#temliteraturanarede

Mudei-me de mala e cuia para Capão da Canoa já fazem quatro anos, para uma quadra repleta de prédios (muitos em construção) e com poucas casas. 

Moro em um apartamento, gosto dele, mas amo casas. Sempre que viajo para lugares diferentes gosto de caminhar pelas ruas, ver as construções e tentar imaginar em meus devaneios como seria morar em cada uma daquelas casas, que histórias elas guardariam, quantos amores, alegrias,  tristezas e desilusões elas teriam sido testemunhas. 

Na minha quadra haviam sete casas, mas uma era linda, e sempre me dava alegria ao passar por ela. Uma casa simples com uma varandinha, com jardim e um quintal. Uma casa de vovó. Ela era uma casa em que eu moraria pelo resto de minha vida, era encantadora. 

Uma a uma as casas de minha quadra foram sendo engolidas pela especulação imobiliária. Com propostas irrecusáveis, seus donos não titubeavam e as vendiam. Primeiro aparecia uma placa na frente que indicava o empreendimento que em breve seria ali, depois tapumes em volta e enfim a casa era destruída e um prédio começava a tomar forma. 

Mas ela continuava ali encantando a quem passasse, um marco em frente a todas as construções de concreto que por ali se erguiam. E  eu passando por ela, cada vez mais me encantava e entrava em devaneios. 

Lembro-me que em dezembro passado ao passar com minha esposa Patrícia Maciel, ainda falei:         

- Amor, no dia que botarem uma placa ali na frente eu vou ficar muito triste.

- Eu também amor, nem me fala.

No dia 31 de dezembro passei por ela e suspirei, minha esposa também. Porém ao caminhar até o mar na manhã do dia 01 de janeiro lá estava o monstro pendurado em sua cerquinha avisando que ali em breve surgiria um novo edifício, Ficamos arrasados, A última resistente havia se dobrado, logo ela, a mais linda, a mais simples, a casa da avó, a última da quadra. 

Agora todos os passeios por ela eram de despedida, ela parecia olhar direto para nós dizendo que havia cumprido o seu papel, que era hora de descansar, Eu entendia, mas não queria me desapegar dela. 

Na última semana a tristeza foi enorme, ela pegou fogo. Incendiou-se, virou cinzas. Não sei qual foi o motivo, mas era quase como se ela não quisesse cumprir todas as etapas da transformação final em uma torre e num último ato de resistência comete uma auto incineração, um suicídio. 

Agora, quando passamos e ela não está mais ali, fica um sentimento de luto. Mas ficará nas nossas lembranças a doce imagem daquela casa de avó. Uma casa que eu nunca entrei, que apenas cruzei pela frente, mas que não deixa de ser uma metáfora para nossas vidas.


Texto:Jorginho



Arte: Denise Silveira


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

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3 Comentários

  1. Nestor Ourique Medeiros27 de março de 2025 às 07:26

    Em Gravataí são as árvores derrubadas para construírem condomínios de "alto padrão ".

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  2. Dor da saudade, as lembranças, mudanças.

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  3. João Luís Martínez27 de março de 2025 às 15:09

    O poder da gentrificação. Essa palavra horrível para uma ação pior.

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