SEJAS BEM-VINDA, PEQUENA
ISABEL CRISTINA
Depois que me aposentei comecei a fazer trabalhos voluntários e entre eles está o acompanhamento de surdos em consulta médica.
Quando eu estava na Junta Comercial do Estado um casal de surdos entrou no departamento e eu me senti uma deficiente porque não conseguia atendê-los de forma minimamente adequada. Isso me levou às lágrimas e procurei a então prefeita Rita Sanco – PT, para pedir que a prefeitura me ajudasse num curso básico de Libras. A prefeita, solidária com a situação, colocou um curso disponível para o funcionário que quisesse. Eu me agarrei na oportunidade e fiz o básico. Logo em seguida procurei outros níveis e fui me apropriando do idioma.
Hoje, aposentada e com tempo livre, percebi durante a pandemia, quando fiz a pós-graduação em Libras, que na área da saúde é muito complicado para o surdo. E por isso me dispus a acompanhar qualquer surdo, sem ônus para o paciente nem para a clínica, apenas para ajudar.
Teve uma situação que ficará na minha memória para sempre. Nunca esquecerei o calor das lágrimas de felicidade que caíram. Eram pouco mais de 14h, eu estava malhando na academia do SESC Gravataí quando um hospital me chamou para acompanhar um parto. A parturiente e o marido eram surdos e já tinham perdido três bebês na hora do parto. Estavam muito assustados e não entendiam o que os médicos estavam tentando comunicar. Logo que cheguei a parturiente pegou no meu braço como quem pega uma tábua de salvação. Sinalizei para ela ter calma, que eu estava ali para ajudá-la. Já era mais de 19h quando a equipe médica me avisou que ela teria que ser transferida para outro hospital mais preparado, em Porto Alegre, para um parto prematuro e com tantos problemas. A parturiente me agarrou com força pelo braço e eu deixei claro que não a abandonaria. A essas alturas eu já estava com fome, coisa de gorda, mas não saí de perto dela. As 23h uma enfermeira veio me avisar que eu precisava comer algo e que tinha um lanche ofertado pelo hospital a minha disposição. Expliquei para ela que eu estava com fome e ela pediu apenas que eu não demorasse. Confesso que engoli o sanduíche e o café e voltei rápido para perto deles.
A mãezinha estava sofrendo, o pai estava desesperado e o bebê também estava em sofrimento. Eu apenas transmitia calma para eles junto com as instruções dos médicos.
Confesso que librar por mais de seis horas é desaconselhado pelo cansaço mental, mas eu não podia abandonar aquela família. Meu cansaço era menor que o pânico que eles demonstravam. Mais de dezessete horas depois, já passava das 7h da manhã, quando uma linda menina abriu os pulmões chorando alto. Nesta hora minha garganta apertou e eu quase chorei.
A mãezinha, cansada, apenas olhou para o pai que sacudiu a cabeça em sinal afirmativo. Eu estava cansada mas tenho certeza que não vi nenhum sinal sendo feito. Ela perguntou meu nome, quando cheguei sinalizei apenas o meu sinal e eu soletrei o meu nome. A mãezinha sinalizou, entre lágrimas, que a menina se chamaria Isabel Cristina e que eles contariam para ela que eu fiquei o tempo todo ao lado deles. Daí não resisti e fui às lágrimas. Na verdade eu soluçava.
Este foi o melhor pagamento que eu poderia receber, hoje tenho este casal salvo no WattsApp e posso chamá-los de amigos. O cansaço e a fome sumiram na hora que eu peguei a pequena Isabel Cristina, uma linda garota ouvinte.
Voltei para casa explodindo de felicidade. Eu havia sido útil a este casal na hora mais delicada de suas vidas.
Sejas bem-vinda, Isabel Cristina.
Isab-El Cristina |
2 Comentários
Fantástico. Precisamos de mais pessoas assim. Parabéns.
ResponderExcluirQue situação mais linda! Só poderia vir de uma criatura tão maravilhosa quanto tu, Isab! Parabéns!
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