NAVALHAS AO VENTO

 MINHA ETERNA LUTA CONTRA O VÍCIO

Era 2016 e estávamos em plena campanha política. Eu, filiada ao Partido dos Trabalhadores, após o golpe que derrubou a Prefeita Rita Sanco, mergulhei de cabeça e coloquei meu nome a disposição do partido para concorrer a vereadora de Gravataí.

O estesse era grande, poucos recursos financeiros e a certeza do que viria se a direita vencesse as eleições eram fantasmas que nos assombravam a toda hora. Minha válvula de escape eram as quatro carteiras de cigarro por dia. Meu coordenador de campanha, não fumante, ficava quase sufocado em meio a tanta fumaça, mas, muito educado para reclamar. Um dia eu estava reclamando que não teríamos dinheiro para fazer alguma coisa e ele jogou uma sementinha: “- Para de fumar que terás dinheiro.” Na hora eu fiquei braba, xinguei, briguei. E ele disse que apenas fez um comentário. E essa foi a chave... foi apenas um comentário... só que entrou no meu cérebro... Passei o período todo pensando no que ele havia falado. Cada vez que ia comprar os quatro maços eu ouvia sua voz lá dentro do meu cérebro.

Logo após as eleições eu voltei a trabalhar. Trabalhava na Vigilância em Saúde, na recepção. Comecei a reparar nos colegas, em quantos fumavam... até que um dia cheguei para minha coordenadora e pedi ajuda para entrar no grupo anti-tabaco da secretaria da saúde. Na mesma hora ela fez uma ligação e fui incluída no grupo. As palavras dela ao telefone, falando com a coordenadora do Caps bateram muito forte em mim: “- É a minha recepcionista, ela fede na recepção.” Caralho... eu gastava uma fortuna em Boticário e Natura e minha coordenadora dizendo que eu fedia... doeu ouvir isso.

Toda terça-feira lá estava eu, fazia chuva ou sol, lá ia eu. Eu estava decidida a parar. Fiz um cálculo e vi que gastava, na época, R$11.160,00 por ano e isso me assustou. Passamos por uma avaliação com a psicóloga e cada um decidiu o dia que pararia de fumar. Fiz uma associação boba com minha data de nascimento e de passagem do meu pai e decidi que o dia 16 de dezembro seria o dia “zero cigarro”. Isso foi no dia 10 e percebi que só teria mais 6 dias para fumar. Fiquei assustada e tentei negociar o prazo. A psicóloga me fez perceber que eu estava tentando burlar minha decisão. Então mantive. Já estava usando adesivos para minimizar a vontade, mas a maior vitória era a minha decisão.

Dia 15 de dezembro, pouco antes da meia-noite, sentei na área na frente da minha casa, olhei para a lua e conversei com ela. Tenho uma  amizade muito legal com a lua e pedi ajuda a todos os que cuidam de mim por intermédio dela. Sou de umbanda e tenho a certeza de que sou uma, mas nunca estou só e assim fiz um pedido a cada orixá, preto velho, cigano, erê, exú, caboclo... a lua coletou cada pedido e distribuiu aos destinatários. Exatamente meia-noite, joguei a bagana fora e disse: “Nunca mais.”

Dia 16 acordei cedo, antes das 8h da manhã com a mãe passando mal. Ela estava toda inchada e sentia dores nas costas. Levei a mão para pegar um cigarro. Movimento automático, o mesmo que fiz desde os 15 anos cada vez que acontecia alguma coisa. Mas logo lembrei da minha decisão: Nunca mais. Chamei um taxi e levei minha mãe para o Becker onde ficou internada por insuficiência renal. Toda hora eu pensava no cigarro que estava na minha bolsa, ao meu alcance e cada vez que pensava em fumar eu tomava um gole de água. Muitas vezes eu queira bater com a cabeça na parede, a vontade era enlouquecedora. Cada fumante que eu passava na rua eu dava uma “fungada” para sentir aquele cheirinho de nicotina. O adesivo não colava mais na minha pele, descolava a toda hora, eu tinha que reforçar com várias camadas de esparadrapo e isso me causou várias alergias, a cola queimava minha pele. No grupo eu soube que isso era o corpo tentando eliminar o adesivo, burlando, assim, o tratamento. Após a alta da mãe ela foi para uma ILPI para ter uma melhor recuperação. Eu continuava com dores de estômago, enjoo, vômitos, dor de cabeça e muita irritação, complicações da abstinência. Para quem acha que é só parar, lamento informar, mas não é. Se fosse fácil não seria chamado de vício. E ninguém é sem-vergonha por ser viciado porque ninguém é sem-vergonha por ser doente.

Chegamos ao final do tratamento e apenas duas pessoas conseguiram parar e fui uma delas. Em abril a mãe partiu e mais uma vez eu levei a mão à bolsa para pegar um cigarro. Eu ainda carregava uma carteira na bolsa, eu tinha que saber que o cigarro estava ali a minha disposição e que eu não pegava porque não queria. Neste dia pensei: “- Foi ela quem morreu, eu estou viva e posso decidir. Não vou fumar. Não é motivo para uma recaída.” E me mantive mais uma vez na minha decisão.

Hoje, 16 de dezembro de 2024, completo 8 anos, 3225 dias sem cigarro. Ainda me considero “parando” de fumar. Jamais direi que parei, continuarei sempre em tratamento, nunca será finalizado, viverei sempre contando “mais um dia”. Não tive nenhuma recaída e isso me deixa muito feliz. Há quem diga que minhas entidades fumam, mas daí são elas,  quando desincorporo não tenho nem gosto de cigarro na boca e nem sofro de abstinência no outro dia.

Esse texto não é para me “exibir”, nem para convencer ninguém a parar. Escrevi com o intuito de incentivar alguém. Poxa, se eu que fumava 4 carteiras, ou seja, oitenta cigarros por dia, por 39 anos, dos 15 aos 54 anos, estou conseguindo ficar limpa por 8 anos, tu que estás lendo este texto e também pensa em parar, poderá conseguir. Eu adoraria saber que fui o instrumento para tua decisão. Adoraria saber que este texto te ajudou a pensar na possibilidade de parar de queimar teu dinheirinho. Mas tenho a certeza que cada um tem seu tempo e seu gatilho. Não é porque eu parei que vou querer entrar na mente dos outros. Inclusive eu respeito meus amigos fumantes, quando chegam na minha casa eu ofereço um cafezinho e um cinzeiro e todos fumam na minha sala, sentados confortavelmente. Não obrigo ninguém a fumar nem descer para o pátio, nem mesmo ir para a sacada. Quando eu era fumante eu ficava chateada com a ignorância de algumas pessoas com relação aos fumantes, hoje eu os respeito da mesma maneira que gostaria de ter sido respeitada. Hoje tenho a compreensão de que todo vício é um tipo de doença e a discriminação não ajuda, pelo contrário, atrapalha qualquer tentativa.

Também agradeço a todos os que de uma forma ou outra  colaboraram para minha decisão e minha vitória até agora. Todos sabem quem são, não vou nominar cada um novamente para não deixar muito mais longo. Quem quiser ajuda, se precisar conversar para parar de fumar, entra no meu Facebook “Mais um dia sem cigarro” e poderemos trocar experiências. Unidos poderemos vencer o nosso vício. Eu ainda não venci... estou vencendo a cada dia...Conversar contigo será legal para nós dois..,

No próximo ano estarei aqui para comemorarmos mais um ano, se Deus quiser e a lua me ajudar...


Isab-El Cristina


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

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4 Comentários

  1. Muito bacana o teu depoimento. Emocionante e certamente inspirará muitos. Vício ninguém cura, ou melhor, não tem cura, cada dia é uma luta, tem que ficar em estado de alerta para evitar recaída. Parabéns e boa luta!

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    1. Oi, sou a Isab. Obrigada pelo carinho. Bju

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  2. Que maravilha! Esta tua decisão foi uma das melhores de tua vida, pois te deste a possibilidade de seres mais saudável e teres uma poupança... Parabéns, minha querida amiga! Bjjj.

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    1. Oi, sou a Isab. Obrigada pelo carinho. Bju

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