DOSSIÊ KOBIELSKI



                    SE NÃO FOSSE MINHA MÃE, EU NÃO SERIA DURANGO KID  


Ele era um justiceiro do velho oeste. Fez sucesso no cinema nas décadas de 1940 e
1950. Cativou gerações de admiradores que adoravam aquela troca de identidade,
quando um pacato cidadão de uma pequena cidade do interior se transformava - com
uma máscara no rosto – no destemido herói Durango Kid.





Durango Kid é um daqueles cowboys dos gibis que começou sua carreira no cinema
nos chamados “faroeste B”, filmes de baixo orçamento, exibidos nos sábados e que
atraiam uma legião de espectadores sedentos por aventuras e muitos tiros. Mas, o que
mais levava o público a assistir essas “fitas”- alusão aos rolos de filme – não era
propriamente o enredo, e sim, seu protagonista. Desde Tom Mix, no início do século
XX, passando Buck Jones nos anos de 1930, esses aventureiros do velho oeste se
tornaram um modelo a ser seguido pela gurizada, por praticarem a justiça e levarem a
paz a essas paragens. Estreando em “O Cavaleiro de Durango”, em 1940, Durango Kid
era interpretado por Charles Starrett, que só retornou ao papel do herói mascarado,
em 1945, quando a Colúmbia Pictures iniciou uma série de 64 filmes, produzidos em
apenas sete anos, até 1952. Quando se aposentou, Starrett deteve o recorde de ter
estrelado a mais longa série de longas-metragens (131 títulos, metade deles no papel
de“Durango Kid”).





Em cada filme, Charles Starrett interpretava um cowboy chamado Steve, cujo
sobrenome variava e nunca se repetia: Haley, Mason, Reynolds, Norris, Tracey entre
outros. Durango Kid vestia-se de negro e cobria o rosto com lenço da mesma cor. O
nome do seu cavalo era Raider (Corisco, no Brasil). Mas quando o personagem
retornava aos trajes civis, ele era chamado Faísca. Ao contrário de outros personagens
de dupla identidade, como Zorro, Batman e Super-Homem, Steve não se fingia de
fraco ou medroso, sendo retratado até mesmo como xerife em algumas produções.
Outra diferença era que sua “identidade secreta” era conhecida por diversas pessoas.


Com todo esse sucesso, e seguindo uma tendência da época, Durango Kid ganhou uma revista em quadrinhos. Em 1949, a editora Magazine Interprises entrou num acordo com a Colúmbia Pictures e licenciou o personagem para seus gibis. A revista estreou em outubro de 1949 com o nome de “Charles Starrett as The Durango Kid”, desenhada por Joe Certa, sendo continuada em seguida por Fred Guardineer, um dos grandes artistas gráficos daquela época. A revista foi publicada até 1955 e teve 41 edições. No Brasil, as histórias de Durango Kid de Guardineer começaram a ser publicadas a partir de 1951 nas revistas Super X, Aí, Mocinho, Herói, Nevada e Durango Kid da editora EBAL até 1975. Durango Kid ainda voltou as bancas entre os anos de 1980/81, na revista Histórias do Faroeste pela editora Vecchi.





Durango Kid foi presença marcante no imaginário popular e na cultura de massa de
nosso país. Além dos filmes e das histórias em quadrinhos, o personagem se tornou

uma fonte rica de inspiração da Música Popular Brasileira (MPB), que transformou
Durango Kid num porta voz das discussões políticas e sociais nas décadas de 1970/80.
Milton Nascimento em sua “Durango”(1970), discutia o empoderamento das classes
populares frente à censura e ao regime ditatorial.

“Propriamente eu sou Durango Kid.
Eu vim trazer, eu vim mostrar”
.
  





Sérgio Sampaio, artista cult de nossa MPB, compôs uma das mais brilhantes obras
desse país: “Eu quero é botar meu bloco na rua” (1972). Nessa, Durango Kid é a citação do herói mascarado, um cowboy justiceiro vestido de preto que cobre parte do rosto, 
fazendo justiça com as próprias mãos (isto é, de forma marginal).

“Há quem diga que eu não sei de nada
que eu não sou de nada e
não peço desculpas que eu não tenho culpa
mas que eu dei bobeira e
que Durango Kid quase me pegou”  





                     


Já nos anos de abertura política, o maior ícone do rock nacional, Raul Seixas traz de
volta a figura de Durango Kid, de uma forma bem suavizada e leve:

“Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês!”
“Cowboy Fora da Lei” (1987) 



 


Na última estrofe Raul brinca que não é besta pra tirar onda de herói, reforçando mais uma vez que muitos daqueles que deram as caras, que lutaram por uma causa, que falaram às nações, morreram. Ele está vacinado e prefere se divertir, sendo um cowboy fora da lei. 
 

A partir daí, é fácil perceber o quanto Durango Kid fincou raízes na cultura pop tupininquim. Outro dia, lia uma crônica de Nílson Souza sobre o tempo em que, na nossa inocente infância, brincávamos de bandido e mocinho. E nossas mães sempre eram as vítimas, pois perdiam seus lenços que seriam usados como máscaras na luta do bem contra o mal. Quem tivesse um lenço negro, tinha o privilégio de ser o maior justiceiro do velho oeste: Durango Kid. Naquele tempo,
usar uma máscara era o maior encanto. Não havia resistência ou importuno. Havia sim, o sonho. O sonho de promover a justiça social. De defender os excluídos de um sistema marcado pela desigualdade. Diferente dos dias de pandemia que hoje vivemos, onde a máscara é desprezada e abandonada no combate ao nosso maior inimigo
.





 Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologiapela UFRGS (mas as vezes ainda sai pelas ruas de Alvorada montado em seu cavalo branco e com lenço preto no rosto, para espalhar cultura e educação)


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15 Comentários

  1. Muito bom.
    Muito li e assisti.
    Parabéns Professor Paulo pelo resgate cultural.

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  2. pàrabens meu irmão desde novo sempre grudado nos gibis sou prova disso 👏👏👏👏👏

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  3. Foi muito divertido escrever esse texto. Muitas lembranças. Valeu o apoio amigos.

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