Pensamento do Dias

 

Desafinei no Premium

Minha vida é uma playlist do YouTube. Quando um momento de euforia inicia e promete se transformar num eterno instante de alegria, aparece aquela menina olhando com cara de bocó para o cachorro e a música do "amor de verão" começa a tocar, ou surge uma "incrível" oferta do Airbnb. 

E logo em seguida, o YouTube me oferece o fim dos meus problemas. Basta eu pagar uma módica quantia e eu poderei ter meu instante eterno de novo. Eu serei Premium!

Faz uns 2 dias, causei um daqueles momentos WTF em Denise, quando disse: "Eu não me importo com a humanidade. Eu quero que a humanidade se ferre. E quero que seja com requintes de crueldade. E quero poder assistir". Porque a humanidade tirou de mim, algo que eu sempre fui na vida: um Premium. Minhas rádios acabaram porque não davam lucro para seus gestores. Apenas alegria para os ouvintes. Onde já se viu? Em plena era do capitalismo? Dar alegria? A floresta de árvores brancas que eu visitava toda a semana, veio abaixo, para a construção de mais um condomínio. Tem mais condomínios que árvores nesta cidade. E no verão, quando a felicidade se mede em BTU's, eu sofro com o calor absurdo. E não me causa nenhum estranhamento negarem o aquecimento global. Quem nega são as pessoas. E foram as pessoas que derrubaram as árvores. Por ordem de outras pessoas. Pessoas parecidas com as que mataram minhas rádios para colocarem rádios que mais tocam propaganda de Air Fryer que música. Parecidas com as que colocam aquele cachorro com a música do amor de verão pra acabar com as minhas eternidades. 

Não posso ouvir Bob Dylan no YouTube sem ser interrompido por aquela propaganda de um app de sons que promete que a gente imagine estar no meio da natureza. Sim, porque natureza, só imaginando. Poxa, eu gosto de ouvir Bob Dylan. É meu cantor predileto. É meu modelo de sucesso. Canta fanho e desafinado já faz 60 anos e mesmo assim ganhou Grammy, Oscar, Nobel. E moldou gerações. Eu queria ser como o Dylan. Queria ser ouvido. Mas nem fanho sou. E muito menos Premium.

Dylan já dizia que a felicidade está logo ali na esquina. Mas estamos fracos demais para chegar lá.

Provavelmente porque está muito quente, pelas árvores derrubadas por aquele cara do trator, enquanto ele ouvia nos seus fones de ouvido, uma propaganda de Air Fryer numa daquelas rádios. 

E mais eu diria...

Mas vai tocar Amor de Verão de novo...

Davison Silveira

Davison Silveira é escritor e sonhador. Não ganhou dinheiro com nenhuma das duas, mas continua achando que as respostas da vida estão em alguma canção do Belchior, num disco de Dylan, num livro de Kundera, numa revista do Asterix e nos beijos de Denise. Para ele o sentido da vida é Centro-Bairro. E segue sua vida esperando o retorno daquele que veio dos Céus para nós salvar: Goku. Ou que finalmente resolvam fazer a versão 600 ml do refrigerante Teem

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."

- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,

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