Na areia


Estava sentado na areia da praia, olhando o horizonte, tentando contemplar o que ainda há de bom e belo no mundo, quando senti aquela mão levemente apoiada em meu ombro. Olhei para trás e vi o rosto jovem debaixo da barba e do cabelo longo e despenteado. Vestido apenas com uma bermuda suja e amarrotada, pediu um cigarro. Expliquei que aquele era o último, mas daria a ele e isso
seria bom para mim, já que levaria um tempo para descolar outro, ficando assim algum tempo sem me poluir com todos aqueles agentes nocivos a saúde. O rapaz
me agradeceu por dividir o vício suicida e caminhou em direção aos quiosques.
Encarei mais um pouco o horizonte e me virei procurando o sujeito. Localizei a figura entre as mesas, pedindo algo.
Depois de correr três mesas, voltou em minha direção. Fingi estar apreciando qualquer coisa e me fiz de surpreso quando estava bem próximo.
- Opa... Fala aê.
- Fui pedir dinheiro ou comida nos quiosques...
- Eu vi. - Confessei ao observar seus olhos molhados.
- Sabe a última mesa em que parei? - Uma lágrima escorreu.
- Aquela ali. - Apontei com a cabeça.
- A mulher, hoje com aquele cara, um dia disse que me amava e que nunca me esqueceria. Acontecesse o que
acontecesse... Agora, ela olhou como se nunca tivesse me visto antes.
- Talvez ela não tenha reconhecido...
- Reconheceu. Assim que me olhou, ficou em dúvida, mas logo em seguida reconheceu. Por um rápido momento achei que fosse me cumprimentar, mas logo vestiu uma máscara fria e olhou para o outro lado, deixando para o acompanhante o trabalho de dispensar o pedinte.
Tentei explicar que não deveria se aborrecer com isso. Afinal, ela tinha se mostrado como sempre fora: Uma pessoa com sentimentos menores. Tinha dado
sorte em não terminar com tal pessoa. Mas ele não deu oportunidade para tal explanação. Não estava interessado no meu ponto de vista. Queria apenas dividir o pesado fardo de sua vida. Quando percebeu que ia emitir alguma opinião, se virou e caminhou pela beira d’água. Fiquei olhando ele ir, pensando em quem realmente seria aquele cara. Muitos o viam como mais um morador de rua, mas
debaixo daquele rótulo devia haver um ser muito interessante, sensível e inteligente. Quando ele sumiu do meu campo de visão, me levantei, bati a areia da bermuda e comecei a procurar alguém que estivesse fumando. Precisava conseguir um cigarro.


Texto: Fabio da Silva Barbosa
Arte: Jorginho                         

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