FISSURAS NA QUARTA PAREDE

OPINIÃO

Onde se escondeu nossa humanidade...

“O branco não tem a menor ideia do que o racismo faz com a nossa mente”

Essa frase eu li de um colega de grupo da cultura, dos tantos que eu participo. Frase essa proferida após o as divulgações das ofensas racistas que o cantor Seu Jorge sofreu na noite do dia 14 de outubro (sexta-feira), ao final do seu show, no Grêmio Náutico União em Porto Alegre/RS.

Segundo relatos de presentes, em uma festa cara, de gala, promovida pelo Clube para reinauguração do Salão União, em que Seu Jorge foi contratado para cantar, pouco antes do fim da apresentação, o cantor chamou ao palco um menino de 15 anos, negro, tocando cavaquinho e fez uma breve fala contra a redução da maioridade penal e sobre a morte de jovens pretos periféricos. A partir daí, quando o artista e banda saíram do palco, o que se deu foram gritos e xingamentos ofendendo o cantor, com palavras como “vagabundo”, “safado”, imitações de sons de macacos e o nada surpreendente “Mito, Mito, Mito!... Seu Jorge voltou ao microfone, sozinho, e se despediu educadamente com um “fiquem bem”.

Em nota, o clube disse que “está apurando internamente os fatos e que, se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados”. Se for comprovada?! Por que um Clube como o Grêmio Náutico União não chamou a polícia, imediatamente, quando do ocorrido? Por que não tomou providências sérias e precisas? O que esperar em uma plateia formada por pessoas 100% brancas, em sua maioria elitizada, quando as únicas pessoas negras presentes eram os funcionários, segundo depoimento do próprio cantor Seu Jorge na noite de segunda-feira (17.10) quando se manifestou sobre o ocorrido na capital gaúcha.

Racismo é crime previsto no Código Penal! Mas, ainda assim, brancos tentam o tempo todo fingir que não. Brancos se sentem no direito de ofender, discriminar, machucar pessoas negras, pretas, periféricas ou não. Artistas ou não. A cor lhes incomoda. A etnia não europeia incomoda a brancos coloniais. Sim, porque muitos brasileiros brancos se consideram, exclusivamente, descentes europeus. Como se isso fosse algo supremo, incrivelmente, glorioso. Quando viajam para a Europa descobrem e se surpreendem sendo tratados como “meros brasileiros”, que são. Quanto complexo de “vira-lata”!

Lembrei-me de uma citação da filósofa judia russo-americana Ayn Rand que em 1920 escreveu: ”Quando você perceber, que para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.”

Quando um artista sai do palco sob gritos e ofensas racistas, algo muito sério está acontecendo em nossa sociedade. Algo primordial, essencial a todo e qualquer ser humano, se perdeu: O RESPEITO!

Como podemos chegar a esse ponto em pleno 2022.

Como podemos deixar cair tanto nosso país.

E antes que alguém torça o nariz e esbraveje: NÃO, NÃO É SOBRE POLÍTICA. É SOBRE HUMANIDADE!


Izabel Cristina

Izabel Cristina é Licenciada em Teatro, gestora de cultura e Especialista em Acessibilidade Cultural, atriz, dramaturga, diretora e professora de teatro. Desde 2014 coordena o Departamento de  Artes Cênicas da SMCEL- Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e lazer de Gravataí/RS


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