DOSSIÊ KOBIELSKI

 

R.F. LUCCHETTI: O MESTRE BRASILEIRO DOS PULPS 
 - final


“Quando escrevo uma história, meu principal desejo é entreter o leitor, 
fazê-lo esquecer, ainda que por pouco tempo, problemas do cotidiano.”
-  R. F. Lucchetti

Rubens Francisco Lucchetti é um dos primeiros artistas multimídia desse país, com uma produção gigantesca e inigualável. Escreveu para jornais, pulps, revistas em quadrinhos, programas de rádio, televisão e cinema, com uma agilidade incomparável.

Na segunda metade dos anos de 1970, o escritor conheceu o jovem e promissor cineasta Ivan Cardoso, que também gostava do gênero Terror. Desse encontro nasceu uma parceria que culminou em quatro filmes. O primeiro foi “O Segredo da Múmia” (1982), que Lucchetti roteirizou a partir de algumas cenas filmadas por Ivan. O personagem já era bem conhecido pelo roteirista, que escrevera histórias em quadrinhos para o gibi “A Múmia”, com desenhos de Julio Shimamoto e publicados pela editora Bloch. O filme tinha no elenco estrelas do cinema nacional como Wilson Grey, Clarice Piovesan, Tânia Bôscoli, Jardel Filho, Felipe Falcão e participação especial do maestro Julio Medaglia. No papel da Múmia de Runamb, o ator Anselmo Vasconcellos, que teve atuação extraordinária, conseguindo dar uma expressividade à personagem, mesmo atuando todo enfaixado. O filme acabou sendo uma homenagem aos clássicos filmes de Terror dos anos 1930, especialmente os da produtora norte-americana Universal. Por esse trabalho, Lucchetti foi premiado com o Kikito de Melhor Roteiro no Festival de Gramado de 1982. 

TRAILER DE O SEGREDO DA MÚMIA:


Lucchetti também roteirizou o segundo filme de Ivan: “As Sete Vampiras” (1986), que presta homenagem aos filmes 
Noir e à literatura Pulp, temas que o ficcionista sempre apreciou. 

Com esses dois filmes, Ivan se consagrou como diretor além de criar um gênero onde se tornou mestre: o “Terrir”, misto de Terror com elementos humorísticos, além de incorporar uma boa dose de erotismo, que fazia muito sucesso na época com as pornochanchadas.

 

“O Escorpião Escarlate” (1990), terceiro filme de Ivan roteirizado por Lucchetti, faz homenagem aos seriados do cinema e do rádio, com todos os clichês que caracterizavam esses gêneros. Foi a oportunidade de Lucchetti resgatar o antigo personagem criado para o rádio. O filme também homenageia o seriado de rádio “As Aventuras do Anjo”. Lucchetti não gostou da ideia de colocar o Anjo. No roteiro original, o vilão Escorpião Escarlate tem de enfrentar O Morcego, inspirado em O Sombra. Lucchetti discutiu muito com Ivan por causa dessa mudança. 

Um quarto filme foi realizado por Ivan com roteiro de Lucchetti: “Um Lobisomem na Amazônia” (2005). Diversas intervenções acabaram por modificar o roteiro de Lucchetti, que detestou o filme e não o considera parte de sua filmografia.

 

Em 1982, Lucchetti recebeu o convite de Walter Avancini para realizar um seriado da Múmia para a TV Globo, a partir do filme, que havia despertado o interesse da audiência jovem. Chegou a iniciar os trabalhos, mas por desentendimentos com o roteirista designado pela emissora, abandonou a produção sem dar satisfação a ninguém. 

Como escritor, toda a produção de Lucchetti era voltada para pequenas e médias editoras e destinada a bancas de jornal. Ganhava por obra e não recebia nenhum centavo de direitos autorais, pois eram livros feitos sob encomenda e todos assinados com pseudônimos, contra a vontade do autor. 

Por ser extremamente comprometido com o trabalho e ser muito veloz, muitas editoras recorriam a Lucchetti para as mais variadas e inesperadas edições, desde encantamentos e simpatias - “O Legítimo Livro de São Cipriano” (1970), contrário às crenças de Lucchetti, para a Prelúdio até autoajuda para a Fittipaldi. 

Em quase quarenta anos de atividade como escritor, Lucchetti produziu todos os seus textos numa máquina de escrever Remington, que adquiriu em 1950. Mesmo com o advento dos modernos computadores, nunca abriu mão de sua velha companheira na hora de escrever livros e roteiros para Cinema, TV ou Quadrinhos. 


Ao todo, entre 1968 e 2004, Lucchetti contabilizou 1547 títulos por encomenda, uma marca excepcional que 
demonstra a capacidade produtiva e a fértil imaginação do autor. 

Embora tenha uma extensa obra literária e consagrados trabalhos no Cinema, Lucchetti declarou que as histórias em quadrinhos continuam sendo sua grande paixão, onde colaborou com inúmeras editoras. Atualmente reside em Jardinópolis, município a cerca de vinte quilômetros de Ribeirão Preto, onde vive rodeado por mais de cem relógios de mesa e de parede, pertencentes à coleção de Tereza, falecida em 2011. 

Avesso a eventos sociais e honrarias de qualquer espécie, Lucchetti chegou a ser eleito para a Academia Ribeirãopretana de Letras, mas simplesmente recusou a láurea. Fiel à sua decisão de não pertencer a nenhuma entidade, não compareceu, preferindo tomar aulas de direção com seu primo que possuía um Citroën. 

Em 2003 escreveu para a Opera Graphica, “Os Extraordinários”, baseado em “As Aventuras da Liga Extraordinária, graphic novel escrita por Alan Moore e desenhada por Kevin O’Neill. Lucchetti revisitou alguns de seus autores prediletos como Bram Stoker, Jules Verne, Robert Louis Stevenson, Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle e prestou sua homenagem da melhor forma que sabia fazer: escrevendo. 

A obra de Lucchetti tem merecido constantes reconhecimentos. Já foi objeto de pesquisas acadêmicas, com artigos e dissertações de Mestrado; livros contendo depoimentos e entrevistas e de um documentário. Uma coletânea de contos inspirado em seu universo, “O Mundo Fantástico de R. F. Lucchetti”, lançado em 2018 pela editora Coerência.

A partir de 2014, seus livros começaram a ser relançados, em edições revistas, sem cortes e ilustradas pela Editorial Corvo. Na Internet existe vasto material sobre Lucchetti. A edição de 18 de outubro de 2014 do jornal americano “New York Times” publicou matéria sobre seu trabalho como escritor, exaltando sua capacidade produtiva e descrevendo-o como um “cult”.  Para ler a matéria clique aqui.

Por sua contribuição aos Quadrinhos para os quais escreveu cerca de trezentos roteiros, Lucchetti recebeu, em 1990, o Prêmio Angelo Agostini, na categoria Mestre do Quadrinho Nacional e, em 2013, o Troféu HQMIX, na categoria Grande Mestre. 

Ao finalizar esse Dossiê, gostaria de compartilhar com vocês, minha admiração por Rubens Francisco Lucchetti. Não li tudo que ele escreveu – e tenho quase certeza de que ninguém leu tudo, pois sua produção é extensa. Mas o pouco que consegui ler - gibis, contos, romances; os filmes que assisti, me fizeram ver o quanto Lucchetti é importante para a cultura popular brasileira. Aliás, o Brasil que valoriza muito pouco seus autores. Mas Lucchetti não se importa com isso e ainda nos ensina: “O importante é realizar. Mesmo que de maneira imperfeita.” Obrigado mestre.




Paulo Kobielski

Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. 

Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria aqui:

Também confiram o episódio do podcast  Coletive Som com Paulo Kobielski:


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6 Comentários

  1. Tão bom ver uma homenagem a um mestre vivo da cultura pop, o Lucchetti foi um grande gênio

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    1. Oiii Lais. Lucchetti foi e continua sendo uma referência na cultura popular. Dia 29 de janeiro completa 93 anos, e produzindo muito. Aquele abraço.

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  2. Um grande gênio praticamente desconhecido. Obrigado ao outro gênio Kobielski por nos trazer tão excelente matéria.
    O L. não gosta de holofote porque tem luz própria. É como o sol.

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    1. Olá Carsan. O homem não para de produzir. É uma máquina. Logo (29/01) estará completando 93 anos de vida. Esse ano também marca os 80 anos de publicação de seu primeiro conto "A única testemunha". Nunca quis autopromoção. Preferiu fazer. Nesse ponto sou seu admirador. Valeu o comentário amigo. Aquele abraço.

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  3. Uma grande homenagem para um grande gênio!

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  4. Oiiii Paloma. Lucchetti é o cara da literatura Pulp. Escreve muito. Tanto em quantidade como em qualidade. Logo (29/01) estará completando 93 anos. Admirável. Valeu o comentário de sempre. Aquele abraço.

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