TECITURA

O ator gaúcho Sirmar Antunes faleceu na manhã deste sábado 06/08, aos 67 anos, na Casa do Artista Rio-Grandense, onde estava morando. Com quase 50 anos de carreira no teatro e no cinema no estado, o artista teve um infarto por volta das 6h e não resistiu. Enorme perda para a arte e cultura do Rio Grande do Sul, Sirmar representou muito, seus trabalhos nas artes cênicas foram marcantes, influenciando pessoas dos mais diversos segmentos culturais. Segue abaixo uma crônica que fala sobre um encontro que tive com Sirmar, fica aqui registrada a minha homenagem.

Conversando com Sirmar


Mais um dia de trabalho, mas este foi diferenciado. 2019, meses finais do ano. Acho que era outubro. A atividade, recepcionar os convidados para uma representação teatral na Biblioteca, mas não eram os grupos da Izabel. Era uma outra turma que havia sito contemplada em edital e estava mostrando seu trabalho. Entre tantos convidados, alunos da Izabel e Sirmar Antunesquerido ator da Aldeia, conhecido nacionalmente por seu trabalho no teatro e no cinema.

Recordação vinda após assistir recentemente ao vídeo via you tube com Sirmar, em um material sobre o trabalho realizado pela professora e escritora Gravataiense Ângela Xavier, falando sobre seu projeto Lanceirinho Negro e que conta ainda com a participação dos ilustradores Daniel Silveira e Waldemar Max – todos de muito talento – ótima participação de Sirmar, que fala sobre Africanidade, a cultura Afro, sobre sua trajetória e suas motivações e sobre Os Lanceiros Negros.

Lembro bem daquela noite. Ao final do espetáculo, os convidados se retiraram e uma pequena equipe ficou um pouco mais, recolhendo material, equipamentos de som, itens cenográficos. E na recepção, juntaram-se a mim Pablo WuffJackson Reis e Sirmar Antunes, junto a mais duas ou três pessoas. E uma conversa deliciosa fluiu, eles falando tanto sobre o teatro, o cinema e as artes, embalados a vinho! Que mistura perfeita. E assim foi, terminada a tarefa, material recolhido, apaguei as luzes da Biblioteca e fechei o estabelecimento, encaminhando-me para pegar o ônibus, na parada em frente ao Becker.


Surpresa ao entrar, Sirmar já estava nele. Deve ter acompanhado os meninos até a parada das praças, mais acima no Centro de Gravataí. Poucos lugares vagos, sentei ao lado de Sirmar – era um Gravataí- Porto Alegre Ponte. Dali, continuamos a conversa iniciada na Biblioteca. Sirmar estava indo para Porto Alegre, creio estar morando na Glória, acho que é isso. E os assuntos foram se encadeando – eu desceria na parada 66, morador que sou do bairro Bom Sucesso. E um assunto novo surgiu, pois Sirmar morou muito tempo no mesmo bairro. Que saudades de encontrar os amigos e amigas no Kikantus, disse ele. Bar tradicional do bairro, às margens da Avenida dos Estados. E assim fluiu a conversa. Por coincidência, dias antes eu havia assistido a um filme, uma produção Brasileira e Uruguaia em que Sirmar fazia participação – era dono de um “bolicho” e especialista em facas, fazendo suas falas no trabalho como metáforas através de seus conhecimentos sobre a cutelaria – A Superfície da Sombra era o filme. E Sirmar teceu comentários agradabilíssimos. Adora falar de suas origens e de como se tornou ator, que almejava mesmo era “aparecer”, ser conhecido, ter fama. Que o negro precisa romper barreiras, é importante ter reconhecimento, ser conhecido. E Sirmar conseguiu! Falou de seus tempos em outros lugares, e sobre o Sargento Caldeira, personagem que representou no ótimo Netto Perde a Sua Alma, filme baseado na obra de Tabajara Ruas e com Werner Schünemann no elenco. Sirmar representava um comandante dos Lanceiro Negros. A exibição deste filme foi a primeira vez que este grande ator chamou minha atenção, apesar de atuar a muito tempo. Confesso que Conhecia um pouco da história e trajetória dos Lanceiros Negros, mas até então não tinha aprofundado meus conhecimentos sobre eles. E este filme foi um despertar, não só para a questão dos Lanceiros Negros, mas da época escravocrata que este país viveu e tantas injustiças passadas.

Sirmar Antunes é uma pessoa simpática. Já havia percebido nos festivais de teatro da cidade, em que ele sempre está presente, geralmente ocupando papel de jurado e emprestando seu conhecimento para as novas gerações. Ele inspira! Ao final de seu vídeo no trabalho de Ângela, faz uma declamação espetacular. Pena, a conversa foi tão boa, mas o tempo passou rápido. Logo ali estava minha parada. Vontade de ir até Porto Alegre acompanhando Sirmar e ouvindo suas histórias, sobre o personagem boxeador ao qual representou, sobre morar em outros lugares, sua vida na Bom Sucesso, o KiKantus ... e o Sargento Caldeira.

Domingo, quinze de agosto, um dia antes de voltar ao trabalho presencial, conversei com Ângela. Uma de minhas colunas intitulada A Insustentável Leveza do Ser, Ângela gostou do texto e me parabenizou. Professores e escritores que somos, quando vi passamos mais de hora conversando via redes sociais, ela poetisa e eu, cronista. Um bate papo interessante! Estava já pensando em escrever este texto sobre Sirmar; conversando com Ângela achei chegada a hora. Que trabalho maravilhoso! Ângela recentemente apresentou seu Lanceirinho Negro na Escola Àurea Celli Barbosa, escola à qual eu tive a honra de dar aulas. Foram quatro excelentes semestres, trabalhando com turmas do EJA. Professora Hélida é diretora lá. Quem sabe no futuro possamos trabalhar juntos, Ângela e eu, em algum projeto. Ideias temos de sobra!

Sirmar está em uma exposição fotográfica que ocorre na Casa de Cultura Mário Quintana, no novo espaço Oliveira Silveira, intitulada Pretos na Tela, destacando atrizes e atores negros no cinema gaúcho. A Poetisa foi visitá-lo. Que presenças! É enaltecedor saber destas pessoas, ricas biografias


E nada melhor do que um comentário que fiz na plataforma sobre a entrevista com Sirmar Antunes para finalizar: “Sem palavras ... que entrevista! Tive a honra de conhecer Sirmar Antunes pessoalmente ... verdadeiramente, um Lanceiro Negro! Todo o espírito, honradez e presença representada nesta nobre figura que é este grande ator e personagem de nossa cultura. Um final belíssimo, um fecho magnífico de uma grande entrevista.”

Assim como em Porto Alegre há a estátua do grande Paixão Côrtes como o Laçador, símbolo do tradicionalismo gaúcho, Sirmar poderia perfeitamente ser o modelo para uma homenagem desta magnitude, uma estátua de igual valor que representasse O Lanceiro Negro. Eles foram formidáveis!


Abaixo segue depoimento da colega de ColetiveArts Angela Xavier


Ainda impactada com a partida do nobre Lanceiro contemporâneo Sirmar Antunes escrevo algumas palavras sobre a importância de um artista incomparável. Ele foi nosso parceiro no projeto Protagonismo negro na construção da história do Rio Grande do Sul, contemplado com recursos da lei Aldir Blanc através de edital da Fundação Marcopolo. 

Sirmar generosamente nos honrou com sua presença potente. Em estúdio,  assistimos encantados sua fala carregada de representatividade e força. Estávamos fazendo história, tendo a presença de um dos maiores nomes da cultura gaúcha...e sabíamos disso. 

Foi extremamente generoso ao ser entrevistado por meu filho,  por quem desenvolveu um carinho especial. Sempre que o convidei para participar de saraus sobre os Lanceiros Negros aceitou prontamente, destacando-se sempre que convocado.

Hoje recebi a notícia durante uma reunião do Coletivo de Escritores Negros, oportunidade em que refleti sobre a importância do seu legado em nossa luta, hoje e sempre! O nobre Lanceiro Contemporâneo, assim me disse certa vez, era o termo pelo qual gostava de ser apresentado. Amigo Sirmar,  te agradeço por ter existido assim de forma tão brilhante e visceral. Gratidão, gratidão e gratidão. Descansa, guerreiro! 

Lanceiro Sirmar ancestralizou-se...




Sandro Gomes

Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento. 

Confiram podcast gravado com Sandro Gomes clicando Aqui


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