CONTRAPONTO


 Você não veio a passeio

Chega o fim do ano e todos começamos a descartar objetos que não queremos, pessoas que não devemos mais conviver, preocupações que não devemos mais ter, na esperança de “zerar a fase” como dá e reiniciar uma nova. Ha! Como se pudéssemos refazer tudo diferente porque será um ano diferente.

Cansei de comprar a roupinha da cor do ano (sim, quando eu era menor de idade, era obrigada a fazer isso), os sapatos do ano, ajudar a montar a mesa do ano, jogar as pipocas, dar os saltinhos e vibrar meu peito com a contagem regressiva. Mas assim que os ponteiros passam para 00:01, eu percebia que tudo continuava do mesmo jeito. A pessoa que sempre brigava, voltava a explodir, a pessoa que sempre ignorava, continuava saindo de perto e eu continuava ali, sem entender porque eu não sentia toda a energia mágica para a qual me preparei tanto.

Demorei para entender que posso virar o ano de pretinho básico ou de amarelo ouro, nada mudará se eu não mudar. O ano novo não começa depois da contagem regressiva da Globo, o ano novo pode começar em março, em julho, em 20 de agosto e em qualquer outro dia comum do calendário. Entendi que não adiantava jogar nada físico fora, porque o que realmente importa para se passar de fase é aceitar que eu sou imperfeita, eu tenho de me mudar e que se eu não fizer isso, 2021, 2031, 2041 serão ainda 2020. 

Me fez mais sentido ainda quando sinto, em alguns momentos, que ainda tenho 15 anos e, em outros, como se tivesse 91 anos. Ainda oscilo entre imaturidades que preciso passar de fase e sabedorias que me marcaram a alma. Por isso digo, quase todos os dias ao espelho “você não veio a passeio, o que mais pode melhorar?”




 Míriam Coelho é artista das imagens e das palavras.


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