ARTE E CULTURA


 Vinicius da Silva: Brett, Visonhos e outras histórias 


Brett continua sua cavalgada rumo à publicação. O personagem de quadrinhos de faroeste criado por Rodinério da Rosa e desenhado por Moacir Martins e Vinicius da Silva está até o inicio de março com campanha no Catarse para publicação de sua primeira edição pela editora gaúcha Saicã.

A ideia em Brett é seguir a linha de Tex em termos de aventuras de faroeste, mas também, criar características que o diferenciasse, além de oferecer mais uma opção aos aficcionados pelo velho oeste.

Esta primeira HQ, de uma série de 6 números, em principio trimestral, traz a primeira HQ escrita por Rodinério e desenhada por Moacir e Vinicius da Silva em 1994, e o Arte e Cultura (que apoia muito o quadrinho nacional ) foi conversar com o desenhista Vinicius da Silva, para que o público conheça um pouco mais sobre um dos artistas por trás deste novo faroeste que promete muito.

VINICIUS DA SILVA

Brett, no traço de Vinicius da Silva


Vinícius da Silva nasceu em Porto Alegre/RS, em 1971. Na adolescência começou uma parceria com o desenhista Moacir Martins, foi quando escreveram e desenharam diversas HQs. A maioria nunca chegou a ser publicada. Publicou aos 17 anos a HQ Feliz Aniversário, no Fanzine Fantoche, que durou somente duas edições. Vinícius e Moacir também foram selecionados em três salões de imprensa com as HQs Pé de unha, Luz e Sombra e Quem Ri Por Último. Depois disso, Vinícius enveredou pela música e largou os quadrinhos por algum tempo. Voltou a desenhar em 2004 a HQ Demônios na Cozinha, e produziu trilha sonora para a história. Depois de alguns anos voltou a produzir e publicar webcomics VISONHOS, com apoiadores financiando a produção.

Também ilustrou  livros como Tânia Trupolina, de Sérgio Ortiz de Inhaúma, pela Editora Urutau e Fica Na Tua, do escritor gaúcho Lucio Carvalho, pela Saraquá Edições. 

Em criação conjunta com a poeta gaúcha Mar Becker, autora de A Mulher Submersa (editora Urutau), elaborou a série “Contos de Terror e Flor Venérea, em que poesia, erotismo e quadrinhos se unem.

Atualmente publica série envolvendo esses mesmos temas, numa trilogia chamada “O Inimigo”, na qual a terceira parte da Trilogia se chama “Moiras”, ainda em andamento. 

JORGINHO: Quem é o Vinicius da Silva? Como você se define? 

VINICIUS DA SILVA: Sou um artista, e creio que nasci sendo artista, o que não tem nada demais. Acredito que cada ser humano tem sua vocação mais profunda, mas muitas vezes pode decidir não segui-la, vai de cada um e a vida é mesmo imprevisível. Me defino como artista, antes de qualquer coisa. 

JORGINHO: Quando os quadrinhos entraram em sua vida?

VINICIUS DA SILVA:  É difícil ter um momento específico, porque felizmente meus tios e primos na família do meu pai, e ele próprio, eram leitores de quadrinhos, e na família de minha mãe, por parte de meus primos que eram nossos vizinhos, a leitura de gibis era algo habitual. Lembro que eu comecei a tentar fazer quadrinhos antes mesmo de aprender a ler, e praticamente aprendi a ler através deles antes da escola. Só tive dificuldade depois porque, por ser canhoto, escrevia espelhado. Porém, lembro que o primeiro personagem que me cativou foi o Hulk, por conta dele ser algo que não ficava claro se era herói ou vilão, e o Aranha, pelo mesmo motivo, e por parecer mais uma criança que um adulto.

Aliás, o Hulk era isso também, pensando melhor. Lembro que o critico e professor Alexandre Linck falou algo sobre isso, e pela primeira vez vi alguém pensar o mesmo do personagem. Porém, também lembro de ter pela casa dos meus primos revistas como a Mad, Pancada, Kripta. Claro que só entendi o que realmente queriam dizer esses quadrinhos de humor mais ácido para adultos quando aprendi a ler e cresci o suficiente, anos depois. Mas algo na expressão dessa mistura toda me fazia ter vontade de pegar um lápis ou papel e tentar contar algo através deles.



JORGINHO: Quais as tuas maiores influências no traço?

VINICIUS DA SILVA:  Acho que o primeiro que me marcou foi mesmo o Jack Kirby, nem tanto no traço, mas na expressão do imaginário. No traço, acho que comecei tentando imitar, como quase todo mundo na minha idade, os desenhos do John Buscema. Tinha muita influência dos quadrinhos de horror nacionais desenhados por brasileiros como Flavio Colin, Shimamoto, Mozart Couto, etc. Depois, lembro do meu fascínio pelos desenhos do Joe Kubert, no Tarzan e o traço impressionista do Milazzo, porém, o que sinto que mais marcou meu traço foi o Jordi Bernet no Torpedo, anos depois, já quando melhorava meu traço, ao conhecer via revista animal e pelos álbuns do Torpedo e do Kraken, que encontrei logo depois em livrarias. De certo modo, o Bernet une o que estava separado em todos esses desenhistas que citei e isso me deu um caminho. Porém, depois fui influenciado por muita coisa, não só nos quadrinhos, mas minha base certamente for Bernet. Outro desenhista, que não posso esquecer, que marcou e muito não só minha forma de desenhar como de narrar, foi Goseki Kojima, desenhista de Lobo Solitário. Essa, com Ken Parker e Torpedo, foi a HQ que mais deixou marcas para sempre na minha maneira não só de narrar e desenhar, mas de como expressar minha percepção do mundo através dos quadrinhos.


JORGINHOFale para o leitor sobre o projeto VISONHOS

VINICIUS DA SILVA:  O projeto Visonhos é o meio que encontrei de seguir produzindo meus quadrinhos com o máximo de liberdade que esses tempos estranhos permitem, com o apoio de pessoas que querem que eu siga produzindo. Ali coloco meu trabalho autoral, e “Visonhos” seria uma forma um tanto tosca minha de criar um nome onde traduzo minha imaginação em forma visual, o que para mim não difere de transcrições de sonhos, sem qualquer sentido sentimental que a palavra “sonho” possa ter. Há também o fato de que com o amadurecimento como artista, entendi que a linguagem que aprendi dentro do sistema dos quadrinhos podia alcançar todas as outras, e neles cada vez mais aproximo o senso poético da estrutura das imagens que se relacionam, como num poema concreto, onde forma e palavra e imagem falam por uma voz que é uma e infinitas vozes, e como no fundo, nos próprios quadrinhos, onde acho que a maior beleza está no aspecto de que conseguem tanto falar a uma criança que não sabe ler, como às pessoas mais simples até alcançar os mais eruditos, quando são pessoas realmente eruditas, ou seja, abertas às experiências estéticas e à vida.


Não penso em publicar de outra forma por enquanto, senão também em edições digitais com imagens em melhor resolução, para quem apoia ou quer comprar de forma separada, porque considero que não teria meios de levar logisticamente isso adiante e também porque não sou muito bom nessa parte. Se alguém quiser me ajudar nessa parte, estou aberto a propostas.



JORGINHO: Como funciona a parceria entre você e o Moacir Martins? 

VINICIUS DA SILVA:  Faz muito tempo que não trabalhamos mais juntos, e sabíamos que num determinado período foi como ter uma banda experimental onde as deficiências de um eram supridas pela capacidade maior do outro, quase como um único autor, mas que esse período terminaria e iriamos voar solo depois de amadurecermos nessa troca, quase como funcionam alguns coletivos hoje, mas na época, não se falava disso, e foi o que aconteceu. Acredito que não seria o desenhista que sou hoje sem ter trabalhado com ele, e creio, dá pra colocar o Moacir como outra influência no meu traço, sem sombra de dúvida. Espero ter ajudado ele no amadurecimento como narrador gráfico, que era o que eu fazia melhor na época em que trabalhamos juntos, embora, como disse, era uma troca onde as ideias para todos os elementos no quadrinho partiam de ambos e ele tem sua própria maneira de expressar sua arte nesse quesito.

JORGINHO: Como é para você ver Brett ser retomado após alguns anos de sua criação?

VINICIUS DA SILVA:  Acho ótimo, porque naquela época pelas dificuldades de se produzir quadrinhos como as que enfrentávamos, quase tudo o que tentamos foi abortado, então é maravilhoso ver que não foi um esforço em vão, pois algum legado ficou, e Brett é parte de tudo isso que vivi naquele tempo.

JORGINHO: Na sua opinião, o que torna o gênero faroeste tão cativante?

VINICIUS DA SILVA:  Creio que por ter uma forma que é rígida e ao mesmo tempo capaz de todas as possibilidades de experimentação, como nas historias de samurais, que são irmãs do faroeste, e o noir, que vejo como uma continuidade natural do western e dos livros de mistério vertidos para o mundo real, onde os bandos são trocados por mafiosos e o pistoleiro solitário pelo detetive particular, num misto de herói e marginal. Acho que o western traz um pouco para nós esse saudosismo de um tempo em que havia um mundo a desbravar, pena que o resultado disso pode se tornar perverso como foi a história real, com os genocídios, os massacres, etc. Nos filmes, lembro que era o gênero que mais gostava e lembro que sempre gostei mais do que dos super-heróis, que me irritavam um pouco, mesmo quando criança. Como falei, acho que gostava de Hulk por ser um monstro e pelo Aranha ser um misto de herói e marginal, sempre tão confuso e perdido no mundo como nós todos.


JORGINHO
: Que outros projetos você está desenvolvendo no momento?

VINICIUS DA SILVA:  Por enquanto, sigo desenvolvendo a HQ “Moiras” e a publicando no blog Visonhos. Ela é a terceira de uma trilogia poética que se inicia com o descobrimento da América e termina com os últimos seres sobre a terra, diante do julgamento final de tudo o que acreditaram e duvidaram. Mais ou menos isso, mas prefiro que os leitores cheguem às suas próprias conclusões. Também pretendo retomar, quando possível, o meu projeto com a poeta Mar Becker, assim que ela estiver com um pouco de tempo livre. Ela é, além de uma poeta sensacional e ser humano incrível, alguém que se só movesse sua dedicação a escrever para quadrinhos, já seria grande. Espero que esse nosso projeto um dia seja terminado, porque as ideias que ela constrói nesse sentido são tão novas quanto sua poesia.


JORGINHO: Como artista, como você enxerga o momento social político pelo qual estamos passando?

VINICIUS DA SILVA:  Acho um tema bem pesado de responder, porque tudo o que dizemos sobre isso é julgado por algum tribunal, seja à esquerda ou à direita, e mesmo pelos isentões, mas o que tenho a dizer que para quem é artista de fato, é tão mau estar sob esse governo fascista, quanto estar o tempo todo correndo o risco de cair no fogo da inquisição de alguns canceladores que se dizem de esquerda e, a meu ver, não mereciam ser chamados assim, já que traem o que considero esquerda de fato, onde a liberdade de expressão é sim um direito inalienável na arte, e não o é somente quando se trata de veicular informação falsa ou de cometer calúnia, espalhar fake news, etc., coisa que vejo não só a extrema direita fazendo, mas parte da esquerda também. Acho lamentável o quanto o sentido de liberdade de expressão virou refém destes dois extremos que a meu ver odeiam o que realmente é arte e os artistas que se recusam a agirem como meros panfletários da verdade absoluta, do momento que um desses supostos lados decidem como verdade absoluta. Infelizmente resta pouco, já que ficar sob o jugo desse governo fascista é impossível, mas não vejo com grandes esperanças, pelo menos no que considero arte, o que vem pela frente caso a esquerda vença. Vai ser um respiro porque estamos atolados na lama, mas a lama em si, vai continuar, e não porque a esquerda é algo mau, mas parece que há muito o que temos é apenas desejo de poder pelo poder, e todo o resto importa menos que o discurso. Voto na esquerda, mas sem grandes esperanças pelo que vem pela frente, é isso.

JORGINHO: O que você tem lido de quadrinhos e que recomenda para os leitores?

VINICIUS DA SILVA:  Tenho relido os clássicos de sempre, mas não posso ir muito além  disso já que vida de artista não traz muito poder aquisitivo, e os quadrinhos lançados hoje são caros demais para mim. Se for recomendar, recomendo a leitura de Ken Parker, urgente; alguns mangás como os de Junji Ito, o clássico Lobo solitário, Brescia, Muñoz, Pazienza. É o que conheço. Como disse, leio cada vez menos quadrinhos e busco ver o que rola esteticamente, mas confesso que ando bem desinformado do que tem sido produzido, por conta do que falei. Cada vez me foco mais no que eu faço, tentando encontrar a minha voz, com o mínimo de interferências possíveis, mesmo que sem estar fechado para o que aparecer.


JORGINHO: Deixe uma mensagem para os leitores do Arte e Cultura

VINICIUS DA SILVA:  Tenham fé duvidando e nunca aceitem nada por se sentirem ameaçados, e se não forem capazes de encarar o peso das próprias escolhas, ao menos admitam para si mesmos que fraquejaram, porque não há nada pior do que perder-se de si mesmo, e isso vale para tudo, ao menos pra mim, o que não quer dizer grande coisa, mas é o que acredito.


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História Completa, 64 páginas, Formato: 16X22 Cm, Capa: Papel cartão com soft touch, Miolo: Papel offset 90g

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"Cada vez me foco mais no que eu faço, tentando encontrar a minha voz, com o mínimo de interferências possíveis, mesmo que sem estar fechado para o que aparecer."
- Vinicius da Silva

Jorginho

Jorginho é Pedagogo, Filósofo, ilustrador com trabalhos publicados no Brasil e exterior, é agitador cultural, um dos membros fundadores do ColetiveArts, editor do site Coletive em Movimento, produtor do podcast Coletive Som - A voz da arte, já foi curador de exposições físicas e virtuais, organizou eventos geeks/nerds, é apaixonado por quadrinhos, literatura, rock n' rool e cinema.

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