Eu tinha dez anos e estava na quarta série, lá na cidade de Alvorada, que faz divisa com Porto Alegre/RS.
O nome dela era Jocimara, ela era nova na escola. Loira, cabelos crespos com corte Chanel e olhos azuis. Olhos que fizeram meu pequeno mundo parar.
A escola ficava na rua de minha casa, e, na hora de ir embora, ela ia até a esquina para pegar o ônibus e eu ficava ali parado, fazendo-lhe companhia até o ônibus chegar.
Conversávamos, ríamos, mas nossas conversas não eram bobagens. Tá certo que eram sobre filmes, desenhos animados, sobre gibis e novelas, mas era algo sério, dentro das possibilidades que uma conversa naquele período da vida poderia ser.
E quando ela sorria...nossa...como eu adorava vê-la sorrir.
Quando ela partia e eu ia para casa, ficava perdido em devaneios, imaginando que eu era o Homem Aranha balançando pelos prédios, a salvando de algum perigo iminente e ela, por fim, descobrindo a minha identidade secreta, dizia: Jorge Luís, você é o Homem Aranha!
Claro que os meninos passavam e davam risadas, uns falavam: "o gordinho está apaixonado!"
Até meu pai pegava no meu pé : "E a namorada, como está?"
É claro que eu ficava envergonhado, sempre fui tímido.
Chegou o final do ano e nós trocamos de escola, lembro dela me abanando pela janela do ônibus no último dia de aula, indo embora e me fazendo ficar triste, de uma maneira que eu não sabia explicar.
Durante o ano seguinte fiquei pensando nela, em como estaria. Se estaria pensando em mim e, é claro, que eu, como "Homem Aranha, iria encontrá-la em algum lugar para poder salvá-la de algum perigo e andarmos juntos de mãos dadas ao por do sol".
No 07 de setembro daquele ano fui assistir o desfile das escolas municipais. A minha escola não desfilou naquele ano, então passei na banca de revistas do Bento (que está lá até hoje) e após comprar um gibi usado fui até a praça central da cidade. Qual não foi a minha surpresa: eu a vi.
Ela estava de pé em cima de um dos bancos da praça. Avistou-me primeiro e me chamou. Abraçado nela, estava um menino alto.
Ela sorria, e me falou que estudava na escola estadual perto da minha, falou o nome do menino e não precisou me dizer que era seu namoradinho, era desnecessário.
Eu dei um sorriso amarelo, só abanei a cabeça, devo ter falado algo também..., é claro que eu falei, mas não me lembro, saí caminhando enquanto ela me abanava.
Perdi o rumo, em vez de ficar e ver o desfile, eu voltei para casa, e o caminho foi longo. Fiquei perdido, só queria chegar em casa e ler o meu gibi, que, aliás, era do Homem Aranha.
Eu tinha onze anos, um coração partido, uma cara triste e uma mãe perguntando o que havia comigo. Quando tomei coragem, falei que tinha visto a menina e soltei indignado, um "que horror! agarrada com um menino mais velho!" Meu pai, sem perder tempo, disse: "Quem, a tua namorada?"
Fui para o quarto emburrado e não e não jantei naquela noite.
Li meu gibi, rasguei os desenhos que havia feito dela e pela primeira vez chorei por uma menina.
Eu nunca mais vi a Jocimara depois daquele dia, em 1988. Os anos passaram, vieram outros olhos claros, outras paixões, outras alegrias e tristezas.
Hoje penso em tudo aquilo com muito carinho, e fico feliz por ainda ter muito daquele menino apaixonado dentro de mim.
Nunca vou esquecer daquelas manhãs esperando o ônibus junto a ela e nem daquele sete de setembro, em que me abanava, dizendo adeus.
Agora, vou terminando por aqui, pois tenho dois gibis do Homem Aranha para ler, e outros olhos claros para contemplar.
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Arte: Lisi Olsen "Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância." - Ricardo Mendes |
10 Comentários
Que texto lindo. Lembrar dos amores e escrever sobre eles é ter a coragem de compartilhar doces sentimentos. Andar de mãos dadas com quem se ama é uma benção. Teu despertará memórias do primeiro amor em muita gente, garanto. Obrigado.
ResponderExcluirFoi muito gostoso recordar. Foi tão lindo, tão inocente. Tomara que outras pessoas se recordem também.
ExcluirFoi uma honra ilustrar esse belo conto sobre amores e saudades.
ResponderExcluirIndependente do tempo e dos fins, amores são belos na lembrança.
Concordo minha amiga, são tão belos. Tuas ilustrações ficaram lindas demais.
ExcluirQue lindas memórias!!! Doces!
ResponderExcluirDoces e singelas, como antigos "setes de setembro" e gibis do Homem Aranha.
ExcluirEsses guris e os amores não correspondidos. Sei bem por que isso. Demaiiissss Jorginho.
ResponderExcluirSim, acredito Paulo. E acredite, todos eles foram marcantes e lindos.
ExcluirAdorei ler e as ilustrações! Me identifiquei na relação da amizade especial! P mim não era o Homem Aranha . Era a música q nos pegava. Até hj escuto América e Bread e lembro dos doces momentos de estudante.
ResponderExcluirA música também me aciona gatilhos. Obrigado pelo comentário.
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