NAVALHAS AO VENTO

O ESTRANHO CASO DAS PARADAS CEGAS

Maricás é uma cidade estranha, onde todo o dia acontece o improvável. 

Reza a lenda que até lá pelos idos dos anos 2011, Maricás era uma cidade feliz, arborizada, com lindas praças, uma simpática rodoviária e tinha até museu. A história da cidade era tratada com respeito, a arte e o artista eram valorizados e a população tinha orgulho de ser maricaense.

Mas até em Maricás tem política, mas não a política sadia, me refiro a política suja, àquela mesma política que derrubou a presidenta eleita do país de Lisarb, derrubou a prefeita de Maricás, na base do golpe. E de lá para cá Maricás nunca mais foi a mesma...

Em Maricás o funcionalismo passou a ser considerado inimigo e quem está no poder faz de tudo para desacreditá-los perante a população. Tentaram, até, retirar o convênio médico dos servidores alegando que isso onera a prefeitura... Muitos funcionários de empresas terceirizadas ocupam as vagas de concursados nunca chamados. Concursos continuam sendo realizados como forma de arrecadar e não para suprir lacunas. Muitas vezes as pessoas reclamam de mau atendimento vociferando entre dentes: “- Funcionário público é tudo igual, tudo vagabundo, tem que privatizar.” Mas na verdade já foi privatizado, afinal o que é uma empresa terceirizada senão uma privatização às escuras? Funcionários despreparados fazem o que querem e quem leva a culpa é o funcionalismo... isso só acontece em Maricás...

Enquanto todo o mundo fala em arborizar cidades com o intuito de aliviar o aquecimento global, em Maricás o governo destrói praças, arranca árvores como se fossem ervas daninhas. O engraçado é que mesmo a cidade tendo um nome de vegetação, o verde é considerado invasor.

Agora em Maricás temos uma inovação: em cada esquina temos uma piscina popular. A cidade está impermeabilizada com cimento e a água das chuvas não tem para onde correr, gerando o efeito “piscina” em cada esquina.

A história da cidade nada vale, o acervo do museu está depredado pela falta de cuidado. No museu já teve uma responsável que queria colocar cerâmica indígena no lixo porque era “coisa velha”. Até um empresário da cidade já disse que lá só tem coisa velha, fico me perguntando qual acervo de museu não é “coisa velha”. O casarão tombado como patrimônio está abandonado, esperando que o tempo faça seu trabalho e derrube as paredes de pau-a-pique, centenárias, afinal aquela esquina vale milhões... não é lucro manter o casarão para guardar só “coisa velha”...

Poderia citar muito mais fatos improváveis, afinal já são 13 anos que a cidade gira em torno da elite.

Mas agora um fato superou todos os outros: o estranho caso das parada cegas. Mas o que serão paradas cegas? Claro que apenas o cidadão assalariado já percebeu, a elite não pega ônibus então não precisa desperdiçar cérebro nem verba para fazer algo que preste. As paradas novas terão uma durabilidade centenária, visto que não é possível utilizá-la de forma correta. As pessoas não podem sentar nos bancos pois existe um paredão que impede a visibilidade, quem está sentado não consegue ver quando o coletivo se aproxima e a parte mais estreita, visivelmente colocada de forma errada, fica para o lado oposto do fluxo do trânsito. Todos ficam em pé e quando tem muita gente, alguns ficam na chuva... mas ninguém senta. Além disso ainda tem a altura dos bancos que é inversamente proporcional a maioria das pessoas que utilizam o transporte público, principalmente dos idosos. Em algumas paradas seria necessário  adaptar uma escada. Claro que jovem tem elasticidade suficiente para colocar um lado da bunda e depois o outro, mas a “velharada” que precisa sentar um pouco para descansar depois de ficar numa fila de bando ou de amargar em pé num posto de saúde, só com escadinha. Paradas de ônibus deveriam ser abertas, com acrílico transparente nas laterais, não com laterais pretas formando uma grande caixa onde o pedestre fica escondido. Numa delas chega a ser perigoso depois das 18h, pois fica numa rua escura e qualquer assalto ou estupro ali dentro não poderá ser notado pelos carro que estiverem na via.

Em muitas cidades existem recuos na via para que os passageiros embarquem com segurança nos coletivos. Em Maricás é diferente, existe inovação. Em Maricás não existe recuo na via e sim avanço. O pedestre tem que ir até o meio da rua para embarcar, pois a parada foi colocada na via e não na calçada, a largura da via será bruscamente estreitada. Fico imaginando um carro de madrugada arrancando aquela parada por não imaginar que tem um empecilho na pista, espero que seja de madrugada e ninguém seja atingido, pois já é tragédia anunciada.

Pois é, Maricás é uma cidade atípica e não adianta reclamar. Em Maricás a obviedade é ignorada, a população das vilas continua amassando barro, ainda tem ruas sem saneamento, sem asfalto, sem infra-estrutura... mas o centro... ah, o centro... No centro é outro mundo... lá tudo brilha, no centro tem até uma santa dentro de um aquário de costas para o rio e a fonte do forno fica abandonada, afinal ela fica escondida mesmo e a elite não sabe para que ela serve...

Meu único receio é alguém da elite entender meu texto... mas é pouco provável.


Isab-El Cristina Soares
Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

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1 Comentários

  1. Não sou da "elite", porém entendi muito bem! Teu texto é muito bom, sarcástico e muito claro e verdadeiro. Viva a Prefeitura de Maricás!

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