João


João

João acordou 4hs da manhã, botou o uniforme, desceu a favela, esperou o ônibus (enquanto tremia de frio), embarcou no transporte lotado, desceu no ponto do
próximo, embarcou noutro ônibus (igualmente lotado) e chegou ao trabalho.
- Vamos lá, rapaz. Chega a essa hora e ainda quer ficar de conversa fiada. Dobrou o horário para tentar tirar um extra e trabalhou durante quase todo o dia, mal dando tempo de almoçar. Saiu às pressas para pegar no biscate, que tinha arrumado para comprar o presente que o filho tanto queria.
Chegou tarde em casa, pegando o prato que a mulher tinha preparado e deixado sobre o fogão. Ligou a televisão em um volume bem baixinho para não acordar os que dormiam em sua pequena casa. Um homem de terno falava: “Vivemos em
um sistema onde todos têm oportunidades. Trabalhando bastante e se dedicando a sua função, qualquer um pode ficar rico.”
João foi deitar pensando naquilo. Quantos como ele trabalhavam duro, aproveitando todas as raras oportunidades que apareciam, e não conseguiam, ao menos,
ter o básico (água, esgoto, saúde, educação...)? Seu pai morreu trabalhando e nunca teve condições de conseguir nada com que sonhara.
Quando pensou que ia começar a dormir, levantou com o gritar do despertador.Se arrumou as presas e saiu rumo ao trabalho. Ao passar pelo pessoal do tráfico, pensou que, de repente, não estava se dedicando a função certa. Com a escolaridade que tinha, era melhor ver a palavra trabalho de outra forma. Ficar velho não parecia ser mais tão interessante. Se desse sorte e conseguisse chegar a idade
do seu pai... com um pouco mais de dinheiro...?
A ideia povoou sua mente por alguns dias e por fim se alistou no exército do tráfico. Pouco depois, uma invasão policial no morro possibilitou uma foto de João, entre os novos amigos, na capa do jornal. A manchete dizia: “Polícia prende traficantes da favela...”
Na cadeia, aumentou seu ódio. Sempre fora trabalhador e se arrependeu da escolha que havia feito. Mas, agora, era tarde. Ninguém queria saber de seu arrependimento. Seria
complicado achar novos caminhos.


Texto: Fabio da Silva Barbosa
Arte: Jorginho                         

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