DIRETO AO PONTO GG


O Retorno e as Entrelinhas



“Nunca se esqueça de lembrar que não te esqueci”. Essa frase enigmática e poética e musical faz um belo efeito na cabeça das pessoas, principalmente daquelas mais romantizadas pelo tempo e pelas ocorrências, e ainda, situações. Ao longo da vida vamos esquecendo-se de lembrar-se das relevâncias do passado e seguimos criando outras que vão sobrepujando as antigas, até que, um belo dia, por força do destino, que impõe a lei do retorno ou por falta de força motriz para nos manter ligados e situados na realidade, resgatamos pensamentos que sempre estiveram encolhidos nos recantos e reentrâncias e que marcaram sobremaneira a nossa existência pregressa.

A leitura do Tex, personagem de faroeste que cavalga nas bancas italianas e brasileiras desde os anos 70, criado por G. L. Bonelli e Aurelio Galeppinni em 1948, é recheada, atualmente, de flashbacks fabulosos, em que antigos personagens coadjuvantes ganham força ao retornarem nas aventuras com certa exposição dos holofotes para causar o desejo e a ansiedade nos colecionadores. Esse expediente é sentido mais ou menos como a notícia daquele amigo dos tempos de colégio que foi morar longe, ou daquela garota que tivemos um affair no último ano colegial e depois sumiu. Agora eles retornam de repente e ficamos eufóricos pelas lembranças que suscitam, pelas consequências que advirão desse encontro.

E no afã de saber logo o que temos nas mãos e descobrir qual será a grande sacada, o grande finale, mastigamos a aventura rapidamente, muitas vezes sem apurar o paladar para sentir certos sabores que estão intrínsecos no enredo e servem de lapidação, de alisamento, de verdadeiro bálsamo da parte do autor, preocupado não só em conduzir a história no cerne aventureiro, mas injetar conceitos, dourar a pílula com palavras de efeito, intensificar e fortalecer personagens. Com isso, muitas informações sublimares não são captadas senão por leitores ávidos, do tipo tenazes caçadores de borboletas brancas, capazes de encontrar nuances autorais até mesmo onde não existem. Estas entrelinhas são encontradas nas aventuras de Tex, que é um personagem com alta carga de justiça e de formação de caráter.

Esta semana, por acaso, catei uma aventura para reler. É uma prática comum para mim, que leio as revistas uma a uma quando as adquiro, fechando a história ao cabo de dois, três, quatro meses – que representa e significa tomar a dose mensal de justiça – e depois de um tempo (meses ou anos), releio – todas – de uma vez, sem intervalos, e assim, analiso, viajo, mergulho, vou, volto, revejo uma cena, presto atenção aos desenhos de uma forma peculiar, particular, atenta, pesquiso uma situação já vista em outras revistas, revisito personagens e numerações passadas, dou atenção à memória e aos toques de alarme que dela emanam. São coisas simples que representam um exercício que nos coloca a par e portadores de tantos neurônios a serviço do herói. Dessa relida, duas coisas saltaram aos olhos, aliás, como sempre acontece. Uma é que o prazer de reler a aventura completa apenas alguns meses depois é intenso, parece novo. É quando consigo ver nas entrelinhas – a outra coisa -, é quando não vejo apenas a aventura, as cavalgadas, os tiroteios, os perigos e sim viajo nos desenhos, no texto, nas caras e bocas, nos detalhes. Há quem diga que uma terceira lida pode ser ainda mais prazerosa e valorosa. 

E foi ao reler a aventura O Prisioneiro de Yuma, que pude pontuar todos esses fatores de forma bastante despretensiosa, naturalmente, por perceber e sentir o assanhamento neural provocado pela perspicácia do roteirista, que como supra citado, diferencia-se dos autores normais e sem brilho, por acrescentar um ‘quê’ a mais, um diferencial, uma transbordância propositada, como se fosse um brinde, um sinal, uma tênue provocação para aqueles capazes de percebê-la(lo). 

A primeira constatação de valor é o retorno de George Morrow, ex-Tenente, ex-Capitão e atual Major do Exército, locado no Forte Huahuca, no Sul do Arizona. A primeira aparição de Morrow tenente foi em Tex 177, na aventura A Patrulha Perdida – que também nos apresenta o seu irmão, Sargento Morrow - escrita por Guido Nolitta e magistralmente desenhada por Giovanni Ticci, quando ele foi um desertor por ser contrariado e ter um projeto armamentício preterido pelo Exército – e ele enveredou na bebida e foi oferecer e fazer negócio com o Exército Mexicano, intermediado por um bandido do calibre de Manuel Pedroza. Tex e Jack Tigre foram ao seu encalço e lhe trouxeram de volta, mas o herói bonelliano saiu dessa aventura sem ter liquidado o inimigo e sentiu que engoliu um sapo. Esse era o método Nolitta (Sergio Bonelli) de atuar no roteiro de Tex, causando-lhe dissabores, sofrência, derrota, mais próximo do que chamamos de humano.




Tempos depois, o próprio Morrow, já promovido a Capitão do mesmo Forte Huahuca, descobriu o paradeiro de Manuel Pedroza e chamou Tex e seus pards para irem à forra. Dessa vez a aventura foi escrita por G. L. Bonelli, o pai de Tex, e desenhada também pelo Ticci, o paisagista do Oeste. E foi uma aventura denominada Bandoleiros, iniciando em Tex 241, onde o Morrow fez apenas o elo inicial e não participou mais. 

Quando o Major Morrow retorna em Tex 540 e seguintes, para mais uma vez colocar Tex a par de uma fuga e homicídios na sua região no Sul do Arizona, nas proximidades da famosa e praticamente inexpugnável Prisão de Yuma, é uma boa surpresa, pois retorna 25 anos depois numa aventura de forma totalmente natural, na terceira geração de roteiristas, isto é, três aventuras escritas por diferentes autores.

Para muitos leitores, diria uma boa maioria, este fato passou desapercebido. Lembro de ter lido uma postagem ou comentário tempos atrás sobre essa aventura, em que alguém citava o Morrow e seu retorno. E os que perceberam, não se tocaram para a importância do fato.



Mas não para por aí a retornância bonelliana. Na aventura Os Sete Assassinos, publicada a partir de Tex 378, de abril de 2001, nos são apresentados Jack Thunder, um velho pistoleiro cego, Bronco Lane, um jovem louco por aventuras e Kid Rodelo, um sagaz assassino, que aos 13 anos matou o professor e padrasto na sala de aula, porque este batia em sua mãe. Todos retornarão em novas aventuras texianas, mas Rodelo termina preso, após ganhar um bofete de Kit Carson.

Quase 10 anos depois é a hora de conhecer Durango, um jovem assassino que ganhou esse nome devido um assalto ao banco Central de Durango, no Colorado, e na fuga matou sete pessoas inocentes. Foi na aventura Terras Malditas, publicada em Tex 476 – aquela que ocorre no meio e centro de um tornado nas Indian Plains. Durango termina ferido, naufrago em um rio caudaloso – morte na certa.


E quando me deparo com a introdução dessa aventura que reli, já citada, surpreendo-me com o Durango realizando a fuga de Kid Rodelo da prisão – antes inexpugnável – de Yuma. Pasmem nobres cavalheiros e suntuosas damas, pois o Mundo de Tex permite esses devaneios com aspectos reais.

Essa aventura nos coloca quem são os membros da família Rainey e toda a saga de Philip e William (Durango e Rodelo), apresenta-nos ainda mais uma componente da família, a belíssima Dallas, na verdade Molly e até os fatos responsáveis por formar uma família de jovens assassinos, que se colocam a serviço de uma louca vingança.

Os irmãos não terminam bem e deixo-vos ansiosos e curiosos em descobrirem esses enredos maravilhosos, esses personagens apaixonantes e os desenhos inesquecíveis de Boselli e Font.

Aliás, Kid Rodelo solta uma frase assim: “Mas se eu pudesse escolher um (inimigo), encheria de chumbo o Velho Carson”, aquele que lhe venceu quando foi parar na cadeia... e ainda “...e o odioso Kit Willer, que disputa o posto de mais antipático com o vovozinho”, referindo-se ao amigão e ao filho de Tex. Rodelo era um jovem bandido, pistoleiro, mas com uma áurea de bom moço, galã, que pensa que o Mundo está aos seus pés.

O Velho Carson, um dos protagonistas ao lado de Tex, pergunta ao seu grande amigo, pard: “Quer mesmo entregar um jovem deficiente à forca ou à prisão perpétua, Tex?”. Este dilema encarna bem a justiça de Tex, que nem sempre entrega o bandido ao carrasco ou ao juiz. Quando o bandido erra ao tentar uma vingança, ao ser injustiçado, acusado injustamente, Tex ao perceber que pode haver uma mudança e regeneração, muitas vezes liberta o sujeito – a famosa segunda chance – e fica de olho nele, mesmo à distância.

É por isso que reler Tex 540-542 – O Prisioneiro de Yuma foi um raro prazer que suscitou um texto tão especial, ao menos para mim, com tantas alternativas, perspectivas e valores, comprovando que Tex é cultura, é divertimento, é vida, é ciclo. Diverte e educa. Relaxa e ensina. E talvez devesse dizer que Kid Rodelo ... mas não digo. Digo que Morrow, Rodelo e tantos outros estão nas aventuras e em nossas vidas de colecionadores e isso parece bom.




G. G. Carsan é cidadão do mundo, gosta de caminhadas na natureza, tocar violão nas horas de folga, passar horas na internet papeando com os amigos, escrever editoriais e matérias nos seus grupos e páginas, preparar novos livros e poesias, manter os storys atualizados, viajante internauta pelas imagens e mapas... é um escritor brasileiro cujo principal lema de vida é valorizar a justiça, a honra e o caráter; escreve histórias reais e ficções e tem dez produções lançadas entre livros físicos e e-books (o último: Pandemia Brasil – Uma Bala na Agulha). É um colecionador, divulgador e historiador do personagem de quadrinhos TEX, com uma dúzia de exposições em eventos pelo Brasil, quatro livros publicados, páginas e grupos na internet desde 2002, cinco temporadas no canal do youtube "Tex Show", uma dúzia lives na página Texianos Live Show e foi o primeiro cosplay do personagem no Brasil. 


G. G. Carsan 









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4 Comentários

  1. Um texto à sua altura, nosso querido amigo e pard GG!! Cuja marca registrada é exatamente a absurda profundidade de sua imersão no que lê e, para nosso deleite, no que escreve. Tex há décadas deixou o posto de puro entretenimento para nos brindar com uma densa rede de conteúdo altamente relevante, construída a dezenas de mãos, e nem por isso perdeu-se em propósitos no tempo. Sim, as entrelinhas dizem muito, e é preciso esse olho vivo, esse faro apurado, desperto para o algo mais, que está à disposição de todos, mas nem sempre degustado na cadência merecida. Obrigado GG por abrilhantar ainda mais o legado do nosso herói. Forte abraço!

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    1. Muchas gracias pard Rudiger. Vosmicê tem a acurácia como distinção e emana agradabilidade onde toca e fala.

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  2. O homem (G G Carsan) é basicamente uma metralhadora letra te, que em vez de balas dispara palavras, frases, ideias e nos arrebata ao mundo texiano com suas ligações altamente perigosas, pois nos deixam com vontade de destampar o baú e sentir presencialmente esse espírito aventuresco que tanto nos anima.

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    1. Realmentemente positivo e operante mister Garcia, pois o incentivo é importantíssimo. Alguns pregam a religião, outros a economia, prego o Tex como solução para a grande maioria dos males do mundo: com carater e justiça se mudaria esse mundo.

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