DOSSIÊ KOBIELSKI

 


MITOLOGIA AFRO-BRASILEIRA NAS 
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS


A perseguição e a discriminação vivenciada pelo negro e sua religiosidade promoveram de certa forma interpretações equivocadas nos quadrinhos. Entretanto, na última década, houve uma mudança interpretativa positiva no que tange a essas expressões religiosas no universo das histórias em quadrinhos. Já podemos perceber o surgimento de representações positivas da mitologia Afro-brasileira na arte sequencial. As HQs “Orixás - Do Orum ao Ayê” de Alex Mir (entrevista abaixo), Caio Majado e Omar Viñole e “Contos dos Orixás” de Hugo Canuto, são exemplos dessa mudança. 

“Orixás - Do Orum ao Ayê” criada em 2011, por Alex Mir, Caio Majado e Omar Viñole, mostra o processo de criação dos orixás e de seu paraíso chamado Orum. O álbum marca o envolvimento de duas correntes básicas no que tange à criação dos Orixás, quando mostra o nada em que vivia o Deus Supremo, e compartilha com o leitor a solidão em que Olorum se encontrava, remontando assim à corrente que se assemelha em vários aspectos com o Deus do cristianismo – em que nada existia até que ele criou o mundo material e assim, criou os elementos que seriam as forças vitais dos orixás. Outra corrente que também aparece no álbum é o caráter mais humano dos orixás. É possível visualizá-los menos como divindades e mais aspectos humanos a partir da força de suas emoções, questionando-se a relação das deidades com os seres humanos. Além de “Orixás - Do Orum ao Ayê”, Mir publicou ainda “Orixás - O Dia do Silêncio” (2015), “Orixás em Guerra” (2017), “Orixás – Renascimento” (2018), estes dois últimos vencedores do Troféu HQ Mix na categoria Publicação Independente de Grupo, “Orixás Ikú” (2019) e “Orixás – Os Nove Oguns” (2020).

Outro álbum que marcou positivamente a trajetória da narrativa da mitologia Afro-brasileira nos quadrinhos foi “Contos dos Orixás” de Hugo Canuto publicado em 2017. Nesse, o quadrinista baiano trouxe os personagens do universo Iorubá no lugar dos heróis da Marvel. A HQ começa contando a origem dos Orixás e a prosperidade da Cidade Mãe, que logo é abalada com o ataque de Ajantala e seus seguidores. Ao receber o chamado de ajuda, Xangô o aceita e leva consigo Oyá e Exú para o confronto. Assim, com muitas lutas, suspense e ação, a HQ traz diversos simbolismos e mitologias da cultura Iorubá de maneira fluída e bem desenvolvida, deixando o leitor curioso em como se dará a história a cada página.

Paulo Kobielski com Hugo Canuto
CCXP - 2019

É impossível ignorar a importância que essas duas obras tiveram na representatividade da cultura de matriz africana, especialmente a mitologia Afro-brasileira e os orixás, mostrando inclusive o quanto de possibilidades pode ser acrescentado ao processo educativo nas escolas. Outro fator relevante é o que mostra a complexidade e seriedade que existe nas histórias em quadrinhos, que não são apenas objetos para o entretenimento ou escapismo.

ENTREVISTA com ALEX MIR


Alex Mir é um dos grandes nomes do quadrinho nacional. Criador e editor das revistas em quadrinhos Tempestade Cerebral, Defensores da Pátria, Valkíria, entre outras. Mir ganhou inúmeros prêmios, entre eles, o Troféu HQ Mix de 2010 na categoria Roteirista revelação e em 2018 e 2019 na categoria Publicação Independente de Grupo por Orixás - em Guerra e Orixás Renascimento, respectivamente, Troféu Angelo Agostini em 2016,2017 e 2020. Em 2011 publica Orixás - Do Orum ao Ayê, que contava o mito da criação na visão da Mitologia Africana. O álbum, ganhador do Proac (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo) teve duas indicações ao Prêmio HQ Mix e foi adotado pelo PNBE (Programa Nacional da Biblioteca na Escola). Depois, vieram Orixás - O Dia do Silêncio (2015), Orixás em Guerra (2017), Orixás - Renascimento (2018), “Orixás Ikú”(2019) e “Orixás – Os Nove Oguns” (2020). O roteirista concedeu uma entrevista com exclusividade, onde fala um pouco de sua trajetória exitosa nesse difícil mundo dos quadrinhos.


PAULO KOBIELSKI: Quando começou tua relação com as hqs? Quais foram tuas primeiras leituras e personagens?

ALEX MIR: Apesar de ter começado, como a maioria dos brasileiros, a ler quadrinhos com a Turma da Mônica, a primeira HQ que me vem à cabeça, foi uma Super-Homem #1, da Editora Abril, quando eu tinha 6 ou 7 anos. 

A partir daí, meu pai comprava quase tudo o que saía pra mim.



PAULO KOBIELSKI: Quais tuas influências no mundo dos quadrinhos (roteiristas/artistas)?

ALEX MIR: Alan Moore, Grant Morrison e Neil Gaiman. Atualmente, gosto muito do Robert Kirkman e do Jeff Lemire.


PAULO KOBIELSKI: O que te levou a escrever hqs?

ALEX MIR: Foi uma coisa muito natural. Eu sempre gostei muito de ler, então, aos doze anos, senti a necessidade de contar minhas próprias histórias.


PAULO KOBIELSKI: Quais foram teus primeiros trabalhos?

ALEX MIR: Meus primeiros trabalhos publicados foram de forma independente: Defensores da Pátria, Tempestade Cerebral #1 a #5, e participações em diversas coletâneas. Depois vieram O Mistério da Mula sem cabeça (Via Lettera), Orixás – do Orum ao Ayê (Nobel), A mão e a luva em quadrinhos (Peirópolis), entre outras.


PAULO KOBIELSKI: Como surgiu a ideia de escrever sobre mitologias africanas? Como isso aconteceu?

ALEX MIR: Minha primeira publicação havia sido a Defensores da Pátria, em janeiro de 2007. Cada herói representava um Estado. O da Bahia era o Orixá Ogum. Queria escrever um novo arco de histórias do grupo com foco nele. Fui então pesquisar e vi na banca uma revista da Editora Minuano chamada Orixás. Logo que li a primeira lenda, me apaixonei pela Mitologia Africana. Peguei uma das lendas da revista e transformei numa HQ, junto com o Caio Majado (arte) e Omar Viñole. Mandei pro editor da revista e ele topou publicar.

Ali começou minha história com os Orixás. 



PAULO KOBIELSKI: Suas histórias trazem para o mundo das mitologias africanas elementos das hqs de super-heróis. Isso é proposital? Por quê?

ALEX MIR:  A ideia da Orixás desde o início era mostrar a Mitologia Africana a todas as pessoas, independente de credos. Mostrar quão rica é essa cultura milenar. De cara já passamos isso na identidade visual da HQ. O traço do Caio deixou a HQ jovem, ainda que possa ser lida por todas as idades. Então é um pouco proposital mesmo.


PAULO KOBIELSKI: Por que que o personagem Pantera Negra faz tanto sucesso no cinema? Qual a importância disso?

ALEX MIR:  Em primeiro lugar, porque tem qualidade. Ótimos atores, com um roteiro excelente. O problema é Pantera Negra ser a exceção. Enquanto um filme chamar mais atenção porque só tem negros, ou mulheres, ou LGBTQ+, isso quer dizer que ainda estamos muito longe de um mundo igualitário e ideal.


PAULO KOBIELSKI: Durante muito tempo as religiões de matriz africana sofreram enorme preconceito no Brasil. Ainda nos dias de hoje, terreiros – casas de religião - são atacadas. Qual a importância de seu trabalho com “Orixás” e o de “Conto dos Orixás”, de Hugo Canuto nesse processo?

ALEX MIR: Divulgar a cultura africana, quebrar preconceitos e paradigmas, mostrar ao grande público que a Mitologia Africana é tão rica e interessante quanto qualquer outra no mundo.



PAULO KOBIELSKI: Apesar de muitas ações afirmativas, o Brasil ainda é um país que sofre muito com o racismo. Quase todos os dias vemos esse preconceito escancarado, inclusive com mortes – caso do João Alberto, em Porto Alegre, do dia 19 de novembro de 2020. Qual a importância dos autores afrodescendentes nesse contexto?

ALEX MIR:  O preconceito vem da falta de conhecimento. Cada autor afrodescendente tem que marcar território e mostrar que é tão autor quanto qualquer outro.



PAULO KOBIELSKI: Que outros trabalhos de temática africana você destacaria?

ALEX MIR: Conto dos Orixás (Hugo Canuto), Veludo dos 9 Infernos (Bruno Brunelli e Pepe Cartola, Zeladores (Anderson Almeida).

Paulo Kobielski com Alex Mir
CCXP - 2019


Paulo Kobielski

Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. 

Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria aqui:

Também confiram o episódio do podcast  Coletive Som com Paulo Kobielski:


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