UM POUCO DE HISTÓRIA

 

A Luta de Classes Não Tira Férias

O filme “Ainda Estou Aqui” mexeu com a cabeça da direitalha... Os reaças de plantão enlouqueceram com a premiação da Fernanda Torres ao Globo de Ouro de melhor atriz, há algumas semanas, e agora devem estar pulando de raiva com a premiação de melhor filme no Palm Springs International Film Festival.

O filme do Walter Sales não é nenhum Costa Gavras com o seus inesquecíveis “Z”, “Estado de Sítio”, “Missing”, cuja produção é fantástica, envolvendo centenas de atores e figurantes em tramas sobre ditaduras, golpes de Estado, repressão política de forma explicita e inequívoca. “Ainda Estou Aqui”, pelo contrário, parece um filme família porque exatamente trata sobre os efeitos perversos da ditadura numa família classe média brasileira, que poderia ser a minha ou a sua. Certamente é este o seu grande mérito, não deixar tudo cair no esquecimento, reavivar a nossa memória. Neste sentido, o presidente Lula assinou, a poucos dias, decreto criando o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia. Vejam como tudo se encaixa perfeitamente, deixando a turma dos saudosistas da ditadura se mordendo de ódio, porque ódio é com eles mesmo.

Nasci no final de 1960, portanto tinha 4 anos quando houve o golpe de 1964. Quando estava no primeiro ano, em 1968, foi implantando o AI-5, que conseguiu piorar o que já era ruim. Portanto, com esta tenra idade, minhas memórias são quase semelhantes as lembranças daquelas crianças mostradas no filme. Meu pai não era nenhum ex-deputado, minha mãe não fez Direito e eu não era nenhum guri de classe média, muito antes pelo contrário. Meu pai era zelador de um clube e minha mãe, para defender uns trocos, além de dona de casa revendia AVON.

Lembro da propaganda ufanista do governo do General  Garrastazu Médici: “Ninguém Segura Este País!”, “Brasil: Ame- o ou Deixe-o”” e “Prá Frente Brasil!”, que também é nome de  um ótimo filme. Nossa tv Philco 14 polegadas, comprada para assistirmos a copa de 1970, era a janela por onde entrava toda a propagando explicita e implícita do governo. Aos meus olhos o Brasil vivia um momento maravilhoso. Éramos campeões do mundo, na hora cívica, lá no Grupo Escolar Argentina, na Av.  Independência, em Porto Alegre, bem perto do apartamento do ditador Médici, que ficava na esquina com a Ramiro Barcelos, cantava a todo o pulmão o hino nacional e na parte em que eu gritava:

“Mas, se ergues da justiça a clava forte

Verás que um filho teu não foge à luta

Nem teme, quem te adora, a própria morte”

Me imaginava lutando em meio a tiros e bombas do exército inimigo. Me julgava muito patriota na altura dos meus 9 anos. Pobre criança ignorante, não sabia que os(as) verdadeiros(as) patriotas estavam pendurados(as) no pau de arara levando choque na genitália.

Quando o governo Médici terminou, aos 11 anos eu imaginava que havia sido um ótimo governo porque ficou pronto o Túnel da Conceição, onde na minha pré-adolescência brincava com meus amigos de esconde-esconde, pega-pega, pulando de uma elevada a outra, em meio aos carros... éramos uma gurizada sem noção do perigo... uma vez vi um caminhão de cerveja tombar no final do túnel e houve uma farta distribuição das garrafas de Brahma que sobreviveram estendidas no asfalto... a October Fest chegou mais cedo naquele ano.

Gostava de ver os desenhos na tv e em todo o início de qualquer programa havia a folhinha da Censura Federal liberando o que seria exibido. Bom, no início dos anos 1970 havia apenas a TV Tupi e a TV Gaúcha, que começavam só lá pelas 15 h. e iam até por volta das 24 h., quando à noite assistia Jornada nas Estrelas e Perdidos no Espaço. Também havia novelas como “Antônio Maria”, “Irmãos Coragem”, “Nino o Italianinho”, “O Bem-amado”, sempre com o papelzinho dando o aval da Censura Federal. Tudo controlado... bom, nem tudo. Lembro de uma entrevista, acho que era na Hebe Camargo com o cantor Valdique Soriano, aquele do “eu não sou cachorro não”, que a um dado momento se irritou e ao vivo disse “são todos um bando de puxa sacos!” Na hora a tv saiu do ar e ficou aquele chuvisco por vários minutos, até voltar a programação e  o revoltado cantor, mais calmo, pedir desculpas. Sobre cantores, lembro de na altura dos meus 13 ano escutar “Apesar  de Você” do Chico Buarque no rádio e pensar: “acho que ele não está falando de uma mulher”. De fato, a censura liberou  pensando que era uma coisa e logo depois proibiu entendendo  que era outra coisa. E o que dizer de “Caminhando e Cantando”? Um hino.

Só fui começar a entender um pouco mais de política   quando comecei a participar da mobilização para criarmos o Grêmio Estudantil da Escola Marechal Floriano Peixoto, no   Ensino Médio. Compreendíamos que o Grêmio Estudantil era  algo como um sindicato de estudantes e tudo o que os milicos não queriam era povo organizado em sindicatos 

Numa campanha para eleição na UMESPA (União Metropolitana de Estudantes de Porto Alegre) eu e mais uns três ou quatro estudantes estávamos à noite colando cartazes  nos muros das escolas até que no Colégio Rosário a polícia  nos abordou, havíamos apenas colocado a cola no muro e os brigadianos nos mandaram não colar o cartaz, dissemos que não colaríamos e eles foram embora. Depois de recolher os baldes, as trinchas e os cartazes estávamos indo embora até que ao olharmos aquele muro com a cola escorrendo e pensando que os brigadianos já estavam longe, colamos o cartaz e, como se fosse um truque de mágica, apareceram de repente dois fuscas da Brigada Militar, desceram uns quatro soldados com armas em punho, nos mandaram colocar as mãos atrás da cabeça, ficar de cócoras e apresentar os documentos. Putz! Aí eu me lembrei que não estava com a minha carteira de identidade. Andar sem a identidade naquela época, principalmente à noite, era muito perigoso porque a polícia frequentemente dava uns “atraques” na rapaziada. Já estava me vendo preso, atrás das grades a pão e água. Neste momento um brigadiano mais velho me salvou dizendo que “se vocês são estudantes, como dizem, apresentem a carteira de estudante”. Ah! esta eu tinha! Fui o primeiro a levantar a mão e mostrar a minha carteirinha do Grêmio Estudantil Floriano Peixoto, assinada por mim mesmo como Secretário de Imprensa e Divulgação. Logo depois de ver os documentos daquela gurizada liberaram a gente, mas só depois de uma boa bronca... O “cagaço” foi grande, mas felizmente foi só “cagaço”.

Na faculdade, quando fui eleito presidente do Diretório Acadêmico da FAPA, o secretário da faculdade me informou que o governo mandava comunicar ao DOPS (Departamento de Ordem Político Social) o nome de quem era eleito presidente de organizações estudantis assim como de sindicatos. Estes dias olhei a minha fichinha nos órgãos de repressão e me chamou a atenção que o meu nome era citado como autor de um artigo que escrevi, quando professor, para o jornal Magister,  do CPERS, em 1989, alertando que “Collor não traz nada de novo”. (1989 não era mais governo militar, mas a vigilância continuava).

A ditadura aterrorizava corações e mentes. Lembro do meu pai me alertando para não me meter com política porque poderia ser preso. Conheci muitos que foram presos... Lembro que durante uma manifestação estávamos utilizando o aparelho de som do Sindicato dos Comerciários de Porto Alegre e um brigadiano recolheu o microfone e eu, sem pensar duas vezes, fui lá e retirei o microfone das mãos do dito cujo que, talvez espantado pela minha coragem misturada com insensatez, ficou sem reação ao me ouvir dizer: “este microfone não é nosso, tenho que devolver para o sindicato”. Realmente eu tinha mais sorte que juízo 

Mudando de assunto, mas nem tanto assim: quero aqui, publicamente, me solidarizar com a poetisa, professora, funcionária pública aposentada, militante da cultura de Gravataí Isab-El Cristina Soares, que foi covardemente agredida nas redes sociais por alguém que não teve nem a coragem de se identificar e muito menos de manter a postagem. Seu crime foi escrever a sua opinião a favor da democracia, elogiando o filme “Ainda Estou Aqui” e se posicionar contrária a este bando de mentecaptos que vociferam pela volta da ditadura militar.

Olha, pensar diferente dos outros é válido, mas tem que manifestar este pensamento de forma lúcida, coerente, com argumentos calcados em fatos irrefutáveis e não simplesmente ficar agredindo a honra de quem escreve opinião contrária. Chamar de ... ou de ... é pura falta de argumento, ou melhor, é o argumento do desesperado que por ser despreparado para o debate só sabe jogar palavras de baixo calão contra os adversários. Triste, mas ao mesmo tempo mostra quem são estes saudosistas da ditadura, tão desqualificados quanto o projeto político que defendem. Pessoas amargas e covardes, pequenas de almas e de poucas luzes para agirem desta maneira abjeta ..., mas sigamos a vida e para não esquecer a ditadura usemos uma frase que eles odeiam: DITADURA NUNCA MAIS!


NESTOR OURIQUE MEDEIROS


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
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3 Comentários

  1. Muito boa a reflexão sobre esse período que não deve e nem pode voltar. Não podemos esquecer.

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  2. Ótimo texto. Não podemos esquecer a veradeira história da Ditadura Militar e de seus seguidores e que hoje voltam a manifestar-se. Não podemos permitir!

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