NAVALHAS AO VENTO

 

CASOS DE UBER – “E SE O MUNDO FOSSE SURDO?”

Como de costume, após o horário da minha aula, chamei um Uber para ir para casa. Raramente pego ônibus de noite pois o transporte por aplicativo é a opção mais segura.

Antes de entrar no carro eu sempre chamo pelo nome do motorista, para ter certeza de que é o carro certo, mas desta vez o motorista não atendeu ao meu chamado. Meu alerta ligou a luzinha vermelha e, mesmo assim, abri a porta. Dei boa noite e o rapaz sorriu para mim, fazendo sinal de que era surdo. Abri um sorriso e sinalizei a palavra “oi” para ele. Entrei no carro e sinalizei os quatro números do código que autoriza o início da corrida. O rapaz me olhou num misto de surpresa e alívio.

Durante a corrida, é claro, não conversamos. Mas ao chegar ao meu destino ele puxou conversa. Disse que estava muito feliz em viajar com uma passageira que conhece Libras. Ficamos alguns minutos conversando sobre as dificuldades de um motorista de aplicativo surdo, bem como de qualquer outra profissão que exija comunicação com o público. Ele confessou que no início foi mais difícil, mas hoje, após seis nos de aplicativo, acha que as dificuldades diminuíram. Não sabe se porque mais pessoas conhecem o idioma ou se ele se adaptou. Falou com alegria que encontra, em média, duas pessoas por semana capazes de trocar algumas palavras com ele em Libras, sem recorrer a mímica,

Ao descer do carro, agradeci e desejei que Deus o acompanhasse. Ele retribuiu e eu entrei no condomínio. Me sentia feliz por ter alegrado a última corrida daquele jovem motorista de aplicativo. Com certeza, neste momento, deve estar tomando o lanche com sua mãe e comentando que exatamente no Dia Nacional de Libras, dia 24 de abril, ele transportou duas passageiras que conheciam o idioma.

Parece pouco, mas para quem defende o idioma e o reconhece como segunda língua oficial do Brasil, encontrar duas pessoas no mesmo dia é um indício de que estamos evoluindo. Eu sonho com o dia em que a maioria da população possa manter diálogo com um surdo.

De acordo com o Google, “O Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi criado em 2002, com a sanção da Lei nº 10.436, que reconheceu a Libras como meio legal de comunicação e expressão no Brasil. A data comemorativa é celebrada anualmente em 24 de abril, em alusão à data de sanção da lei. A Lei 10.436/2002 não apenas reconheceu a Libras, mas também estabeleceu ações para promover a sua difusão e apoio ao seu uso. Essa lei é um marco importante para a comunidade surda, garantindo-lhes o direito à comunicação e expressão em igualdade de condições. A data comemorativa também serve para alertar sobre a importância da acessibilidade para pessoas surdas e para promover a inclusão social e no mercado de trabalho.”

Já se passaram 23 anos da criação da Lei 10.436/2002, mas até hoje nada ou muito pouco foi feito. Poucas pessoas se interessam em aprender e poucos cursos são ofertados. A dificuldade em encontrar cursos é muito grande e quando encontramos custa muito caro. Na minha opinião deveria fazer parte da grade escolar desde o ensino fundamental, só assim sanaríamos esta carência.

Ainda nos vemos como puxadinho dos Estados Unidos e preferem oferecer Inglês a Libras nas escolas. Que Inglês é necessário? Sim, não discordo disso. Mas qual a probabilidade de ter que manter um diálogo mínimo com um norte americano e qual a probabilidade de encontrar um motorista de aplicativo, um cliente, um freguês surdo? Qual a chance de ter um vizinho, um amigo, um sobrinho, filho, neto... “De acordo com dados do IBGE, estima-se que 5% da população brasileira, ou seja, cerca de 10 milhões de pessoas, sejam surdas. Dentre estes, 2,7 milhões são surdos profundos, ou seja, não ouvem nada.” – Google, dados de 2022.

Já ouvi que não é necessário aprender Libras porque a maioria sabe ler. Português é outro idioma. Então exigimos que o surdo seja bilíngue, mas não cogitamos a ideia de aprender o idioma deles? Outros dizem que eles fazem leitura labial. “62% das pessoas disseram que não utilizam a leitura labial em nenhum momento,  diz a pesquisa da Desculpe, Não Ouvi . Além disso, a eficácia da leitura labial não é de 100%, e alguns sons na fala são difíceis de distinguir pela leitura labial,”

Jogamos toda a responsabilidade da comunicação sobre os ombros do surdo: Não é importante para mim, então não preciso aprender. Eu não sou surdo, eles que me entendam e se façam entender... até nos encontrarmos em uma situação familiar que nos obrigue...

A Lei exige que todo órgão público tenha alguém bilíngue em Libras, mas nem isso é cumprido. Poucos são os espetáculos culturais com intérprete. Até mesmo a telinha da TV apresenta uma janela minúscula, quase imperceptível. O ideal seria de, no mínimo, 40% do tamanho da tela.

Para quem achar que estou sendo exagerada, sugiro que assista no YouTube o vídeo “E se o mundo fosse surdo?” com duração de 53 segundos:



Isab-El Cristina


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

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- Ricardo Mendes

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E SE O MUNDO FOSSE SURDO?


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