DOSSIÊ KOBIELSKI

 FUTEBOL E QUADRINHOS: 

PAIXÕES IRRESISTÍVEIS

Sem sombra de dúvidas, o futebol é uma paixão que reverbera por todos os cantos do mundo. Em nosso país, então, essa paixão atinge quase todos os setores da sociedade. Multidões lotam estádios para torcer pelos seus times do coração. Clássicos e rivalidades se espalham por todas as paragens. E eu, como milhões de brasileiros, também fui contagiado por essa paixão. Paixão que foi despertada no ano de 1977, com o título de Campeão Gaúcho do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, depois de oito anos de hegemonia colorada. Confesso que até meus 13 anos de idade, eu era um gremista muito meia boca. Mas aquele gol feito pelo centroavante André Catimba, irrompendo a área colorada em velocidade, calibrando o chute com perfeição no ângulo direito da trave defendida pelo arqueiro Benítez, me transformou num verdadeiro gremista. O Gre-Nal daquele domingo de 25 de setembro acendeu definitivamente minha chama pelo futebol.

Em tempos sem Internet, nossas únicas fontes de informações vinham do rádio, da televisão, dos jornais – de onde eu recortava e montava meus infindáveis arquivos futebolísticos – e as revistas. Uma especialmente: a “Placar”, melhor publicação esportiva do Brasil. A revista semanal chegou às bancas em março de 1970, um pouco antes da Copa do Mundo de futebol daquele ano, realizada no México. Pelé foi o personagem da capa da primeira edição, que vendeu quase duzentos mil exemplares e trouxe como brinde uma moeda cunhada em latão com a efígie do jogador. Lembro que meu primeiro contato com essa publicação foi por volta dos 14 anos, numa barbearia, em que o barbeiro colecionava e era fã de futebol – não lembro se era gremista ou colorado. A edição que peguei para ler, enquanto esperava meu corte de cabelo, datava de 1974. Sei disso porque ostentava em sua capa uma foto da torcida cruzmaltina, no Maracanã, com a manchete em letras grandes: “É O VASCO”, campeão brasileiro daquele ano. Por pouco não me tornei um vascaíno, pois nesse time jogava um grande centroavante pelo qual me tornei um fã: Roberto Dinamite.

Paralelo ao mundo do futebol, os gibis, com seus heróis, também inundavam as bancas de revistas. Tarzan, Zorro, Durango Kid, Roy Rogers, Super-Homem, Batman, Capitão América, Tio Patinhas, entre outros, faziam a cabeça da gurizada nos idos da década de 1970. No gibi do Pato Donald eram publicadas histórias do papagaio Zé Carioca. Suas histórias se resumiam a edições antigas, do início da existência do personagem, nas décadas de 40 e 50, ou adaptações de histórias de outros personagens como Mickey ou do próprio Pato Donald.

Aproveitando o impulso dado pela estruturação na editora Abril, de um estúdio para a criação de histórias Disney próprias, e pelo interesse em manter o título Zé Carioca nas bancas, um desenhista ganhou destaque: o gaúcho Renato Canini (1936-2013). Canini começou a desenvolver histórias para a personagem, dando a ele uma continuidade que jamais teria se não tivesse havido essa iniciativa. O quadrinista modificou os trajes, trocando o paletó e a gravata borboleta do personagem por uma camiseta, e ao lado de outros profissionais da casa, ajudou a trazer a ambientação da história para um contexto de maior brasilidade, com os morros, o campinho de futebol, a feijoada. Seu bairro, a Vila Xurupita, tinha um time homônimo que vestia uniforme rosa e branco. A equipe não tinha nenhum grande rival na teoria. A rivalidade vinha com o time do Arranca Toco FC, capitaneado por Zé Galo, antagonista de Zé Carioca, que tinha em sua escalação vários personagens que arrumavam esquemas para cobrar as dívidas do Zé Carioca. Quanto ao sucesso ou fracasso do time, tal fato variava de acordo com as histórias. Em algumas, era citado que o Vila Xurupita era um time fracassado que nunca havia vencido nenhuma taça. Em outras, o time ganha algum título ou até a Copa dos Morros.


Nesta época, a Disney não creditava os profissionais envolvidos na criação das histórias. Para contornar isso, Canini usava alguns artifícios, fazendo aparecer um "Sabão Canini", uma "Loteca Canini" eventualmente um caramujo – sempre desenhados sutilmente no fundo de um quadrinho. O traço de Canini, simples, solto, econômico e com forte personalidade, afastava suas criações do padrão Disney. Canini desenhou Zé Carioca por cerca de cinco anos, criando para o personagem cerca de 135 HQs, algumas também escritas por ele próprio, até os editores dizerem que seu desenho estava se distanciando demais do estilo Disney, não vendendo tão bem como antes e, finalmente, cancelarem a produção.

Essa popularidade do personagem no mundo do futebol fez com que a editora Abril lançasse, em 1974, por ocasião da Copa do Mundo da Alemanha, o Manual do Zé Carioca. Lembro que minha primeira edição era da Copa de 1978, de capa dura. Uma verdadeira enciclopédia do futebol. Esse manual trazia em suas páginas coloridas, personagens Disney contando a história do futebol desde seu nascimento e evolução. Mas o que me encantava nessa publicação eram as biografias dos grandes craques do futebol. Foi lá que conheci Arthur Friedenreich, “El Tigre”; Leônidas da Silva, “O Diamante Negro”; Heleno de Freitas; Pelé; Alfredo Di Stéfano; Franz Beckenbauer; Johan Cruyff; entre outros tantos.


Foi também pela editora Abril que apareceu nas bancas de revistas um gibi que virou uma verdadeira coqueluche da gurizada na segunda metade dos anos de 1970: a revista Pelezinho. Houve uma longa negociação entre Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica e o craque Pelé, quanto à publicação. Descobri, muito tempo depois – afinal, não tínhamos a instantaneidade da Internet-, que a ideia de Maurício de Sousa era que o personagem fosse uma criança, ao contrário do que pensava Pelé, que imaginava uma versão mais adulta. Mas os argumentos de Mauricio de Sousa foram mais consistentes, pois agradaria o público infantil. Assim, em outubro de 1976, Pelezinho estreou nas tiras de jornal. Mas foi somente em agosto de 1977 que o garoto craque de bola virou título de uma revista em quadrinhos. O sucesso não se limitou apenas aos gibis publicados no Brasil, mas também em outros países, pois Pelezinho virou boneco e estampou as embalagens dos mais variados produtos; desde alimentos a materiais esportivos, até diversos tipos de brinquedos.

Além de Pelezinho, outros dois craques brasileiros da bola debutaram do mundo das histórias em quadrinhos: Ronaldinho Gaúcho, em 2006 (Editora Globo e Panini) e Neymar Jr., em 2013 (Editora Panini)

Outro gibi que marcou época com temática de futebol foi Dico, o artilheiro. Dico chegou às bancas brasileiras em 1975, publicado pela RGE – Rio Gráfica e Editora (hoje Editora Globo) e era muito disputado pela gurizada, esgotando rapidamente suas tiragens. O gibi trazia, além de HQs completas do jogador, reportagens sobre futebol e muitos brindes, como figurinhas e adesivos para times de botão como atrativos. Elementos que faziam nossa alegria e diversão. Dico foi criado pelo quadrinista argentino José Luis Salinas – também criador de Cisco Kid-, quando a grande distribuidora de tiras de jornal, King Features Syndicate, encomendou ao artista uma tira que tivesse o futebol como tema. O objetivo era fisgar o público norte-americano para o “soccer”, aproveitando o impacto da Copa do Mundo de 1970, realizada no México. A tira de Dico estreou em 1973 com o título original de “Dick the Gunner”. Dico era chamado de “o artilheiro” por seus companheiros Jeff, Poli e todo o time Estrela Futebol Clube, clube onde jogavam. Sobre Poli, companheiro de ataque de Dico no Estrela: foi um personagem desenvolvido por Salinas de modo a homenagear Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos – que coincidentemente, estava prestes a deixar o Santos para terminar sua brilhante carreira no Cosmos da liga norte-americana de “soccer”.



2021. O mundo vivia sua maior crise sanitária da história: o Covid - 19. Eram momentos de inquietude. Tínhamos que buscar alternativas para superar aqueles dias. A arte se mostrou nossa grande aliada, especialmente as histórias em quadrinhos. Numa das muitas conversas com o amigo Jorginho, artista gráfico e gremistão de quatro costados, surgiu a ideia de criarmos uma tira de quadrinhos. Eu escreveria os roteiros e ele desenharia as histórias. De imediato, lembrei de um personagem que havia criado no final dos anos de 1970, se chamava Juanico. Fiz algumas modificações no personagem, e o rebatizei de Juanito. Juanito é um menino de 12 anos, filho de argentinos que vieram morar no Brasil. Gosta muito de futebol, como seu pai, torce para o Racing da Argentina. É também muito questionador, uma espécie de Mafalda de calções. Enfim, Juanito é síntese dessas nossas paixões: futebol e histórias em quadrinhos. Porém, mais do que isso: o personagem, que é filho de imigrantes, pode também representar tudo aquilo que sempre sonhamos: a utopia de uma sociedade mais justa e igualitária.


*EM BREVE AVENTURAS INÉDITAS DE JUANITO!

Paulo Kobielski


Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. é uma espécie superior de gaúcho, pois é gremista!, escreve a coluna Dossiê Kobielski, para ler, clique Aqui.
Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria Aqui.
Também é um dos apresentadores do podcast cultural Coletive Som, A voz da Arte. Para escutar os episódios clique Aqui.
Confiram o episódio n# 02, apresentado por Patrícia Maciel e Luciano Xaba, entrevistando o Paulo Kobielski, clicando Aqui.
Paulo viu o Deus do Futebol Diego Armando Maradona jogando no estádio Olímpico Monumental em Grêmio 1x0 Argentino Juniors em 1980. E Maradona em um chute acertou a bola no travessão, e Paulo jura que até hoje escuta o som daquela bola, daquele lance imortalizado na história.

Silvio Ribeiro com uma rifa solidária

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