NAVALHAS AO VENTO

 NATAL NO BEKO

Chegamos mais uma vez ao final do ano. Os preparativos para o Natal já se fazem presentes nas vitrines das lojas, começa a loucura de fim de ano.

Eu não sei vocês, mas todo final de ano eu acredito que o mundo enlouqueceu. As pessoas correm de um lado para o outro como mariposas em torno da luz... e todas mantém um sorriso idiota no rosto... parece que precisam aparentar um sentimento natalino que nunca tiveram.

As avenidas, as ruas movimentadas viram um formigueiro, pessoas passam umas pelas outras sem ao menos se olharem nos olhos, mas o sorriso idiota acompanhando as palavras “feliz Natal” sem nenhum sentimento são uma constante, principalmente nos bairros mais “civilizados”. Civilizados, naquelas, porque é no meio do povo que se denomina “classe média e classe alta” que mais existem crueldades, mas essas são curadas com presentes caros.

O pai sai todo dia cedo, é CEO de grande empresa, muitas reuniões, muito tempo fora de casa, mal vê o filho crescer. O tempo livre é dedicado à amante. Alguns, quando chegam em casa, para amenizar o fracasso dos negócios, espanca esposa e filhos... mas isso é devidamente ocultado, claro. Gente fina não faz escândalo... No intuito de amenizar a ausência, presenteia o filho e a esposa (e até a amante) com o que tiver de mais caro no mercado. Presentes esses muitas vezes comprados pela secretária. Na ceia de Natal vai para a festa em família com o celular no ouvido, resolvendo problemas de última hora. A ceia é apenas para enfeitar a mesa, gente chique não avança na comida. Um brinde com uma taça de champanhe (que muitas vezes nem gosta, mas finge que bebe porque é chique) e a comida será descartada no dia seguinte. Muitas vezes nem deixam os funcionários levarem para seus filhos. O filho abre o presente, faz cara de nojo e sai para festejar com os amigos e com as drogas. Lá é mais divertido...

Do outro lado da cidade, no beko, o Natal é mais agitado. Falta enfeite, falta bom gosto, falta bom senso, falta educação, falta comida... Lá no beko as pessoas também já estão catando galhos de árvores para confeccionarem seus próprios enfeites natalinos, algumas pessoas até tentam vender com o intuito de um dinheirinho extra. Combinam, aos gritos, o churrasco do dia 24, cada um leva meio quilo de carne e doze latões. Pronto, a ceia está organizada. A mais velha faz a maionese, cuidando para não usar ovos por causa da salmonela, afinal passar o feriado na UPA não seria legal. O pai trabalha de sol a sol, no pesado, afinal não pode estudar. A mãe faz faxina todos os dias, chega em casa e vai cuidar da sua casa, lavar roupa, fazer comida... os meninos estão na rua jogando uma “pelada” com a bola rasgada, presente do natal anterior. O marido chega, não antes de passar pelo bar e tomar a “pinga nossa de cada dia”. Chega alcoolizado, a mulher reclama, leva uma bofetada. As crianças saem correndo, gritando, pedindo ajuda pelos vizinhos antes que apanhem também. Chega a noite do dia 24. Os barracos enfeitados conforme a situação permite e as pessoas reunidas no meio da rua que foi fechada para que os carros não possam passar. A churrasqueira de tijolos abriga todo tipo de carne de segunda e muita galinha, afinal é mais barato. Na hora da distribuição dos presentes, o pai e a mãe, orgulhosos de si, entregam o pacote ao filho que abre com alegria até ver o carrinho de plástico, único presente que coube no orçamento da família, o menino mais novo diz: - O Papai Noel me trouxe um presente legal. O pai e a mãe dão aquele sorriso amarelo, ralaram muito para juntar dinheiro para comprar o presente e quem leva o mérito é o idiota vestido de vermelho, criação da Coca-Cola. O pai se frustra, claro, foi ele quem fez hora extra durante vário dias, mas a esposa exige que a mentira, ou melhor, a ilusão, como ela chama, seja mantida, afinal criança precisa de ilusão. Ilusão para quê? A vida é difícil.

No banquete da família rica todos se abraçam ao soar os sinos da meia-noite. Desejam-se mutuamente toda a alegria e felicidade que caiba num discurso rápido. Amanhã será dia 26 e já não mais será necessário mentir. O sócio pode continuar a roubar, o pai pode voltar a espancar a esposa, o filho a procurar seu traficante preferido, a empregada a roubar e a esposa fútil a trair o marido com o motorista.

No churrasco do beko a rotina voltará antes do dia 26, quando a viatura resolver cobrar para não entrar na favela atirando, com raiva por estarem trabalhando no feriado.

E Jesus Cristo olha e pensa: “- O aniversário é meu, mas ninguém lembrou disso...”


Isab-El Cristina
Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."


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SENDO A MAÇÃ DE ALGUNS,
EU SOU A MOSCA QUE POUSOU
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