular. Apesar disso, a publicação foi cancelada em seu quinto número, pois segundo Lucchetti: “Em seus cinco números, A Cripta apresentou inúmeros erros. Assim, só poderíamos deixá-la de lado ...” ( Mundo Gibi 3).


Em 1968 Lucchetti conheceu José Mojica Marins, o “Zé do Caixão”, e passou a escrever histórias para filmes como “O Estranho Mundo de Zé do Caixão". Logo em seguida passou a escrever roteiros para um programa semanal na TV Bandeirantes, que iria ao ar todas as sextas-feiras, à meia-noite: “Além, Muito Além do Além”. A cada programa o anfitrião Zé do Caixão recebia um convidado para contar uma história como se fosse um relato real. A partir daí, a história era dramatizada. Todas as histórias tinham elementos de terror e sobrenatural. O programa foi um sucesso do canal e despertou atenção da concorrência. Mojica, logo rompeu com a emissora e assinou contrato com a TV Tupi, onde estreou um programa nos mesmos moldes de “Além, Muito Além do Além”, agora rebatizado de “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”. Ao se transferir para a Tupi, o público diminuiu, pois na outra emissora o programa tinha um apelo mais popular e saiu do ar. A atitude impulsiva de Mojica acabou prejudicando o ator e também Lucchetti, que deixou de escrever os roteiros, que lhe proporcionava uma renda adicional. Os laços com Mojica ainda seriam mantidos e Lucchetti concluiu o roteiro do filme “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”. Esse trabalho deu início a uma parceria que rendeu 15 roteiros de longa – metragens, 58 scripts para a tevê, 6 gibis, 3 radionovelas, uma minissérie e um projeto de novela, nem todos produzidos.

Após deixarem de produzir A Cripta, Lucchetti pensou em criar uma nova revista de Terror, tendo como personagem Zé do Caixão. Depois de conversar com Nico Rosso e obter autorização de Mojica, Lucchetti desenvolveu o projeto e redigiu os dois primeiros roteiros da revista que foi batizada de “O Estranho Mundo Zé do Caixão”. No início de janeiro de 1969, a revista foi lançada pela Editora Prelúdio, com uma tiragem inicial de 20 mil exemplares, que se esgotaram em questão de dias. Foram impressas várias tiragens, totalizando 70 mil exemplares. O sucesso da revista da Prelúdio chamou a atenção de outras editoras. Quando o número três estava chegando às bancas, a Prelúdio recebeu uma carta informando que Mojica havia assinado um contrato com a empresa Dorkas. A relação entre Lucchetti e Mojica se tornaram difíceis. Na tentativa de tirar a Prelúdio do prejuízo, Lucchetti criou duas novas revistas: “O Homem do Sapato Branco no Terror do Mundo Cão” e “Histórias Que o Povo Conta”. A essa altura, as vendas da revista de Zé do Caixão na Dorkas, estavam ruins e prestes a ser cancelada. Mojica fez uma tentativa de trazê-la de volta para Prelúdio. Lucchetti foi consultado. De início, resistiu, recusando-se a voltar a trabalhar com alguém em quem não cofiava. Mesmo assim, o ficcionista cedeu e escreveu os roteiros para uma nova revista: “Zé do Caixão no Reino do Terror”, mas essa não repetiu o sucesso da primeira versão.


Lucchetti viveu o que ele considera um verdadeiro boom dos gibis nacionais na década de 1960 pelas pequenas e médias editoras de São Paulo. O Terror era um gênero que tinha muita aceitação no Brasil desde os anos de 1950. Diversas publicações como “Terror Negro”, “Gato Preto”, “Sobrenatural” alcançavam boas vendas e diversos profissionais viviam exclusivamente de escrever roteiros para quadrinhos. Segundo Lucchetti, ele escreveu, em média, dez roteiros por semana durante alguns anos. No auge de sua produção, Rosso e Lucchetti produziam cerca de 30 páginas de quadrinhos a cada sete dias. Lucchetti trabalhou para todas as editoras e praticamente com todos os desenhistas em atividade na época, porém nunca escondeu que preferia trabalhar com Rosso, com quem tinha uma sintonia perfeita.


Com a saturação e o esgotamento do filão dos gibis de Terror, Lucchetti passou a se dedicar a livros escritos por encomenda. Em 1972, já no Rio de Janeiro, foi convidado para o cargo de editor da Bruguera – depois Cedibra, a principal editora brasileira de livros de bolso dos mais variados gêneros: Romance, Western, Terror, Policial, Ficção Científica, entre outros. Além de material estrangeiro, a editora publicou textos de autores brasileiros. Lucchetti escreveu todos os volumes da coleção Trevo Negro, assinando com diversos pseudônimos.

Em 1977, José Mojica Marins apresentou a Lucchetti um rapaz que tinha filmado algumas cenas de Terror em Super 8. Esse jovem era Ivan Cardoso, que tinha pretensão em se tornar cineasta e que gostava do gênero.


“Quando escrevo uma história, meu principal desejo é entreter o leitor, fazê-lo esquecer, ainda que por pouco tempo, problemas do cotidiano.”
-  R. F. Lucchetti

Rubens Francisco Lucchetti é um dos primeiros artistas multimídia desse país, com uma produção gigantesca e inigualável. Escreveu para jornais, pulps, revistas em quadrinhos, programas de rádio, televisão e cinema, com uma agilidade incomparável.


Na segunda metade dos anos de 1970, o escritor conheceu o jovem e promissor cineasta Ivan Cardoso, que também gostava do gênero Terror. Desse encontro nasceu uma parceria que culminou em quatro filmes. O primeiro foi “O Segredo da Múmia” (1982), que Lucchetti roteirizou a partir de algumas cenas filmadas por Ivan. O personagem já era bem conhecido pelo roteirista, que escrevera histórias em quadrinhos para o gibi “A Múmia”, com desenhos de Julio Shimamoto e publicados pela editora Bloch. O filme tinha no elenco estrelas do cinema nacional como Wilson Grey, Clarice Piovesan, Tânia Bôscoli, Jardel Filho, Felipe Falcão e participação especial do maestro Julio Medaglia. No papel da Múmia de Runamb, o ator Anselmo Vasconcellos, que teve atuação extraordinária, conseguindo dar uma expressividade à personagem, mesmo atuando todo enfaixado. O filme acabou sendo uma homenagem aos clássicos filmes de Terror dos anos 1930, especialmente os da produtora norte-americana Universal. Por esse trabalho, Lucchetti foi premiado com o Kikito de Melhor Roteiro no Festival de Gramado de 1982. 

TRAILER DE O SEGREDO DA MÚMIA:


Lucchetti também roteirizou o segundo filme de Ivan: “As Sete Vampiras” (1986), que presta homenagem aos filmes Noir e à literatura Pulp, temas que o ficcionista sempre apreciou. 

Com esses dois filmes, Ivan se consagrou como diretor além de criar um gênero onde se tornou mestre: o “Terrir”, misto de Terror com elementos humorísticos, além de incorporar uma boa dose de erotismo, que fazia muito sucesso na época com as pornochanchadas.


“O Escorpião Escarlate” (1990), terceiro filme de Ivan roteirizado por Lucchetti, faz homenagem aos seriados do cinema e do rádio, com todos os clichês que caracterizavam esses gêneros. Foi a oportunidade de Lucchetti resgatar o antigo personagem criado para o rádio. O filme também homenageia o seriado de rádio “As Aventuras do Anjo”. Lucchetti não gostou da ideia de colocar o Anjo. No roteiro original, o vilão Escorpião Escarlate tem de enfrentar O Morcego, inspirado em O Sombra. Lucchetti discutiu muito com Ivan por causa dessa mudança. 

Um quarto filme foi realizado por Ivan com roteiro de Lucchetti: “Um Lobisomem na Amazônia” (2005). Diversas intervenções acabaram por modificar o roteiro de Lucchetti, que detestou o filme e não o considera parte de sua filmografia.


Em 1982, Lucchetti recebeu o convite de Walter Avancini para realizar um seriado da Múmia para a TV Globo, a partir do filme, que havia despertado o interesse da audiência jovem. Chegou a iniciar os trabalhos, mas por desentendimentos com o roteirista designado pela emissora, abandonou a produção sem dar satisfação a ninguém. 

Como escritor, toda a produção de Lucchetti era voltada para pequenas e médias editoras e destinada a bancas de jornal. Ganhava por obra e não recebia nenhum centavo de direitos autorais, pois eram livros feitos sob encomenda e todos assinados com pseudônimos, contra a vontade do autor. 

Por ser extremamente comprometido com o trabalho e ser muito veloz, muitas editoras recorriam a Lucchetti para as mais variadas e inesperadas edições, desde encantamentos e simpatias - “O Legítimo Livro de São Cipriano” (1970), contrário às crenças de Lucchetti, para a Prelúdio até autoajuda para a Fittipaldi. 

Em quase quarenta anos de atividade como escritor, Lucchetti produziu todos os seus textos numa máquina de escrever Remington, que adquiriu em 1950. Mesmo com o advento dos modernos computadores, nunca abriu mão de sua velha companheira na hora de escrever livros e roteiros para Cinema, TV ou Quadrinhos. 


Ao todo, entre 1968 e 2004, Lucchetti contabilizou 1547 títulos por encomenda, uma marca excepcional que demonstra a capacidade produtiva e a fértil imaginação do autor. 

Embora tenha uma extensa obra literária e consagrados trabalhos no Cinema, Lucchetti declarou que as histórias em quadrinhos continuam sendo sua grande paixão, onde colaborou com inúmeras editoras. Atualmente reside em Jardinópolis, município a cerca de vinte quilômetros de Ribeirão Preto, onde vive rodeado por mais de cem relógios de mesa e de parede, pertencentes à coleção de Tereza, falecida em 2011. 

Avesso a eventos sociais e honrarias de qualquer espécie, Lucchetti chegou a ser eleito para a Academia Ribeirãopretana de Letras, mas simplesmente recusou a láurea. Fiel à sua decisão de não pertencer a nenhuma entidade, não compareceu, preferindo tomar aulas de direção com seu primo que possuía um Citroën. 

Em 2003 escreveu para a Opera Graphica, “Os Extraordinários”, baseado em “As Aventuras da Liga Extraordinária, graphic novel escrita por Alan Moore e desenhada por Kevin O’Neill. Lucchetti revisitou alguns de seus autores prediletos como Bram Stoker, Jules Verne, Robert Louis Stevenson, Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle e prestou sua homenagem da melhor forma que sabia fazer: escrevendo. 


A obra de Lucchetti tem merecido constantes reconhecimentos. Já foi objeto de pesquisas acadêmicas, com artigos e dissertações de Mestrado; livros contendo depoimentos e entrevistas e de um documentário. Uma coletânea de contos inspirado em seu universo, “O Mundo Fantástico de R. F. Lucchetti”, lançado em 2018 pela editora Coerência.

A partir de 2014, seus livros começaram a ser relançados, em edições revistas, sem cortes e ilustradas pela Editorial Corvo. Na Internet existe vasto material sobre Lucchetti. A edição de 18 de outubro de 2014 do jornal americano “New York Times” publicou matéria sobre seu trabalho como escritor, exaltando sua capacidade produtiva e descrevendo-o como um “cult”.  Para ler a matéria clique aqui.

Por sua contribuição aos Quadrinhos para os quais escreveu cerca de trezentos roteiros, Lucchetti recebeu, em 1990, o Prêmio Angelo Agostini, na categoria Mestre do Quadrinho Nacional e, em 2013, o Troféu HQMIX, na categoria Grande Mestre. 

Ao finalizar essa matéria, gostaria de compartilhar com vocês, minha admiração por Rubens Francisco Lucchetti. Não li tudo que ele escreveu – e tenho quase certeza de que ninguém leu tudo, pois sua produção é extensa. Mas o pouco que consegui ler - gibis, contos, romances; os filmes que assisti, me fizeram ver o quanto Lucchetti é importante para a cultura popular brasileira. Aliás, o Brasil que valoriza muito pouco seus autores. Mas Lucchetti não se importa com isso e ainda nos ensina: “O importante é realizar. Mesmo que de maneira imperfeita.” Obrigado mestre.


Rubens Francisco  Lucchetti
29/01/1930 - 04/04/2024

Paulo Kobielski


Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação
Paulo é uma espécie superior de gaúcho, pois é gremista!
Paulo escreve a coluna Dossiê Kobielski, para ler, clique Aqui.
Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria Aqui.
Paulo é um dos apresentadores do podcast cultural Coletive Som, A voz da Arte. Para escutar os episódios clique Aqui.
Também confiram o episódio n# 02, apresentado por Patrícia Maciel e Luciano Xaba, entrevistando o Paulo Kobielski, clicando Aqui.


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