C.F.C. CELESTIAL FUTEBOL CLUBE
parte -1
O Bar do Viera não é conhecido na cidade, a não ser pelos moradores da Vila do Papelão. Naquela rua estreita de paralelepípedos, margeada por casas baixas e antigas, ele é o único estabelecimento comercial e ocupa uma esquina com portas para ambas as ruas, em ângulo não muito reto. Hoje há uma aglomeração que toma as calçadas e as ruas em frente ao bar.
No horário crepuscular em que as luzes dos postes ainda não acenderam, o Bar do Viera irradia pelas molduras das portas uma luz amarelada que invade o lusco-fusco. Os moradores abrem as suas portas e colocam cadeiras, banquinhos, mochinhos, engradados, tudo que dê para sentar em cima, no momento que um samba de partido alto começa e o vozerio dos cantores se espraia pelo bairro.
Dentro do bar há doze homens em volta de duas mesas unidas e cobertas de garrafas e copos. Oito deles são instrumentistas - violão, cavaquinho, bandolim, pandeiro, surdo, reco-reco, caxeta e até um trombone de vara, num canto da mesa para dar espaço. Seis deles cantam, inclusive os dois homens no centro do grupo vestidos com camisetas de um time de futebol. Eles são os craques do time do bairro que está na final do Campeonato Citadino. Não que estejam celebrando a conquista antecipada, mas a inédita possibilidade de serem campeões.
Se considerarmos o microcosmo da Vila, Venâncio e Venceslau são celebridades do nível de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi: um, alto, magro, negro, centroavante goleador; outro, estatura média, uma leve barriguinha, pardo, meia ponta de lança (como faz questão de ser chamado), campeão de assistências e gols em cobranças de faltas.
Graças a um sistema de marcação forte e os gols da dupla “Vevês”, como costumam ser chamados em coro uníssono pela torcida, o “Bergamota Mecânica” chega a sua primeira final e é considerado favorito contra o Maré Rubro Negro. Se por um lado os detratores dizem que o time dos Vevê copia a camiseta da seleção holandesa ( a defesa argumenta que a bergamota, tem a cor mais forte do que a laranja); a réplica é que o adversário é um Flamengo tão genérico, que só as cores são iguais.
Nada disso afeta a confiança da comunidade da Vila do Papelão na dupla goleadora. Todos sabem que ambos jogam bola juntos, desde as bolas feitas de meias velhas da infância e há os que sustentam, em arroubos reencarnacionistas, que eles se conhecem de outras vidas. Por isso uma preocupação ronda os subconscientes dos torcedores, que nem querem pensar nisso. Mas quando a cota de trago faz com que as línguas sejam mais rápidas que o pensamento, a preocupação é uma só: “e quando um deles se for, como vai ser?” “Vamos tomar mais uma, para não pensar nisso”.
Isso já chegou ao conhecimento de Venâncio, o centroavante piadista, que não perde a oportunidade de propor ao parceiro, que eles devem fazer que nem os caras daquela piada, que combinam que o primeiro que “vestir o paletó de madeira”, tem que voltar só para avisar para outro se tem futebol no Céu, para o outro ir preparando o espírito, literalmente. Quando um deles morre, passado o tempo do luto e uns meses mais, quando o outro já estava se acostumando à ausência, recebe a visita do espírito do amigo em seu quarto. Passado o susto, o amigo avisa que tem uma notícia boa e outra ruim. A boa é que tem futebol no Céu e da maior qualidade; a ruim é que outro já está escalado para o jogo de amanhã!
Quando as gargalhadas cessaram, Venâncio olha bem sério para Venceslau e propõe o mesmo. O acordo é selado com um brinde e goles extensos, enquanto pululam pelo bar falas do tipo: “isso vai demorar a acontecer”; “não dá azar falar disso, antes da final?”
Continua...
João Luís Martinez |
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