ESSE ESTRANHO MUNDO NOVO
DO
CAPITALISMO DE DESASTRE
A tragédia continua...
O momento que era de mobilização para limpeza, sanitização, reconstrução e cobrança para que os recursos financeiros federais cheguem integralmente para esse fim, foi inundado pelas águas escuras diante de desculpas esfarrapadas dos gestores, que insistem em culpar a natureza e que não é o momento para apurar culpados. Mas o prefeito da capital e o governador do estado, que em todas as suas aparições diante de câmeras estão vestindo coletes da Defesa Civil (provavelmente por indicação de marqueteiros), já não conseguem esconder o despreparo e a negligência que agrava a situação da população.
São tempos muito difíceis, mas também é o momento para investigar, apurar e responsabilizar os gestores negligentes.
E por isso temos que estar atentos ao que vem pela frente, pois há muito o que reconstruir. Assim o anúncio, em 13 de maio, de que a prefeitura de Porto Alegre contratou uma empresa norte-americana, a Alvares & Marsal, para elaborar um plano de recuperação da capital, acendeu um sinal de alerta.
Antes de me deter numa análise sobre isso, quero abordar questões conceituais que formarão um contexto adequado.
Essa coluna não pretende aprofundar qualquer tema relevante, para isso existem os especialistas acadêmicos e cientistas de todas as áreas.
O meu propósito é expor algumas questões, que são previamente pesquisadas em fontes confiáveis, para provocar reflexões.
Assim não pretendo discorrer sobre a história dos sistemas econômicos que se desenvolveram a partir do século XIX, das razões porque o Socialismo e o Comunismo não se consolidaram como sistemas econômicos viáveis, mas expor algumas informações a partir do reconhecimento de que o Capitalismo é o modelo de sistema mais adaptável, que tanto pode promover desenvolvimento e bem estar, como também agudiçar diferenças sociais e gerar uma população de excluídos.
Uma das razões pelas quais o modelo capitalista se instalou, a partir do final do séc. XIX, em alguns países desenvolvidos e prosperou vendo a morte de algumas utopias é porque ele se metamorfoseia. Assim já tivemos um capitalismo desenvolvimentista, um capitalismo selvagem, um capitalismo financeiro e esse por sua vez derivou numa das versões mais danosas e que é o tema dessa coluna: o capitalismo de desastre.
Esse modelo adaptável de capitalismo está ligado a economia de recuperação de desastres, sejam naturais ou sócio-políticos, onde mostra o seu lado mais sombrio desse sistema.
A origem desse modelo remonta ao conceito de “choque” proposto pelo economista Milton Friedman, ganhador do Premio Nobel em 1976, e um dos principais influenciadores da linha econômica liberal. Friedman argumentava que apenas as crises econômicas poderiam produzir mudanças significativas nas sociedades. Ou seja, um período após um choque traumático coletivo é o mais propício para reformas, que em situações de normalidade social, não seriam aceitas. Por exemplo, como privatizações radicais.
Foi a partir desse conceito proposto por Friedman, que a escritora, jornalista e ativista canadense Naomi Klein lançou a sua obra “A Doutrina do Choque – A Ascensão do Capitalismo de Desastre” em 2007.
Poderíamos perguntar o porque esse livro publicado há 17 anos é referenciado agora nessa coluna? A resposta vem de uma rápida análise do conteúdo da obra, uma vez que a autora mostra o desenvolvimento desse modelo com muitos exemplos, tais como o golpe em Salvador Allende no Chile e a crise econômica da Bolívia nos anos 80. Nos anos 90 há os exemplos da Malásia, Filipinas, Indonésia, Coréia do Sul.
Em todos esse países houve eventos climáticos extremos e/ou crises econômicas graves, em que em meio ao estado de choque e confusão dos cidadãos e dos seus efeitos sobre a psicologia social, foi criada a oportunidade para a realização de reformas impopulares, de corte neoliberal. Todos esse países tiveram uma redução do estado com privatizações e grandes corporações ganharam liberdade sem regulamentação.
No Sri Lanka, depois de um tsunami em 2004, o governo decidiu que a reconstrução não poderia ficar nas mãos dos políticos, formou uma Força Tarefa composta por banqueiros e empresários e esse grupo gerou um plano de reconstrução que atendia aos seus interesses. Assim os moradores de áreas pobres foram expulsos, para fortalecer o turismo de luxo.
Naomi Klein demonstra como um desastre natural extremo, como o furação Katrina em Nova Orleans, serviu como ponto de partida para uma série de privatizações, incluindo o sistema educacional. O mesmo fenômeno social de gentrificação, que aconteceu no Sri Lanka, também foi aplicado na reconstrução de Nova Orleans. Assim os cidadãos que moravam em áreas mais pobres, tiveram que se mudar para uma periferia mais extrema, já que as novas moradias foram destinadas ao turistas endinheirados.
Aqui no Brasil tivemos a primeira experiência da implantação desse modelo nefasto com o desastre do rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da Samarco (Vale S.A./ BHP Billiton) em novembro de 2015, causando 19 mortes, milhares de atingidos e um rastro de destruição ao longo da Bacia do Rio Doce, em particular na cidade de Mariana, MG.
Uma excelente tese de doutorado da UFMG descreve como aconteceu o primeiro experimento do capitalismo de desastre nesse caso. A autora Claudia Rojas argumenta que “foi por meio de três terapias de choque. A primeira foi o próprio rompimento, que seria evitável e ocorreu de forma abrupta e violenta; a segunda terapia de choque foi um ambicioso programa econômico neoliberal, antidemocrático e impopular, para reparar e compensar os danos ocasionados. Esse programa permitiu as corporações responsáveis inaugurar um novo mercado e conquistar os últimos bastiões do estado”. Por fim, e não menos perverso, os atingidos foram submetidos a “mecanismos e técnicas de tortura coletiva, que contribuíam para reduzir o gasto social, neutralizar a resistência e consolidar a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil”. Por exemplo, como a pressão por assinaturas de acordos de indenizações irrisórias.
A autora demonstra como o capitalismo se fortalece com as crises que ele mesmo fomenta e reproduz continuamente. Primeiro, com a consolidação do papel das corporações privadas nas respostas às crises. No caso da barragem, por exemplo, o dinheiro das reparações não foi gerido pelo estado ou pelas vítimas, mas por uma fundação privada. Segundo, esse processo permite o avanço da classe capitalista transnacional e isso acontece de uma maneira sofisticada, com ONGs e projetos de recuperação, novas instituições e protocolos, de maneira que as próprias corporações ditam as regras e as respostas às crises. São grandes consultorias internacionais especializadas em reputações.
João Luís Martinez |
Silvio Ribeiro com uma rifa solidária
O artista gráfico Silvio Ribeiro está com uma rifa solidária da sua obra Guia Completo do Desenho Artístico, com valor de r$ 5,00 o número. Todo o valor será revertido para a compra de alimentos e bens que serão destinados às vitimas das enchentes do Rio Grande do Sul.
Para conhecer um pouco mais sobre o Silvio Ribeiro clique AQUI
2 Comentários
Excelente análise, perspectiva e exemplos, mister Martinez. Tem meu apreço, meu aplauso.
ResponderExcluirO Brasil tem cerca de 7 mil gestores públicos, contando Estados, Municípios, Autarquias,... Acredito que a mínima parte tenha conhecimento científico em gestão pública.
A imensa maioria entra pelo voto comprado, pela indicação amigável,.
Não há preparamento para crises, para catástrofes. Resta um hiper amadorismo nesses assuntos.
O ponto de interesse é apenas status e poder, essa riqueza hipócrita que comandam as Nações, e seus desmembramentos.
G. G. Carsan. João Pessoa PB.
Obrigado, caro Carsan. Aprecio também as tuas colunas. Cá entre nós, acho que o Tex iria dar um jeito nesse gestores que só pensam no bolso e neglicenciam a população. Abraço
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