A SENSIBILIDADE E A FORÇA DA ARTISTA NÁ SILVA
Eu havia feito recentemente uma matéria com a artista Ana Pepper e estava olhado o instagram do ColetiveArts (@coletivemovimento) quando apareceu uma nova artista seguindo o perfil. Coloquei o Coletive para segui-la e fui conferir o seu trabalho. Conhecendo, fiquei encantado. Lindo, singelo e potente, eu havia entrevistado uma artista com um trabalho que tinha como base um erotismo forte e, de repente, me deparei com Ná Silva, que também trazia entre seus trabalhos o erotismo, agora com outras técnicas e um outro olhar. Ali, olhando o perfil, decidi que tinha que fazer uma matéria com ela, conhecer um pouco mais de sua arte e apresentar o seu trabalho para o público leitor. E então acabei conhecendo um pouco mais da artista Ná Silva.
Eu acredito na força do feminino para ocupar espaços, para combater o machismo tóxico e estrutural e para assim podermos fazer do mundo um lugar melhor. O trabalho de Ná nos enche de admiração e reflexão, mostrando que a arte é cada vez mais um lugar de resistência. Aqui nesta edição da Arte e Cultura você vai conhecer um pouco da arte desta artista paranaense.
NÁ SILVA
NÁ SILVA: Me tornei a pessoa que mais queria ser. Uma professora com alma de artista, solteira, que curte rock psicodélico tipo The Doors e que fala mal do governo nas horas vagas. Também gosto de plantas. Sou mãe de três meninas lindas. Acho que isso me define, é difícil falar de si mesmo. Prefiro que me leiam.
JORGINHO: Quando a arte entrou em sua vida e o que ela representa para você?
NÁ SILVA: Sempre gostei de rabiscar. Minha mãe observando que havia em mim familiaridade com traços para desenho, me matriculou no curso de pintura do artista plástico Geraldo do Valle, mais ou menos em 98 (não lembro bem). Lá não fiquei muito tempo, os materiais para trabalhar com tinta a óleo não eram muito baratos naquela época, me sobrava sempre o canson e o carvão. Foi um ambiente que me ensinou muitas técnicas, um norte no meu desenvolver artístico. Sou grata a minha mãe por esse olhar sensível que cooperou muito com meu encontro com a arte. Crianças precisam ter acesso a arte, precisam ser incentivadas a produzir sem receios. Um bom orientador é de fundamental importância. É assim que vejo o apoio que tive na infância.
Mas foi na minha fase adulta que a arte tornou-se representativa para mim. É uma fuga, me traz um entendimento de mundo mais amplo, algo muito particular e subjetivo, que não saberia explicar com palavras.
JORGINHO: Como funciona o Coletivo Vozes Escarlate e como foi para você participar da coletânea homônima da editora Hecatombe?
JORGINHO: Você tem um lindo trabalho que traz sensualidade e erotismo nele, como é para você trabalhar com esses temas? Já sofreu preconceitos?
JORGINHO: Deixe uma mensagem para o público leitor, para quem já conhece teu trabalho e para quem está conhecendo ele agora.
Por muito tempo me perguntei porque gosto tanto de desenhar corpos (em maioria femininos), porque gosto desse estilo e não de outro. Não existe lógica, nem um porquê. Apenas sinto e gosto. Não vejo motivos para silenciar meus sentimentos, e vejo que isso agrada, inspira… seduz.
JORGINHO: És licenciada em Pedagogia, estás atuando atualmente na área?
NÁ SILVA: Sou professora associada (temporária... PSS), na Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed-PR), tendo iniciado a carreira docente em 2018. Por três anos lecionei a disciplina de Sociologia, hoje estou Pedagoga.
NÁ SILVA: Seria inocente dizer que na escola a arte não cumpre seu papel. Não espero, e parafraseio Ana Mae, que o ensino das formas artísticas mais usuais sirva de ponte para ascender à posição social, ou para converter especialistas. A arte na escola reside em cumprir um papel de resgate, de reestruturação social, pois dá aos menos favorecidos e permanentemente marginalizados, o conhecimento do jogo das metáforas, dos códigos, dos símbolos e significados usuais daqueles que durante séculos determinaram seu destino. Não vejo esse conhecer como passivo, nem uma mera apropriação de conhecimentos, mas como uma oportunidade eficiente de se restaurar a justiça social. Talvez por esse mesmo motivo, o ensino de Arte venha sendo tão massacrado pelos governos de cunho neoliberal. Pois toda arte é política. Fazer arte exige o exercício da reflexão e falar dela exige reflexão, não apenas do fazer artístico de determinado artista ou obra, mas do todo, da política, da economia, da história, da cultura, enfim, da contextualização onde ela ocorre e porque ocorre. A arte é fundamental na educação de um país, não é um enfeite, é cognição, representa uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário. E é conteúdo, representa uma herança cultural, o melhor trabalho feito pelo ser humano.
Infelizmente aqui no Estado houve redução da carga horária das disciplinas de Arte, Sociologia e Filosofia, disciplinas que, ao meu ver, apresentam mais condição de emprestar sentido máximo aos atos de escrever, falar, calcular… comunicar e compreender. Pois fornecem aquilo que o sociólogo Bernard Lahire chama de riqueza léxica, ou seja, possibilitam, através de seus conteúdos, o desenvolvimento da capacidade de descrever, nomear, discriminar, relacionar fenômenos e sensações, ações elementares para o processo de expressar e conhecer o mundo e a si mesmo.
JORGINHO: Como funciona o Coletivo Vozes Escarlate e como foi para você participar da coletânea homônima da editora Hecatombe?
NÁ SILVA: O Coletivo Vozes Escarlate foi formado inicialmente por poetas e artistas que tiveram suas obras publicadas na antologia Quem dera o sangue fosse só o da menstruação, e pelas mulheres que acompanharam o lançamento. Minha inserção no Coletivo surgiu a partir de um convite feito pela médica e escritora Neysi Oliveira, no fim do ano passado. E, junto com ele, o convite para participar da chamada de livros individuais – coletivos e coautoria- da chamada Quem dera, da editora Urutau.
Atualmente nosso Coletivo é formado por mulheres maravilhosas de quatro Estados brasileiros (PR, RS, MG e RJ) e acabamos de lançar nosso primeiro livro, com o mesmo nome do Coletivo, que faz parte da Coleção Pangeia, do selo Hecatombe da Editora Urutau.
Participar de uma coletânea com essas mulheres foi pra mim de grande importância, as dores e delícias de ser mulher foram transformadas em poesia e arte por nós, Vozes Escarlate. O livro é fruto de um trabalho coletivo muito lindo, houve muita dedicação de todas para conseguirmos montar o corpo do projeto e unir poemas e ilustrações sobre ônus e bônus em ser mulher. Agora estamos na fase de divulgação, cheias de planos e entusiasmadas para lançar mais e mais. Somos muitas vozes plurais, expressando-se em tons diversos como diz nossa companheira Ciça (Elciana Goerdert).
NÁ SILVA: Sou muito grata ao feminismo. Sou grata a todas as mulheres que lutaram pelos meus direitos antes de mim. Sem ele, nós mulheres não teríamos liberdade de nos expressarmos, muito menos falar sobre nossos desejos. O feminismo é uma força motriz que faz expandir a definição de arte através da incorporação de uma nova perspectiva. A crescente proeminência de mulheres artistas na história da arte, pode ser atribuída ao feminismo. É uma defesa ao silenciamento vivenciado por muitas, não só no campo das artes.
JORGINHO: Você tem um lindo trabalho que traz sensualidade e erotismo nele, como é para você trabalhar com esses temas? Já sofreu preconceitos?
NÁ SILVA: Acho linda as formas femininas, principalmente quando estas formas se liberam para dar e receber prazer. Devem ser estas as razões que me fazem tentar colocar em papel essas formas. Natural, portanto. Afinal, o erotismo na arte não é algo novo, o tom erótico acompanha a Vênus de Willemdorf, esculpida em calvário entre 28 mil e 25 anos atrás. O fato é que todas as formas de arte tratam (ou trataram) de todo tipo de expressão possível, inclusive a sexual. Apesar da repressão que domina e determina os discursos acerca da sexualidade, não é sempre que o erotismo se vale de disfarces tão elaborados. Encontramos em muitos trabalhos, principalmente nos literários, o desnudamento do corpo e da minúcia sexual. Talvez por isso haja o rótulo de pornografia, pois, certamente a marginalidade a que essas obras foram (e ainda são) condenadas não se deve apenas pela rotulação, mas antes à ameaça para a ordem social.
E se há preconceito em relação ao nu artístico, Pablo Picasso tratou de responder: “A arte nunca é casta, se deveria mantê-la longe de todos os cândidos ignorantes”. Nunca se deveria deixar que gente não preparada se aproximasse. Sim, a arte é perigosa, se casta, não é arte. Não podemos ignorar que tal preconceito está intrínseco à qualidade (ou falta dela) no que se refere ao ensino das Artes na escola. Isso porque pessoas com acesso a uma educação com qualidade na área de Artes Visuais detém de conhecimento básico que permite um entendimento mais aprofundado acerca das representações artísticas e seus significados, numa relação direta com contextos históricos de cada geração.
Mas não retenho minhas produções apenas nessa linha, tenho outros trabalhos que em nada se aproximam do erotismo, gosto e me permito experimentar.
NÁ SILVA: Já me fiz essa pergunta também, diversas vezes. Não sei explicar como se estrutura meus pensamentos quando desenvolvo uma obra ou ilustração, volto a falar em fuga. Talvez seja isso, apenas uma fuga. Uma vez que me coloco na cena que meus “personagens” vivenciam, quando ilustro, pinto ou rabisco, estou vivenciando aquele momento. Também recebo muitas nudes, as pessoas gostam de se ver desenhadas. Gosto desse feedback, me sinto privilegiada por retratar uma imagem íntima de alguém.
NÁ SILVA: Amo a narrativa gráfica, a narrativa figurada e a literatura ilustrada dos quadrinhos! Amo! E já pensei sim em trabalhar com isso, mas ainda não me sinto preparada.
JORGINHO:
Como você como artista que enfrenta tabus enxerga o momento político cultural do Brasil?
NÁ SILVA: Falar sobre o cenário político do Brasil, de modo geral, traz uma atmosfera escura. Como diria um chegado meu, “deixa o ambiente pesado”. De fato, a cultura no país sofre, e não apenas ela. O governo Bolsonaro odeia tudo que cheire Brasil e seu povo. Na economia é fácil perceber isso, olhando as muitas empresas brasileiras desnacionalizadas nos últimos anos e as crescentes remessas de lucro ao exterior. Ou ainda a reforma da previdência, que de forma escandalosa rouba direitos do povo para
financiar banqueiros… na educação é evidente a invasão do capital externo, que compra instituições não muito qualificadas e as transforma em máquinas de impressão de diplomas, nós da educação, vemos muito a imposição de modelos educacionais completamente esvaziados de qualquer conteúdo humanista, voltados apenas à formação de mão de obra barata e precarizada. Na cultura os ataques são notórios. A indústria cultural norte-americana está nos transformando em seus enlatados. Além dos ataques às estruturas estatais de cultura, desqualificam artistas. Somos tratados como subversivos comunistas, bandidos, arruaceiros. Chegamos ao cúmulo de ver obras de Assis e Euclides da Cunha sendo recolhidas. Vimos o presidente ordenar a retirada de uma campanha publicitária estrelada por atores e atrizes negras, vimos o cancelamento de uma exposição de chargistas, o fechamento da ANCINE… um retroceder de décadas!Mas nós resistiremos.
NÁ SILVA: Minha recente leitura foi A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. É um romance (com contexto histórico, político e social) que nos mostra como na vida tudo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba se tornando um peso insustentável. Um livro muito bacana que me foi indicado pelo professor Luiz Lopes. Quanto a música, ela está presente no meu dia a dia, uma das primeiras coisas que faço ao acordar é colocar “som na casa”, normalmente navego entre rock, MPB e muita Marisa Monte. O último filme que assisti foi por acaso (um achado com boa companhia) Reis e Ratos, do diretor Mauro Lima. Um filme muito bom, com toques de chanchada.
JORGINHO: Quais teus planos para o futuro?
NÁ SILVA: Estou animada com o desenvolver de várias coisas, estou deixando a vida
levar. Tenho alguns planos comuns, reformar a casa, fazer outra pós graduação ou, até mesmo, outra graduação. Planejo com outras três mulheres maravilhosas (Neysi Oliveira, Margleyse Santos e Nádia Burda) organizar um e-book sobre mulheres aqui da (e na) cidade da Lapa (RJ). Também estou elaborando ilustrações para outros dois projetos.
JORGINHO: Deixe uma mensagem para o público leitor, para quem já conhece teu trabalho e para quem está conhecendo ele agora.
NÁ SILVA: Permitam-se vivenciar a arte, a vida só não basta.
Contatos:
NÁ SILVA
Intagram: https://www.instagram.com/na_silva_____/
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VOZES ESCARLATE
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"O feminismo é uma força motriz que faz expandir a definição de arte através da incorporação de uma nova perspectiva. A crescente proeminência de mulheres artistas na história da arte, pode ser atribuída ao feminismo."
- Ná Silva
Jorginho |
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7 Comentários
Que entrevista maravilhosa! Que riqueza de conteúdo! Estou assimilando o teor destes relatos tão belos de alguém que faz, vive e inspira cultura. Comentando sobre o fecho, em que pese sempre fui cinéfilo e assisti ao filme A Insustentável Leveza do Ser quando de seu lançamento ... Imediatamente virei fã de Milan Kundera e li o livro após, bem como dos protagonistas Daniel Day Lewis e Juliette Binochet ( está não estou bem certo, mas creio ser ela a protagonista deste filme ... Faz tanto tempo que assisti ao filme que temo estar confundindo a atriz) .. enfim, uma ótima entrevista! Parabéns!!
ResponderExcluirObrigada pelas palavras, Sandro Gomes, o coração fica quentinho.
ResponderExcluirViva a arte!
Maravilhoso o trabalho, Nayara! Adorei! 🙏❤
ResponderExcluirObrigada, querida. Fico feliz que tenha gostado ♥️
ExcluirTalentosa
ResponderExcluirGuerreira
Uma sensibilidade extraordinária.
Me surpreendo com cada arte sua. Elas me tocam o coração, a alma. Me fazem refletir. Me emocionam. Espero ansioso pela sua próxima obra. E espero que nos brinde com muito mais. Parabéns pelo seu trabalho e pela mulher fantástica que você é. ❤️❤️❤️
Aaaaaaaa obrigada, Lê. O carinho é recíproco.
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