Mais uma reflexão sobre o machismo
Hoje em dia, muitas pessoas tem o que falar sobre o machismo, igual ao racismo, homofobia e por aí vai. Todos temos opiniões sobre esses temas, mas nenhuma delas se iguala ao verdadeiro entendimento de sentir a intolerância na própria pele. E esses preconceitos e atitudes discriminatórias - na maioria das vezes - não são lançadas de forma gritante, alertando a todos de que isso se encaixa em uma violência. Na maioria dos casos, os golpes vêm como pequenos esbarrões leves, quase imperceptíveis, já que muitas falas e ideias estão incrustadas na sociedade por séculos dando uma sensação de naturalidade, quando não repensada com consciência e razão.
Somente 1988 - um ano antes de eu nascer - que a mulher passou a ser um ser humano igual ao homem em direitos, no Brasil. Antes disso, legalmente, era considerada indivíduo de segunda classe. Isso responde porque ainda encontro mulheres de 40 anos para cima (ou até menos) que acreditam que no casamento é normal lavar as cuecas do marido, juntar o copo dele do sofá e lavar a louça mesmo depois de cozinhar as refeições. Escutei muitas vezes dessas mulheres “homens são assim mesmo, não adianta, eles não sabem limpar a casa, ou cuidar dos filhos, só nós sabemos”. Cresci com esse preconceito me alfinetando diariamente - embora nunca tenha sido de aturar caladinha! Não tinha permissão de ter um vídeo game em casa porque era coisa de menino, podia apenas jogar no do meu irmão e primos, caso eles permitissem (para resolver isso, dei uma surra em todos os homens da sala no Mortal Combat, para que parassem de me excluir e permitissem que eu também entrasse na fila de revezamento do controle). Não podia fazer aventuras no mato ou em outros lugares que exigiam condicionamento físico porque era uma menina (foi doloroso porque eu amo aventura, então fugia de casa e participava da aventura sem permissão mesmo). Nunca tiveram expectativas em mim com relação a carteira de motorista, só permitiram que eu tirasse a carteira (diferente do orgulho que sentiam do meu irmão e primos, assim que tiraram a permissão no Detran). Até hoje, a maioria das pessoas não sente confiança em mim como motorista, até me ver dirigindo de verdade. Já passei por vários momentos de anulação da minha opinião, dada com base em experiências vividas, para ser validada a opinião de um homem que nunca nem saiu de casa, que dirá viver o que vivi na pele.
Tudo isso são coisas que passam escondidas o tempo todo por nós, até que, em um momento da vida, juntando tudo isso, vira uma bola de neve. Ou pendemos para o ódio excessivo ou para a depressão passiva que concorda com essa realidade - “o mundo é assim mesmo”. Percebemos que nós, mulheres, ainda somos seres humanos de segunda classe e temos de trabalhar em dobro para conseguir o que muitos homens conseguem sem mover muitos músculos.
É muito comum ver homens com 30, 40 e até 50 anos vivendo nas costas dos pais, sem grande perspectivas de vida, chilicando porque algo deu errado em suas vidas e fugindo covardemente dos seus problemas, dos filhos e das cobranças nas drogas e diversões exageradas, choramingando por aí porque um ou outro relacionamento amoroso deu errado, sendo cruéis com o mundo porque este lhe foi injusto em algum momento. No contraponto, é muito comum ver mulheres na mesma faixa de idade tendo de deixar lares abusivos, passando dificuldades em albergues, reconstruindo suas vidas do zero, criando os filhos enquanto limpam a casa, estudam e trabalham ao mesmo tempo, além de manter o corpo em dia para os fofoqueiros de plantão não concordarem em coro com o macho que saiu de casa acusando falta de tesão na relação. O número de mulheres felizes profissionalmente e solteiras por opção aumentou, por estão exaustas de cobranças, injustiças e pesos mortos sobre as costas
Eu sinto na pele toda a violência do machismo, toda vez que alguém no trânsito quer brigar comigo e avista pela janela que sou mulher. Sempre joga um sorriso malicioso e me culpa pela falta de habilidade deles. É o mesmo que sente uma pessoa negra sendo seguida pelo segurança no supermercado, ou alguém de sexualidade não padronizada sendo encarada na rua por suas escolhas.
E todo esse preconceito é ainda mais fomentado por outras mulheres que pisam na nossa luta inventando machismo alheio onde não existe (por que nem toda a briga ou confronto com um homem é machismo), inventando histericamente que são perseguidas, que são atacadas, que são desvalidadas, quando não passaram um terço real de dificuldade na pele. Nossa luta é manchada quando permanecemos desunidas fofocando uma das outras, competindo por posições que não existem, ou machos que não se importam com nada, pisoteando ainda mais as irmãs que já são pisoteadas diariamente. Nossa luta é fadada ao fracasso toda vez que outras mulheres realizam atos sem sentido, exagerados, desnecessários e cravam a plaquinha de “manifestação contra o machismo”, para risos e aplausos dos ignorantes que adoram nos ver tropeçar e cair nessa batalha. Nossa defesa é completamente aniquilada todas as vezes em que outras mulheres alimentam mentiras criadas pela onda machista para nos manter abaixo dos homens (“mulheres são todas iguais”, “mulheres são fofoqueiras mesmo”, “nós somos bichos estranhos, difícil de entender”, “ser mulher é ter filhos, cuidar do marido e da família”, etc).
Para finalizar todo esse meu pensamento, lembro que nossos inimigos não são os homens, é a descultura que se criou para matar, queimar, enforcar e destruir a natureza feminina. Homens e mulheres jogam nesse time de aniquilação. Não existe uma separação de sexos. Existe a luta da consciência contra a ignorância (e não se trata disso, em todas as batalhas?). Todas nós descendemos de grandes guerreiras, de sacerdotisas, de espiritualistas, sábias conectadas com a verdade e com a força da natureza. Não somos loucas, não somos ignorantes, não somos menos que ninguém. Que possamos assumir nosso lugar de direito, que não é e nunca foi o lugar do homem. Os homens têm de sair da posição de ignorantes ou impotentes da estrela para assumir suas posições de homens (aquele que respeita todas as vidas e trabalha com elas para a sua própria evolução) e nós mulheres também temos de assumir nossa posição de mulheres (aquelas que estão conectadas à natureza, a vida e alimentam esse planeta com suas ideias e sabedoria). No dia em que aniquilarmos essa ignorância que assola nosso mundo por séculos e tomarmos nossos lugares de direito, em comunhão respeitosa, nosso mundo dará um salto evolutivo maior que a descoberta do fogo
Miriam Coelho |
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