ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO

ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO DE 

 INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS

Toda a trajetória da civilização humana demandou um imenso esforço dos seres humanos para chegarem até 2023, às custas de muitas guerras e genocídios, devastações de biomas e emissões de gases tóxicos agressivos à atmosfera, entre tantas outras agressões à fauna e à flora do planeta.

Em paralelo à essa trajetória de horrores houve os avanços tecnológicos que geraram a energia elétrica, a facilitação nos deslocamentos das pessoas entre cidades e países, as descobertas das ciências médicas que melhoraram e estenderam as vidas humanas, a popularização da internet, entre tantos outros avanços.

E como sabemos disso tudo? Sabemos porque desde que os nossos antepassados dominaram a linguagem e a partir da invenção da imprensa por Gutenberg no século XV, tudo passou a ser registrado e assim se criaram códigos, leis, mitologias, a literatura e o registro histórico. 

Mas toda essa trajetória ficará delimitada num período histórico, ainda que amplo, que poderá ser encerrado em novembro de 2022, por um novo paradigma para a civilização humana com o lançamento na internet da ferramenta ChatGPT (Generative Pre-trained Transformer), causando um impacto de surpresa no mundo conectado, que não sabia que uma IA estivesse tão avançada.

Na semana seguinte ao lançamento muita gente em todo o mundo acreditou nas imagens do Donald Trump sendo preso e do Papa Francisco usando um casaco de inverno estiloso, sem saber que eram geradas por uma IA. 


Em seguida muitos testes foram feitos com a ChatGPT e comprovaram que é uma ferramenta capaz de criar histórias falsas a partir de quem lhe solicita a tarefa. 

O neurocientista e psicólogo Terry Sejnowski (que ajudou no estabelecimento das bases intelectuais e técnicas das IAs) afirma que: “o comportamento estranho desses sistemas pode ser o reflexo distorcido das palavras e intenções das pessoas que os utilizam”. Ou seja, é o problema comum à todas as ferramentas disponíveis aos seres humanos imperfeitos. 

Porém há um novo dado que pode mudar tudo isso, com a evolução das IAs para um modo autoconsciente. E isso preocupa muita gente respeitável.

Em um artigo publicado no New York Times, o escritor e historiador israelense Yuval Harari alertou: “Se continuarmos a fazer as coisas como sempre, as capacidades de IA serão usadas para a obtenção de lucro e poder, mesmo que isso destrua as fundações da nossa sociedade.” 

Harari adverte que até o presente momento histórico a linguagem é o sistema operacional da cultura humana e um novo domínio da linguagem por parte da inteligência artificial significa que ela será capaz de invadir e manipular o sistema operacional da civilização, apoderando-se de sua chave mestra “de cofres de bancos a santos sepulcros”. 

E o historiador israelense prossegue: “os humanos com frequência não possuem acesso direto à realidade. Nós somos encapsulados pela cultura, experimentando a realidade através de um prisma cultural. Nossas visões políticas são forjadas por reportagens de jornalistas e anedotas de amigos. Nossas preferências sexuais são ajustadas em função de arte e religião. Essa cápsula cultural tem sido, até aqui, tecida por outros humanos. Como será experimentar a realidade através de um prisma produzido por inteligência não humana?” 

Pois esse alerta ecoou pelo planeta e trouxe à tona a questão da regulamentação das inteligências artificiais antes que seja muito tarde.  

O próprio criador da ChatGPT, o CEO da OpenAl, Sam Altman passou a liderar esse movimento e tem viajado pelo mundo (esteve em 18 de maio no Brasil) provocando essa discussão a partir de uma necessidade imperiosa de regulamentação das IAs, com a enorme dificuldade que essa regulamentação seja comum à todas as nações.

Enquanto isso, a greve dos roteiristas em Hollywood traz entre as suas principais reivindicações a proteção à propriedade intelectual dos autores dos roteiros, que está sob ameaça com uso de uma IA, que poderia vasculhar em pouquíssimo tempo um arquivo de centenas de narrativas e forjar uma de um gênero específico que serviria à um estúdio. 

Menciono o caso dos roteiristas não em causa própria, mas como um exemplo de muitas outras atividades profissionais que poderão enfrentar problemas e até mesmo serem extintas, a partir da hegemonia das inteligências artificiais.

Já no universo dos influenciadores digitais há novo modelo de negócio em que esses profissionais/celebridades autorizam a criação de “chatbots” hiper-realistas, afim de que as suas aparências e vozes se comuniquem com uma base enorme de fãs/clientes. Uma influenciadora norte-americana de 23 anos de idade e que tem uma base de 2 milhões de seguidores, lançou um desses avatares com um nome parecido ao dela própria, que simula a aparência, a voz e até mesmo alguns maneirismos para conversar com os fãs, que pagam 1 dólar para cada minuto de conversa sobre qualquer assunto. Só na primeira semana esse recurso gerou 100 mil dólares para a influenciadora que na prática não fez nada, a não ser esperar os dólares entrarem na conta.

Mas o uso desses “avatares” abre uma enorme discussão com base em questões éticas e filosóficas. Afinal, é uma autorização formal para que uma IA substitua um ser humano. Mas será que alguém se importa mesmo com isso? 

Encerro essas reflexões com dois exemplos cinematográficos que abordam o tema. Um de viés catastrófico e outro, reflexivo.

Em 1984 chegava aos cinemas do mundo o filme “O Exterminador do Futuro” dirigido por um desconhecido James Cameron, com roteiro dele e de Gale Ann Hurd. Em meio a uma história de ação, suspense e ficção científica ficamos sabendo que no ano de 2029 (ou seja, daqui a apenas seis anos) uma inteligência artificial chamada Skynet, criada para a rede de defesa norte americana, sairá de controle e considerará todos os humanos uma ameaça, causando um cataclisma nuclear, cujos humanos sobreviventes serão caçados por máquinas assassinas. O resto da história todos sabem, inclusive que gerou uma série de filmes (os dois primeiros dirigidos pelo Cameron são os melhores) e até uma série de TV. Aí está uma visão pessimista para alguns, mas que pode servir de alerta para outros.

Já em 2001 chegava às telas um projeto nascido e cultivado pela genialidade de Stanley Kubrick, que morreu antes de conhecer as condições técnicas necessárias para a sua realização. Assim Steven Spielberg herdou o projeto e lançou o seu “A. I. – Inteligência Artificial”. Se por um lado os fãs de Kubrick ficaram com aquela expectativa frustrada, por outro Spielberg usou anotações, desenhos de produção e muitas ideias trocadas durante os vinte anos de convivência com o amigo e colega, para homenageá-lo. Dizem que durante as filmagens se ouvia muito a seguinte fala da boca do diretor: “Stanley gostaria disso”. Mas o filme tem o apelo emocional característico dos filmes do Spielberg e nos faz a seguinte indagação – será possível amar uma inteligência artificial no formato de um robô humanoide?



E eu prossigo com as indagações: 

 - Se somos demasiadamente humanos e imperfeitos, como iremos lidar com inteligências artificiais? 

 - Vamos mesmo entregar as narrativas que moldam nossos comportamentos e nossas vidas às inteligências não humanas? 

 Talvez essas respostas, nesse estranho novo mundo, estejam mais próximas do que supomos, mas nem todas sejam satisfatórias.  

João Luís Martínez 

João Luís Martínez é ator, escritor, diretor, dramaturgo e roteirista atuando nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web) há mais de trinta anos. Desde 2011 faz parte do corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo, uma instituição prestigiosa na cultura porto-alegrense, onde ministra cursos e oficinas de roteiro. Há três anos ministra as suas oficinas de modo on-line, contribuindo para a formação de novos roteiristas para o mercado.


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1 Comentários

  1. Será fulminante, Maestro. Segundo uma palestra de I.A. que participei estes dias, 70% das profissões atuais sumirão num passe de mágica. Outras surgirão. Mas a pergunta permanece: estaremos preparados para tais mudanças? A resposta parece simples: Não.. Mas sempre iremos lutar com unhas e burrice pra sobreviver .

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