MICROSCOPIA DO OLHAR

Fala(cias)

Correligionários se encontram na frente da sede do partido. Carros nobres. Carros pobres. Bandeiras, adesivos, santinhos, água, lanche. Que horas sai o cachê? Carro de som. Candidato cumprimenta, bate fotos. Sorrisos, abraços afetuosos. Apertos de mão vigorosos. V de vitória. Olha pra cá. Abanos. Tapinha nas costas. Olhos confiantes. Assessores com agenda a postos. Microfone na mão. Palanque móvel. Jingle emocionado. Cidade renovada com Silva na jogada. A esperança é o novo agora. O seu representante, a sua voz. Abanos, bandeira tremulando. V de vitória. Jingle incessante. Microfone delirante. Abanos. Jingle. Microfone. Arregaça mangas da camisa. Desabotoa colarinho. Água do assessor. Selfie. Jingle na comunidade. Abanos. Microfone. A sua voz! O seu representante! Caminhada na comunidade. Abraços afetuosos. Selfie. Apertos de mão vigorosos. Reclamações de problemas antigos. Assessor anota. Conforto na população. Cidade renovada com Silva na jogada. Nessa eleição, Silva é a solução! Filho da cidade. Mãe criou lavando pra fora. Choro. Conhece a violência de perto. Choro. Estudou, virou “doutor”. Agora é a hora da mudança! Brilho no olho. A voz da comunidade na câmara. Solução! Chega de pobreza! Palmas. Chega de injustiça! Assovios. Casa para todos, saúde, segurança e educação para todos! Empregos, muitos empregos! Gritos emocionados. Fotos. Selfie. Água. Jingle. Anotações. Beija criança. Segura criança. Tem asma crônica, diz a mãe. Assessor anota. Saúde é prioridade. Selfie com jovem. Não tenho emprego. Assessor anota. Emprego é prioridade. Idoso abraça. Perdi dois netos para o tráfico. Assessor anota. Segurança é prioridade. Assessor diz que já cumpriu agenda. Abanos. Sorrisos. Últimas selfies. Tá anotado! Cidade renovada com Silva na jogada! Dia quinze é o dia da virada com Silva na jogada! Santinhos. Adesivos. Bandeiras. Jingle. Promessas. Esperança. Microfone. V de vitória. Olhos vazios. Anotações no lixo. Cansaço. Deboche. Risadas. Você viu o tiozinho cantando o jingle? Haha. E o vagabundo pedindo emprego? Quer boquinha? Vai trabalhar, se vira! Criança ranhenta. Nojo. Passa álcool aqui. Joga fora a camisa. Cheiro entranhado de pobre. Joga fora o desenho dos pivetinhos. Coisa horrorosa. Não ensinam desenho na escola? Professoras comunistas! Privatização nessas parasitas! Vê se eu não estou com febre, devo ter pego alguma coisa daquele velho. Já está no final. Sacrifícios necessários para a permanência.



Patrícia Maciel é doutoranda em Educação pela Unilasalle; Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS, com pós-graduação em Psicopedagogia pela UNIASSELVI/ RS, Gestão Cultural pelo SENAC-RS, e Letras, Literatura e Ensino pela FURG (em andamento); Graduada em Teatro - Licenciatura pela UFRGS. Atua como docente e pesquisadora na área de Artes e Educação, principalmente nos segmentos de artes, teatro, educação e formação de espectadores. Desenvolve pesquisa em Pedagogia do Teatro, em especial sobre Mediação Teatral, e escrita criativa. Membro fundador do grupo ColetiveArts, atuando na área de escrita literária.

Patrícia Maciel



 

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