NAVALHAS AO VENTO

 

MEU UMBIGO, MINHA VIDA

Confesso que acreditei no ser humano. No início da pandemia de Covid-19 eu acreditei que as pessoas ficariam melhores após vencer aquele triste momento. A medida em que os números de óbitos foram aumentando fui percebendo que o ser humano a cada dia estava ficando mais definido. Hoje tenho certeza de que a pandemia só piorou: os humanos ficaram mais humanos e os medíocres cada dia mais medíocres.

Era normal encontrarmos pessoas sem máscaras, colocando a vida de outras pessoas em risco e achando-se no direito de “não gostar e por isso não ser necessário”, defendendo o uso de remédios não comprovados ou negando a vacina. Pessoas tentando comprar doses de vacinas para se imunizarem antes dos outros, tentativa de desvio de lotes e outros absurdos. Em Gravataí teve uma carreata , todos empresários mascarados dentro de seus carros, solicitando a reabertura do comércio, onde apenas os funcionários estariam se colocando em risco, os patrões ficariam nas suas casas, longe do vírus.

Hoje vejo que as pessoas estão pensando mais nos seus umbigos. O que não serve para mim não pode servir para ninguém. Se eu não sofri um abuso, digo que é mimimi. Se eu não fui assaltada, digo que não precisa cuidado. Se não peguei Covid é porque é apenas uma gripezinha. Se sou branca, digo que racismo não existe. Se sou hétero, digo que orgulho gay é palhaçada. Se não sou deficiente físico, debocho das deficiências dos outros. Se o que eu faço não for considerado o melhor, o que o outro faz não merece destaque. Se meu nome não for aclamado o do outro não pode ser e se for eu direi que nada vale. Hoje vejo pessoas batendo no peito, bradando que são ricas com o intuito de humilhar o irmão que tem um pouco menos.

Hoje a classe média fica fazendo média. Pensam que são  ricos e carregam uma bíblia chamada carnê para pagamento de um carrinho popular. Não percebem que estão muito perto de serem pobres e muito longe de serem ricos. Com discurso hilário, defendem a classe alta como se dela fizessem parte e não percebem que são como cachorros de mansões: cuidam da fortuna do dono, mas dormem do lado de fora.

É muito engraçado ver um pobre se denominando classe média ou rico. É só olhar o botox de má qualidade, aplicado de qualquer jeito por um profissional barato, deformando o rosto ou nas sobrancelhas desbotadas pela má qualidade da pigmentação ou  nos beiços mal desenhados que se percebe a irônica tentativa de parecer rica.

Ser rico não é qualidade. Não entendo qual a necessidade de usar classe social como definidor de caráter. Fica até feio esnobar, porque quem realmente é classe média ou alta, não age deste modo, tenta passar despercebido.

Mas esse papo é apenas um desabafo. Consciência de classe não se compra no mercado da esquina, nem se ensina nas escolas. Isso se chama caráter: ou tu tens, ou não tem.

Na onda do “meu umbigo, minha vida” vale até desqualificar os mortos, afinal eles não estão aqui para se defenderem.

Isab-El Cristina Soares


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
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16 Comentários

  1. Excelente texto! Valorizar o que é do outro, mensurar ações, fatos ou palavras, perceber o que é alheio ... percebo que, de certa forma, perdemos a empatia, o saber coletivo, algo que faz com que nossa cultura, seja única. De certa forma, este texto trabalha muito nisso! Parabéns!

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  2. Infelizmente só piora a cada dia.
    Texto perfeito,amei!!

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    1. Infelizmente... só piora...
      Obrigada pelo retorno.

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  3. Sempre "mordendo" as orelhas desses fdp's sem noção! Parabéns!

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    1. Oi, Tânia. Obrigada por teus comentários. Eu não podia comentar, deu algum problema e não conseguia. Agora posso te agradecer, sempre acompanhas minhas publicações e isso é muito importante para mim. Obrigada.

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  4. Muito bom. Gostei das ideias transmitidas.

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  5. Navalha certeira e bem afiada, haha. Entendedores entenderão... Amei o texto, certíssima.

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    1. Oi, Jeane, sou a ISAB, obrigada. Kkkkk. Será q entenderão? Kkkk

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  6. Semana passada, perguntei para uma amiga enfermeira como ela via o legado da Pandemia. Ela respondeu: a pandemia continua. O povo não aprendeu nada. Nem parece que existiu.
    Sobre cada um por si e Deus por ninguém, tudo certo. Sempre foi assim.
    Seu texto é salutar. Uma foto do Mundo atual. Só vale o que notícia. E lida, não vale mais nada.
    Com as referências perdidas, resta muito pouco para continuar, mas, são as âncoras que temos.
    Obrigado pelo belo abre alas e Olhos.

    G. G. Carsan

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    1. Aqui é a ISAB-EL, obrigada pelo retorno e por acompanhar esta coluna. Fico feliz em tê-lo como leitor. Tive problemas para responder as anteriores, mas agora estou aqui.
      Obrigada.

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  7. Crônica com precisão cirúrgica, sem um corte a menos ou a mais, e como sempre sem anestesia.

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    1. Aqui é a ISAB-EL. Tem gente q não merece anestesia kkkk.
      Agradeço pelo retorno. Obrigada.

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  8. Gostei muito do texto bem escrito e das ideias transmitidas.

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    1. Aqui é a ISAB-EL, fico feliz com teu retorno. Obrigada.

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