TECITURA

Múltiplos Olhares 


Era novembro de 2015. Metade do mês, eu nervoso em função de discussões e problemas em meu trabalho. Foi época de mudanças, escolhas precisavam ser feitas.

A pessoalidade de uma crônica, a escrita em primeira pessoa faz deste tipo de texto, único. Diferente de uma tese acadêmica, de uma argumentação, uma dissertação, onde a originalidade é subjetiva pois o autor, o escritor se baseia em uma intertextualidade já explorada em outros textos e pensamentos. A escrita literária, em especial os romances, as crônicas, os contos e as poesias, têm como fonte a originalidade, as percepções e as memórias dos autores, tornando estas escritas tão pessoais, e foi o que sempre me encantou nesta forma de escrever. As palavras são a expressão artística do escritor, e apresentam sua visão de mundo, sua percepção sobre as coisas e as pessoas, andando de mãos dadas com a história, pois muitos destes textos refletem o contexto histórico, a época em que se vive. Alguns textos já nascem clássicos. Quais? Só o tempo vai dizer.

Enfim, novembro de 2015 foi um divisor de águas em minha história. Anos antes, em 2010, sofri um “mau súbito” enquanto dormia. Explanarei em outra ocasião esta história, fato este que modificou toda a minha percepção sobre a vida, sobre as pessoas. Técnico de campo eu era, naquele momento um Técnico da NCR Brazil,   Multinacional norte-americana detentora de tecnologias e líder mundial em seu segmento. Que orgulho! Trabalhar para uma empresa deste porte, para mim, foi o ápice na carreira. Em 2010 eu vivia na ponte aérea Porto Alegre – São Paulo (sede da empresa no Brasil), trabalhando 4 dias lá, 3 dias aqui. Estava crescendo, nomeado Suporte Técnico Multivendor e liderando equipes devido aos meus conhecimentos prévios e especialidades adquiridas em outras empresas, como especialista no cliente Unibanco (Unisys) e certificações Cisco e Dell. Mas aí veio esta questão da saúde. Chegou  sorrateiramente, traiçoeiramente ... e sem estar preparado, vi-me envolto com médicos, hospitais, tratamento, INSS, talvez o fim de uma carreira. As palavras do médico que literalmente salvou minha vida, Dr. Cristiano Ventura, ainda ecoam em minha mente: “Conhece aquela história das pessoas que dormem e não acordam mais? Pois tú está entre os 10% que conseguem acordar!”. Virei estatística. E no INSS, virei um número. E assim, consegui recuperar boa parte de meu estado físico com o tempo, mas jamais voltei a ser como antes. Meu esporte deixou de ser. Não mais consegui retornar ao Karatê como outrora. E minha profissão tornou-se incompatível para mim; um técnico de campo precisa deslocar-se, atender aos clientes, viajar constantemente, carregar materiais, maletas, peças. Eu estava cardiopata! E esta condição será para o resto de meus dias, que espero sejam muitos ainda.

Então, uma das muitas idas e vindas que tive com os médicos do trabalho, e um destes deu-me uma sugestão. Porque não mudar, procurar outras áreas, em que use a mente, menos exigências para o corpo, inclusive sair das “estradas”? Tentar os concursos públicos, a vida como servidor público. Internalizei isso. Já havia tentado os concursos anos antes, mas com outro propósito. Havia feito dois concursos na Petrobrás, para técnico, e com boa resposta! Passei em ambos, mas sem classificação para a chamada. Em um deles, viajei a Osório para as provas.

Estive afastado do serviço por sete longos meses, recuperando-me. Neste período, algo semelhante havia pensado. Imaginei voltar aos estudos, mas não mais nas áreas de tecnologias, pois a Engenharia Elétrica com ênfase em Eletrônica era um antigo sonho. Comecei a alimentar um outro lado, outros gostos que mantinha discretamente.
Sempre gostei de literatura, sempre fui um ávido leitor, com gostos bastante ecléticos. Não sei se devido ao meu “segundo grau” ter sido bastante forte - a Escola Parobé tinha fama de ser uma das melhores no Rio Grande do Sul quando estive lá - a gramática e a história sempre estiveram presentes em minha vida, vide os bons desempenhos em concursos, mesmo após mais de uma década de minha formação.

E assim foi. Entre 2011 e 2014 realizei inúmeros concursos, passando em sua maioria e conseguindo pontuação para estar próximo de uma nomeação em três deles. Agergs e Fundarc foram meu preferidos. E assim conheci a Fundarc – Fundação de Arte e Cultura de Gravataí – RS. Em 2013 voltei aos estudos, e entre três cursos aos quais eu havia colocado prioritários – Graduação Plena em Letras – Língua Portuguesa, História, ou Bacharel em Administração de Empresas, escolhi por Letras – Língua Portuguesa.

Após explanar as motivações que me trouxeram até aqui, conheci a Fundarc – Fundação de Arte e Cultura de Gravataí. Saí da consulta com o médico do trabalho indicado pela empresa com aquilo em mente – Concursos, recomeços – aquilo tocou-me sobremaneira. Pensava muito sobre isso. Adorava ser técnico. Técnicos de campo
tem esta profissão como sendo algo que corre na corrente sanguínea – São – Somos – pessoas, profissionais à parte. É difícil adaptar-se a rotinas de horários. Técnicos vivem da estrada, dos plantões, das horas extras. Da produtividade, dos chamados atendidos, das certificações mandatórias. São perfis difíceis de encaixar, de se adaptar fora daquele contexto profissional, perfis em que as empresas encontram dificuldades para contratar. E eu era um destes profissionais.

Mas comecei a pesquisar, a procurar. E logo depois, não mais que dois meses desta conversa com o médico, surgiu um edital muito interessante. Concurso para a Fundarc, amplo, muitas vagas e áreas distintas. Que órgão maravilhoso! Deve ser fantástico lidar com este meio, pensei eu; conhecer artistas, agentes culturais, escritores! Eu só conhecia máquinas! Meu dia a dia até então era diagnosticar e consertar, dar suporte. Meus superiores e coordenadores ficavam longe, comunicação só via tecnologia, muitas vezes ficava semanas sem conversar com meus colegas de região (éramos 4 técnicos aqui no sul). E estudei! Muito! Baixei os editais, pesquisei sobre os concursos, elaborei minha estratégia e pus-me a estudar. Autodidata! Tinha certeza de uma coisa. Era um técnico com muitas certificações. Cisco, Dell, NCR, Sabre e tantas mais que nem me recordo. Quem passa naquilo, encara qualquer coisa, faz qualquer prova! E assim, fui um dos primeiros classificados. Agente Administrativo II.

Era novembro de 2015. Faltava menos de dois meses para expirar o concurso da Fundarc. Estava acompanhando a Agergs – Agência Reguladora do Estado do Rio Grande do Sul, órgão ao qual eu havia ficado em boa colocação. Lembrei de olhar sobre a Fundarc, pois minha colocação era bem melhor nela. Eram quatro vagas, três já haviam sido preenchidas. E a quarta vaga havia sido chamada, o candidato chamado era uma posição acima da minha. Nossa! Vamos ver, há um prazo para responder ao chamamento, e era sexta-feira. O candidato tinha até segunda-feira próxima para dar a resposta. Aguardei, e na terça-feira entrei em contato. Jordan Olsefer. Este foi o primeiro colega e o primeiro servidor da Fundarc que conheci. Agente Administrativo II assim como eu, e ao conversarmos disse que estava preparando tudo para me chamar. Antecipei-me! Hora de mudanças, de decisões. E assim, começou minha trajetória neste rico universo das artes e da cultura. Leandro Mattos era o Secretário Adjunto, o coordenador de pessoas. Tinha um talento, uma inteligência emocional que lhe conferia uma capacidade de lidar com o outro, tratar com as pessoas, características que lhe deram propriedade no cargo exercido. E conheci Andréa Seligman!


Andréa Seligman. A terceira servidora da Fundarc à qual tive contato, havia tomado posse quatro meses antes de mim. Eu e Adriana Emerim entramos no mesmo dia, nossa portaria saiu junto. Minhas motivações foram expostas ... cada pessoa tem um perfil, uma história, um algo a mais. Nós, os Administrativos, somos de áreas diferentes. Jordan Olsefer era programador, Bruna Bittencourt cursava superior em Contabilidade, e Andréa Seligman era Arquiteta. Estávamos ali, juntos, atuando no andamento do setor administrativo, fornecendo o apoio necessários aos diversos setores da Fundação.


Não lembro bem em que época foi, ou se a Fundarc já havia sido 
extinta e passado a ser a SMCEL – Secretaria Municipal de Arte e Cultura de Gravataí – o motivo também me foge, mas creio que foram nos Festivais de Teatro – Festil – de Gravataí que Andréa
começou a fotografar. Trabalhar com pessoas tão talentosas e estar neste meio inspira! Todos e todas temos um algo a mais, uma veia artística e cultural dentro de nós, aguardando externar isso. E Andréa têm o olhar! A fotografia como arte, a captura das imagens que foge do padrão comum, os momentos ímpares. Eu sou péssimo com fotografia! Desenhar então ... só desenho bem ilhas. Nunca entendi, desde as épocas de escola, só me livrava nas aulas de artes pois desenhava cada ilha bonita que nossa! Ilha e gaivota! Mas me dou bem escrevendo, eu acho. A melhor maneira para mim de externar. Andréa fotografa! E maravilhosamente!



Assim foi, sempre ajudando à Secretaria – Fundarc, registrando os grupos de teatro, as pessoas, o público – registros históricos – Andréa talvez tenha descoberto sua verdadeira vocação. E assim, aquela Arquiteta que estava Agente Administrativa de um órgão que trabalha com cultura, despertou sua arte! Como é lindo o trabalho dos artistas que têm na fotografia a sua arte! Que sensibilidade! Que olhar!


Andréa Seligman saiu em licença interesse para desbravar este universo, e não mais voltou. Eu sinto, pela qualidade de pessoa que Andréa é. Perdemos uma grande colega, mas o mundo ganhou esta artista talentosa.

Dia destes conversei com Andréa sobre a possibilidade de conversarmos, pois tenho vontade de escrever sobre ela, fazer uma entrevista com ela; seus horários estão cheios, encomendas, mostras, exposições. Andréa gosta de fotografar temas relacionados à chuva e à água, como diz. Aliás, adora todos os temas, mas estes são especiais! Ela disse não ser uma celebridade. Pois para mim é. Eu e meus colegas acompanhamos o nascer de uma atividade, um talento que é dela e estava guardado em seu interior. Via redes sociais, ela postou uma foto com André, outro colega da secretaria. André acho que foi visitá-la em Porto Alegre, ela está em uma exposição chamada Múltiplos Olhares, no Espaço Cultural Correios, Centro de Porto Alegre, que ocorre entre os dias 31 de julho a 24 de setembro. Ela foi escolhida pelo segundo ano consecutivo para esta exposição. Queria ter ido, não tive ainda a oportunidade.



Hoje ela está em São Paulo, na exposição Art Lab Foto 2021, na Art Lab Gallery, expondo seu talento entre os dias 07 de agosto a 29 de agosto. Desbravando horizontes, expondo sua arte, fazendo história!

E você! O que lhe motiva? Qual artista vive em você? Quantas vezes pensou e repensou, quais momentos lhe trouxeram reflexão, recriaram sua identidade ou identidades, propuseram um recomeçar?

Aos recomeços, às descobertas, à vida! 


Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.

Sandro Gomes














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2 Comentários

  1. Encantada pelo texto e pela arte da Andréa Seligman!

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  2. Obrigado, Nay! A Andréa e ótima. Aliás, estes fotógrafos são Inquietos! Que forma linda de expressar a arte!

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