TECITURA

 

A Insustentável Leveza do Ser


Dia destes, estava fazendo leitura de uma entrevista da artista plástica Ná Silvauma leitura maravilhosa, e entre tantas maravilhas apresentadas nesta entrevista recheada de signos linguísticos e semiótica, destas observações e percepções estabelecidas, uma de suas falas despertou lembranças de outras épocas. A leitura recém terminada que Nayara fizera, o livro A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.

Milan Kundera é um escritor checo-francês, que escreveu este livro, e também O livro do riso e do esquecimento, Risíveis Amores, entre outros. Mas não foi através dos livros que o conheci. Conheci a obra de Milan Kundera pelo cinema. Em 1988 houve uma adaptação cinematográfica da obra A Insustentável Leveza do Ser, muito boa. Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin, entre outros, entregaram performances memoráveis. Instantaneamente passei a acompanhá-los, e Daniel, em especial, realizou trabalhos incríveis na indústria do cinema.

Porto Alegre era diferente. O mundo era diferente. Aqui os filmes, o cinema não chegava com a velocidade que hoje temos. Creio que este filme estreou por aqui mais de um ano após seu lançamento, deve ter sido pelo início dos anos 1990. Esta década de 90 foi um elo entre o antigo e o novo. Os anos 80 foram mágicos! Com todos os problemas que as sociedades sempre enfrentam, foi um tempo
revolucionário para a indústria cultural. O Rock nacional era de uma qualidade ímpar, artistas brilhavam, os festivais agregavam muitas pessoas. Sem os telefones celulares, sem as redes sociais e os meios de comunicação de hoje, a saída era circular. Pontos de encontro onde os amigos e amigas se encontravam. E Porto Alegre oferecia muitas opções!

Bom Fim e Cidade Baixa era onde as tribos se encontravam. Punks, Roqueiros, Skinheads, música Black ... os espaços serviam a todos. Período anterior ao advento dos Shoppings Centers. Haviam, mas eram poucos. Porto de Elis, New Looking, Encouraçado Boutequim, Fim de Século, muitos pubs no Porto dos Casais. Esta vida noturna maravilhosa se estendia às cidades vizinhas, em especial Cachoeirinha e seus Pubs, São Leopoldo e a Rua do Acampamento, Novo Hamburgo.

Os Teatros fervilhavam. As casas do estudante mantidas pelas universidades eram o reduto das bandas recém iniciadas, procurando seu espaço entre as gigantes como TNT, Bandaliera, Nenhum de Nós, Engenheiros do Havaí. Peças teatrais de grupos como Ói Noiz Aqui Traveiz mostravam sua força.

Assisti ao Tangos e Tragédias anos seguidos no Teatro São Pedro. Uma peça maravilhosa! Bailei na Curva, peça teatral encenada pela primeira vez em 1983, fez sua trajetória para ser hoje um dos maiores sucessos do teatro gaúcho.

E o cinema! A magia do cinema! Quão belos eram os cinemas de Porto Alegre!

Obras de arte, sem exceção. Suas fachadas, a arquitetura, o ambiente, os mezaninos. Cada cinema, um estilo diferente. Eram os cinemas de rua!

Como esquecer do Cine Cacique, meu preferido. Uma obra de arte aguardava pelo espectador sempre, em suas paredes. Inaugurado em 1957, foi o cinema mais luxuoso de Porto Alegre, incluindo pinturas dos índios Guaranis em suas paredes, obra do artista Glauco Rodrigues, e que no ano de 1987 teve seu mezanino transformado também em cinema, o Cine Scala.


Ali próximo ainda havia o Imperial, o Guarani e o Capitólio.

Astor e Presidente encontravam-se na Av. Benjamin Constant. Meu pai era prestador de serviços do Cine Teatro Presidente, e adorava levar a mãe para assistir às peças do comediante Costinha, que sempre se apresentava lá.

A Insustentável Leveza do Ser. O Porto Alegrense tinha uma cultura nesta época. Como não ser boêmio em uma cidade tão maravilhosa, onde ainda não havia tanta insegurança como nos tempos atuais? Éramos amantes da noite. O Porto Alegrense ainda é, eu deixei de ser. Hoje caio desmaiado às 23hs (kkkkkkk). Mas
Porto Alegre tinha uma tradição. O Cinema à Meia Noite. E éramos um público exigente!

Os blockbusters ainda não haviam chegado com esta força dos tempos atuais. O cinema era mais autoral, mais intimista, se é que este termo se aplica a esta arte. Sim, eu sempre vi o cinema como uma obra de arte! Você conhecia o autor, seu estilo. Pedro Almodóvar apresentava seu trabalho, Stanley Kubrick proporcionara já experiências magníficas. O Baltimore tinha um profissional responsável pela seleção dos filmes a passar em suas salas. Sempre com muitos elogios pela crítica especializada, eram filmes que fugiam do padrão filmes com grande bilheteria. Era o local onde se podia ver o cinema em sua essência, os filmes europeus, asiáticos, orientais, indianos. E as sessões à meia noite. Estas eram exibidas nos Cines ABC e Avenida 1 e 2. Eu sempre ia no Avenida 1, localizado na Av. João Pessoa, 1105. Hoje abriga uma universidade, mas sua fachada está lá, intacta. É patrimônio de Porto Alegre.

E assim foi. Quantas obras maravilhosas; hoje ainda temos cinemas. Muitos cinemas, muitos shoppings. As grandes redes tomaram conta. Cinemark, Arcoflex, e tantas mais. Mas perdeu-se a identidade, assim como o cinema mudou. Novos formatos, novas fórmulas, novo jeito de contar histórias.

O Cine Cacique fechou em 1994. Transformaram o luxuoso, o excelente Cinema Cacique primeiro em uma Igreja, e hoje é uma filial de uma rede de Supermercados. Imperial e Guarani fecharam pouco depois do Cacique. Sempre que passo pelo Avenida, lembro-me de A Insustentável Leveza do Ser ... foi uma pré-estreia no início dos anos 1990 à meia noite, saí do Parobé e fui assistir. Após o término, quase três da manhã, fui caminhando pela João Pessoa até o Centro, em direção às paradas de ônibus, pois era época em que eu ainda não dirigia. Que cidade para caminhar à noite! Nestes tempos, era um luxo ao qual podíamos desfrutar.

Que coisa peculiar este meu pensar. Esta artista cuja coluna eu li e me trouxe estas recordações referente a uma leitura sua sobre este maravilhoso livro A insustentável leveza do ser, trabalha sobre o corpo, sobre o erotismo e captura uma beleza em sua obra digna de ser explorada pelos grandes autores. Virei fã! Adoro ser fã. E esta minha intertextualidade enriqueceu com esta leitura. Recomendo! Leiam! Informem-se! Sejam curiosos! Vivam! Como Nay diz ... é libertador!


Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.

Sandro Gomes














03 ANOS DE COLETIVEARTS
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para contar!

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3 Comentários

  1. Esse texto me deu até vontade de voltar no tempo! Peguei só os anos 2000 na Cidade Baixa e Bom fim. Pena que não nasci nos anos 80 (ou não né... Depende do ponto de vista). Mas infelizmente perdemos muita coisa boa, principalmente a produção de novas músicas brasileiras de qualidade. Não falo apenas do rock, mas falo de letras que digam coisas que façam sentido mesmo, melodias bem construídas, que podemos escutar, até de longe, que o artista realmente toca o instrumento.

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  2. Que honra, Sandro. A insustentável leveza do ser é um dos meus livros favoritos, confesso que não costumo assistir filmes baseados em livros, prefiro guardar as lembranças da leitura. Mas depois de ler sua crônica irei assistir.

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  3. Que belos comentários! Míriam, sou de 1972 ... para mim, os anos 80 foram mágicos, palco de minha adolescência e começo da vida adulta. E foram anos de muita efervescência, o cenário cultural era outro. Creia, o mundo é diferente. E muito! Sinto falta, por vezes até uma certa nostalgia. Dentro daquele contexto, havia muita beleza. E a música nacional, em especial o Rock, eram excelentes! Renato Russo, Cazuza e Titãs são prova disso. Aqui em Porto Alegre era muito bom também!
    Nayara, querida ... que bela interação! Aliás, sempre! Você vê, seu trabalho tem muito a apresentar, de um diálogo seu surgiu esta crônica. Ah, Míriam escreve muito bem também, super recomendo a coluna dela, Contraponto. Nay, foste muito bem recomendada, Milan Kundera é excelente. Li as obras dele trabalhando na Biblioteca, temos outras lá. A nossa bibliotecária, em especial, gosta muito dos russos. Boa leitura também! Grato pela participação de vocês! Beijos

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