Parte 3
Manuela teve um sonho muito diferente. Se viu dentro de uma feira, caminhando sem rumo. Havia muito barulho, cheiros fortes, diversos e uma multidão de pessoas. Ela se sentia atordoada, enquanto caminhava. Todos vestiam roupas antigas, inclusive ela mesma. Cruzou com um espelho de relance e viu a si mesma. Estava diferente, porém sabia que era ela mesma. Vestia uma longa capa e um vestido, ambos em tons de verde. Seus cabelos eram ruivos e passavam da cintura em altura. Os olhos eram castanhos e tinha sardas em seu rosto.
Ofereciam-lhe frutas, jóias e objetos em troca de moedas ou outras mercadorias, mas ela permanecia caminhando até que, de repente, percebeu um olhar em sua direção. Um homem de roupas simples e olhos profundos a olhava para o outro lado da tenda de frutas. Parecia tão perdido quanto ela em meio aquela bagunça. Era jovem e muito bonito. Ela ficou corada com a forma com que ele a olhava e virou-se, fingindo olhar alguns tecidos da banca em frente.
Em breves instantes, virava-se para outros lados até vê-lo e se certificar de que ele ainda estava por lá. Sorriu. Ele também fingia distrair-se com as vendas de produtos enquanto a admirava de longe. Ela sentia seu coração acelerar, enquanto o olhar dele a queimava à distância.
De repente um homem mais velho a puxou pelo braço dizendo que não encontrara o que procurava. Sabia que era seu pai. Ambos seguiram por um caminho de pedras em direção à outra rua, deixando a feira e os gritos para trás. Mas ela ainda sentia o olhar intrigante do rapaz misterioso segui-la. Olhou para ele antes de desaparecer na esquina. Sentia que jamais esqueceria aquele rosto e nem queria.
Ela acordou. Permaneceu imóvel na cama, o teto girava e ela queria retornar, como se tivesse atravessado um portal sem querer. Fechou os olhos por alguns segundos, tentando adormecer, mas não teve jeito, acordara. Suspirou triste, passaria o dia com aquela sensação de que parte de sua alma ficara do outro lado do portal.
- Manuela, está na hora de levantar! Tem muita coisa para arrumar na casa, vamos! - gritou a mãe, invadindo seu quarto. - Quando você pensa em arrumar esse guarda-roupas? - ela indagou, abrindo as portas e vasculhando o quarto da filha. - Eu nunca fui assim, bagunceira! Sempre arrumei minhas coisas!
- Eu já vou… - a garota murmurou.
- Agora! - insistiu a mãe - e olha a sujeira desse quarto. Tem de passar uma vassoura, um pano e depois tirar a poeira. Mas isso depois da casa. Vamos!
E saiu com a mesma rapidez com que invadiu o quarto, deixando a porta escancarada. Manuela podia ver da porta o irmão e o pai tomando café calmamente. O irmão com um olhar mortificado, pensando no que faria do seu dia, enquanto o pai comia tranquilamente. A mãe cruzou algumas vezes pela soleira, arrastando e puxando coisas. O dia havia começado.
A garota fechou a porta atrás de si, o sonho ainda pairava em sua lembrança, mas não havia tempo para digeri-lo. Vestiu roupas velhas e confortáveis. Embolou as roupas jogadas no chão pela mãe e socou apressadamente no guarda-roupas, odiava dobrar ou organizar roupas! Preferia limpar banheiro e esfregar o chão, mas organizar algo como roupas era o seu pesadelo. Talvez porque a maioria das suas roupas, se não todas, foram escolhidas pela mãe. Nunca tivera a oportunidade de comprar algo do seu agrado. Na opinião da mãe, ela não sabia se vestir. Então não adiantava insistir. Recebia o que ganhava, guardava no móvel e usava as que menos lhe desagradava.
O dia na casa começou cedo, como sempre. Faxinas e alimentação. Era o resumo da vida dos moradores da casa. Ela realmente odiava a sua realidade mórbida. Desde que terminara os estudos, a jovem não sabia mais o que fazer. Vivia sua vida na casa de campo, junto da família, procurando uma possibilidade diferente. Mandara currículo para vários estabelecimentos da cidade, porém, por se tratar de um pequeno povoado, não conseguira nada. Faculdades distantes estavam fora das possibilidades, pois a mãe não permitia que a jovem estivesse fora de casa. Havia uma faculdade na cidade, porém os cursos eram genéricos e que não lhe causavam interesse. Manuela se sentia aprisionada e perdida. Sua única alegria era cuidar da terra, plantar e usar suas mudas para fazer chás, os quais bebia de acordo com suas vontades.
Desde criança, sentia que as plantas conversavam com ela e a auxiliavam no que precisasse. Tinha uma horta particular nos fundos da casa, a qual cuidava com todo o amor. Ela também gostava de escrever sobre suas descobertas e testes, reunindo informações sobre cada muda de vegetal.
Continua no próximo sábado ...
Miriam Coelho |
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