ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO

 ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO 

 DO 

 LADO ESCURO DO AGRONEGÓCIO

A extensão territorial do Brasil causa inveja a muitos outros países. Assim  como o clima, que de modo geral é favorável já que não temos por aqui nevascas,  por exemplo. 

Então uma pergunta se impõe: porque não se consegue fazer uma reforma  agrária num território tão amplo?

 Não há uma única resposta para isso e uma delas, é que historicamente sempre  houve quem se achasse dono dessas terras com milhares de hectares e jamais  admitiu dividi-la. 

Assim uma reforma agrária em nosso país tornou-se um anátema, tanto que  em 1964 o presidente João Goulart foi deposto por um golpe de estado midiático-civil-militar, porque estava entre as suas chamadas “reformas de base”, uma  reforma agrária. 

Pois enquanto sonhamos que a agricultura familiar que produz alimentos para  a população, tenha terras e melhores condições, chegamos num momento  histórico em que o Brasil é o maior produtor de soja do mundo. Mas o que  significa isso? Por acaso a soja é importante na mesa dos brasileiros, além de um  óleo que comparado a outros, é de qualidade inferior?

A soja está na categoria de uma commodity, ou seja, de um produto produzido  em larga escala que possui qualidade e características uniformes, serve de matéria  prima para a fabricação de diversos outros produtos, cujo preço é determinado  pela lei de oferta e procura do mercado internacional. A soja brasileira é aplicada  em lubrificantes industriais, tinta para impressão gráfica, polímeros, na indústria  de cosméticos e até mesmo na elaboração de protetores solares, entre outros usos. 

rocando em miúdos, o principal grão produzido no agrobussiness nacional,  cujas lavouras ocupam largas extensãos de terra, não serve para alimentar a  população brasileira. Aliás, 75% dessa produção vai para a China onde serve  como ração para o rebanho suíno, a proteína mais utilizada pelos chineses.

Apenas para deixar bem evidente, essa coluna não tem uma posição radical  contra o agronegócio como um todo. Estou tratando desse tipo de agro  relacionado à produção de soja.

Pois além disso, esse tipo de agronegócio também causa outros efeitos, alguns  menos graves (a não ser para os nossos ouvidos) como o comando de uma rede de rádios e de gravadoras que bancam a atual música sertaneja e as dezenas de  duplas parecidas. 

Outros são bem mais graves, como a chamada “bancada do boi” de políticos  no Congresso, que via de regra se alia à pautas conservadoras e de impactos  ambientais (em especial o desmatamento de áreas da Amazônia), junto as  bancadas “da bala e da bíblia”. Lembram do infame ministro bolsonarista que  queria aproveitar a pandemia para “passar a boiada”? Vou provar que ela passou  e continua. 

Se esse poderoso setor do agronegócio pudesse designar uma capital para o  seu mundo, não seria Brasília por certo, mas a cidade de Sorriso em Mato Grosso que é a líder nacional dessa produção.

De acordo com dados publicados pela agência de notícias Mongabay  (especializada em notícias ambientais) num período de dez anos o PIB do  município de menos de cem mil habitantes (96.769 de acordo com o censo mais  recente), saltou de R$27 mil para R$132 mil.

E é justamente nessa cidade que se manifesta de uma maneira cristalina o lado  escuro do agronegócio, ou seja, um aspecto que poucos conhecem. Se fosse  possível resumir a questão, poderíamos chamar de “o apartheid do agronegócio”,  como a imagem a seguir ilustra bem. 

De um lado há casas modernas e caras dos detentores de terras e plantações;  de outro, os casebres dos trabalhadores. Tudo dividido por uma rodovia. Visto de  cima a BR -163 funciona como se fosse uma fronteira, como se fosse um muro  invisível que separa dois mundos – a região oeste e a região leste.

Na região oeste há uma economia pujante, comércio com lojas de marcas de  luxo e ruas com caminhonetes que custam centenas de milhares de reais.

Na região leste, carros fabricados há muitos anos circulam numa paisagem de  construções simples com tijolos à mostra e placas de excursões para o Maranhão,  que levam e trazem trabalhadores anônimos que servem até a própria vida na  cadeia de produção do ouro do Cerrado, a soja. 

A geração de riqueza e de desigualdade no Centro-Oeste são faces do mesmo  projeto de desenvolvimento colocado em prática na década de 70. Baseado na  lógica de uma ocupação de terras na Amazônia e no Cerrado por colonos oriundos  do Sul do país, este projeto foi turbinado com a consolidação das commodities  alimentares, em particular a soja.

De acordo com Vitali Joanoni Neto, professor e pesquisador da Universidade  Federal do Mato Grosso (UFMT): “O projeto de colonização foi uma iniciativa  do Governo Federal (nos anos da Ditadura Militar), que permitiu que empresas  comprassem grandes quantidades de terra e organizassem comercialmente e  estrategicamente a venda dessas terras”.

A estratégia foi criar grandes lotes rurais conectados a lotes urbanos. Assim a  empresa colonizadora tornava o seu produto mais atraente com a promessa aos  futuros fazendeiros do Cerrado, de que criaria cidades planejadas. Se pegarmos o  exemplo de Sorriso, isso era verdade, afinal a colonizadora urbanizou e  floresceram bairros com alta qualidade de vida.

Mas quem ficou de fora desse projeto de desenvolvimento, arrumou um  problema. Foram justamente os trabalhadores do agro que chegaram depois, para  fazer tudo funcionar e produzir nas fazendas, mas ficaram sem terras, sem casas  e apartados das condições mínimas de um desenvolvimento e das oportunidades   de progresso. 

Em uma região do Brasil onde a riqueza vem do que a terra dá, quem não tem  terra faz o quê? Essa é a pergunta que um enorme contigente de moradores do  município de Sorriso se faz. De acordo com dados do Cadastro Único do governo  federal, 30% dessa população vive em situação de vulnerabilidade social numa região que tem a maior concentração de terras do país, segundo o Atlas do Espaço  Rural. Em Sorriso, quem luta por terra vive na pele uma outra face do apartheid  social imposto pelo agro. 

Há muitas histórias tristes de assentamentos de trabalhadores que produziam  em terras que eram consideradas improdutivas, mas mesmo assim foram  desmanchados por ações judiciais de reintegração de posse. Haveria terra para  todos, mas esse setor do agro quer tudo, a qualquer custo.

São inúmeros os relatos de perdas por parte dos trabalhadores ao longo de  vinte anos:

- Há quem tenha perdido tudo, de assentamento em assentamento destruídos;

- Há quem tenha perdido as colmeias e a produção de mel;

- Há que tenha perdido toda a produção de frutas;

- Há quem tenha desenvolvido um câncer e perdido a vida. 

udo porque a aplicação de agrotóxicos (alguns já proibidos em outros países)  sempre foi indiscriminada e a chuva de veneno lançada pelos aviões destrói  plantações e vidas humanas. Os altos índices de casos de câncer em Sorriso são  o dobro da média de todo o estado de Mato Grosso. 

á também outro tipo de tragédia que vitima trabalhadores. Os que morreram  soterrados e afogados em silos de soja, por não terem ao dispor equipamentos de  segurança.

E na questão ambiental, depois de duas décadas, não resta mais nenhuma mata  nativa na região, que foi extinta em favor das extensas lavouras. Lembram da  boiada passando?

Na região controlada pelo agronegócio da soja, o lado rico também atraiu o  crime organizado que viu um possibilidade de expansão com o fornecimento de  drogas para os fazendeiros e suas proles. O município de menos de 100 mil  habitantes tem a sexta maior taxa de homicídios do país.

 Humberto Gessinger com o seu Engenheiros do Hawaí já havia cantado “o  Papa é Pop” em sua canção homônima de 1990. 

 A Rede Globo em sua propaganda institucional proclamava: “O Agro é Pop”. 

 Eu me permito fazer uma mixagem, adaptando o refrão da canção: “O Agro é  Pop, o Agro é Pop, o Agro não poupa ninguém”. 

João Luís Martinez


João Luís Martínez é ator, dramaturgo, escritor e roteirista. Cursou a Faculdade de Jornalismo da UFRGS. Atua há 40 anos nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web). Como roteirista já escreveu roteiros de curtas, longas, minisséries e séries, ficcionais e documentais para Produtoras do RS e de SP. Integrou durante dez anos o corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo onde foi responsável pelos cursos de roteiro. É amante da literatura, dos quadrinhos, da música e de todas as formas de expressão artística.

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