TECITURA


 Legados 

Era meados de 1993, Estádio Olímpico Monumental, o Gigante da Azenha. Não era um dia qualquer; eu, meu irmão e meu pai fomos ao estádio, talvez a última vez em que fomos ao “futebol” em companhia do pai. Seu Altair adorava estas coisas, sair com seus filhos …. e nestas saídas, passava-nos seus ensinamentos. Era uma pessoa fechada, apesar de ser bem humorada. Seus conselhos eram de grande valia! Como sentimos sua falta após sua partida precoce, em 1995, poucos meses antes de completar 52 anos. Partiu cedo meu pai, porém deixou um legado importante. E esta noite especial, à qual veio entre minhas memórias, foi uma noite fantástica!

Havia surgido a pouco nos gramados brasileiros um garoto franzino, negro, com a mágica em seus pés. Um craque, com todas as letras! A Portuguesa de Desportos produziu vários bons jogadores, mas este era especial, era diamante bruto e estava sendo lapidado. Emprestado ao Grêmio por três meses, Dener chegou para ser o camisa 10! Nesta noite especial, fomos ao Olímpico ver este grande jogador em ação. O Grêmio montava times fortes e competitivos, mas sempre com a tradição de ter um armador de qualidade no meio. Sentíamos falta de Valdo, que havia saído a poucos anos do time, e ainda não havíamos encaixado ninguém com tamanha qualidade. Que lindo era ver Valdo jogar, ali no final dos anos 80. Voltaria anos depois ao tricolor, já em final de carreira mas com a classe de sempre. Assis Moreira, o irmão mais velho do consagrado Ronaldinho Gaúcho, também jogou naquele meio, tinha potencial para ser um dos melhores meia-esquerdas do futebol brasileiro. O Grêmio, na ânsia de fazer caixa, o vendeu muito cedo, talvez prejudicando a carreira deste jogador. Assis era bom! Um belo meia armador canhoto, tinha muito futuro! E chegou este Dener. Ele era a realidade. Um negócio de oportunidade, chegou com um contrato de três meses, jogou uma Copa do Brasil e o Gauchão, consagrando-se Campeão Gaúcho naquele ano, seu primeiro título profissional. Que lembranças! Eu e meu irmão ficamos fascinados com aquele jogador. Quanta técnica, que velocidade! Talvez somente Romário seria equiparado … em início de carreira, Dener brilhava e encantava, fascinava, hipnotizava. E nós (eu, meu irmão e meu pai) assistimos ao espetáculo proporcionado por ele. O Grêmio virou outro time! Uma equipe aguerrida, batalhadora, agora tinha contra-ataque, velocidade e técnica! Uma lembrança poderosa!

Lembrei disso sexta-feira. Aqui em casa, reunião de família, uma janta gostosa entre eu e minha filha, meus irmãos (Luciano e Andréia), minhas sobrinhas, cunhada e o namorado da minha filha. Por um momento, um turbilhão de lembranças passaram … admirando as meninas, que já adultas estão, e Dudinha, uma jovem muito talentosa, parceira de seu pai, meu irmão. Duda joga futebol com seu pai toda quinta-feira …e manda muito bem! Gremista ferrenha, um “grude” com Luciano. Vitória, minha outra sobrinha, também é. Um pouco mais velha que minha filha, adultas ambas já são, e Vitória também é muito ligada à família, aos seus pais … assim como minha Juliana, parceira de muitas conversas.

Nosso pai gostava de ter os filhos à sua volta … eu, meu irmão e minha irmã. Mas a Déia não gostava de futebol … que pena, perdeu as grandes resenhas do pai. Nestes momentos ele nos passava sua sabedoria. E um dos grandes ensinamentos era que “Filho é coisa sagrada. Não importa se vocês vão se dar bem ou não com as mulheres no futuro, mas jamais deixem filhos/as seus passarem trabalho. Filhos são sagrados, são responsabilidade e obrigação.” Sempre repetia isso. Meu pai era homem de poucas palavras, mas de convicções, prezava muito o papel da família e seu papel como pai. Acho que inconscientemente internalizamos aquilo; anos após, lutei muito pela minha filha, finquei pé em minhas convicções e enfrentei quem quer que fosse pelo o que eu achava o melhor por ela, com o aval da justiça neste caso. Meu irmão mantém sua família com carinho e afeto. Suas filhas são muito parceiras, e minha filha gosta muito de estar entre seus tios e primas. Minha irmã não teve filhos, mas ajudou-nos e ainda ajuda muito a nós com as nossas. Enfim, acho que praticamos aquilo que nossos pais nos mostraram através do exemplo e das palavras, pois somos reflexo do que eles foram como pais. Amorosos ao jeito deles, atenciosos porém rígidos, sempre procurando nos ensinar o que é certo, o que é honrado, o que é digno. Esta é a imagem que eu tenho de Altair e Suzel, meus pais.

Voltando àquela noite de 1993, mágica noite, não recordo o adversário mas acredito que fosse o São Caetano, time paulistano que montou excelentes equipes, porém não tenho certeza. O fato é que o Grêmio ganhou, e Dener encantou! Ele estava fazendo sucesso por aqui, fomos ao estádio para finalmente ver de perto este grande jogador em ação. Se Lêonidas da Silva já não fosse denominado tal, eu propunha chamar Dener de Diamante Negro … realmente era um jogador fantástico! Ganhou aqui seu primeiro título como jogador profissional, Campeão Gaúcho de 1993, e após o término de seu curto contrato, foi para o Vasco da Gama. Com certeza iria ganhar o mundo, iria fazer ataque com Romário, a Seleção Brasileira ganhava mais um craque. Mas o destino neste caso foi cruel, em uma madrugada de 19 de abril de 1994 este notável jogador faleceu, em um acidente de carro. Estava preparando sua transferência para o futebol europeu, o Stuttgart, da Alemanha. Quantas possibilidades deixaram de ser em uma morte tão precoce. Lembranças de uma noite ocorrida há quase 28 anos resistem ainda em minhas memórias afetivas. O Olímpico Monumental, um grande craque vestindo a camisa 10 tricolor e a última lembrança que tenho de ir ao estádio com meu pai. Eu e meu irmão volta e meia ainda vamos, apesar de eu ainda não ter conhecido a Arena. Por mais moderna que seja, sinto algo especial, uma paixão misturada à nostalgia e carinho pelo velho estádio.

Algo estranho, sempre que o pai e a mãe conversavam sobre família, sobre netos e o futuro, meu pai tinha sempre a mesma palavra, um estranho presságio - Não Zinha (assim ele chamava a mãe) nós teremos três netinhas - sempre falava a mesma coisa!

Pois então, estamos hoje com nossas meninas já adultas, e uma adolescente. Infelizmente não conheceram seu avô! Tiveram a avó paterna muito presente em suas vidas, mas seu avô não. Acredito que somos legado deles, e os pais que somos reflete o que nossos pais foram para nós. Deixarei tal legado para minha filha? Se conseguir, a certeza de que parte de minha missão neste plano foi bem
cumprida.



Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.

Sandro estará presente no Anime Multi Geek em Canoas/RS dia 12/12/2021:









03 ANOS DE COLETIVEARTS
 NÃO ESPALHE FAKE NEWS, ESPALHE CULTURA!

SIGA-NOS EM NOSSAS REDES SOCIAIS:


Sempre algo interessante
para contar!




Postar um comentário

2 Comentários

  1. Arrasou, Sandro!
    Que delicia viajar através da tua crônica...
    Recordar a infância, onde também era parceira de meu pai em alguns jogos do Internacional.
    Abraço, amigo!

    ResponderExcluir