Os planos secretos de eliminação da
classe média
Prezado editor,
Venho através desta carta denunciar uma conspiração secreta entre os engenheiros e arquitetos comandada pela elite. Sim, a elite _ aqueles seres que, assim como os duendes, fadas e os políticos brasileiros, vivem em outra dimensão_ está determinada a acabar com a pobreza no Brasil. Para isso, traçou um plano de eliminação das classes.
O plano foi revelado a mim por um eletiano à beira da decadência e morrendo de medo de sofrer os maus tratos aplicados à classe média. Por isso, agora, repasso-o ao senhor, através destas mal traçadas linhas a ação secreta desta gente, para que seja publicada neste respeitável jornal.
Conforme me foi revelado, a primeira a ser eliminada por eles é a classe média. Eles pretendem acabar com essa gentinha assalariada que trabalha a vida toda para acabar sua existência de chinelos em frente à televisão. Depois, partirão com tudo para cima das classes pobres e miseráveis. Irão conceder cartões de créditos ilimitados e cheques especiais para os coitados se enforcarem com os juros, o SERASA e o SPC. Essa tática de guerrilha já vem sendo usada contra a classe média, mas até agora sempre aparece um parente benfeitor para emprestar dinheiro e tirar o classemediano da linha de fogo. Por isso, o plano da elite precisou ser mais elaborado.
Após encomendar uma pesquisa de mercado, os ricos descobriram que o maior sonho da classe média é ter casa própria. Membros da elite como banqueiros e empreiteiros resolveram, então, se unir para azedar as pretensões dos classemedianos.
Segundo me revelou o eletiano falido, a elite estaria construindo verdadeiras armadilhas disfarçadas de moradias para o classemediano. Conta, para isso, com o apoio de engenheiros e arquitetos. Observação: Mesmo que você conheça um desses profissionais, não adianta perguntar sobre a conspiração, ele vai negar. A elite fez uma lavagem cerebral neles, convencendo-os que a modernidade está em moradias compactadas, dignas de um pigmeu.
Para não dar na vista, começaram a diminuir o espaço físico, aos poucos. Primeiro foram eliminadas as salas de jantar. Os apartamentos precisaram adaptar a varanda, o sofá, a estante da televisão e som tudo no mesmo ambiente. A ideia era fazer o classemediano ter um enfarte engasgado com o ossinho da galinha ao assistir ao telejornal e saber do aumento da gasolina. Não deu certo. Essa mania de tevê a cabo, da classe média, serviu para despertar o sonho de consumo e copiar os costumes dos seriados americanos, além de aumentar as excursões a prazo para a Disney.
Decidiram, então, pegar pesado. Diminuíram de uma só vez a cozinha, os quartos e a área de serviço. Observação: se você comprou um apartamento agora não deve saber o que é isso. Era um lugar onde ficava o tanque, a máquina de lavar roupa e a de secar. Também tinha espaço para pendurar roupas molhadas.
A tática, conforme revelou o eletiano falido, é produzir armadilhas domésticas de extermínio, mas tudo parecendo natural. Por exemplo, o filho do classemediano, que divide o quarto com mais dois irmãos, abre a porta do armário que fica em cima da cama por falta de espaço. O irmão ainda está dormindo e ele não acende a luz para não acordá-lo. Tenta pegar um livro para a aula de história. Sem ver direito, puxa outro livro e o volume inteiro da enciclopédia (aquela que vinha de brinde no jornal, lembra?) cai inteiro sob a cabeça do irmão.
Ele morreu! Culpa do irmão desastrado? Da enciclopédia? É isso que “eles” querem que você pense. Mas foi tudo planejado. Eu sei! Eu sei! Eu sei!
Outra emboscada é a tal cozinha americana. A sala já é um ovo propriamente dito e eles resolvem abrir com a cozinha, criando um só ambiente. Então, vamos pensar na rotina do casal. A mulher classimediana chega cansada da jornada de trabalho e vai encarar o fogão no fim do dia. O marido adora peru defumado. E ela estará lá fazendo a comida. De repente a fumaça toma conta do local. Tudo escuro da fumaça do peru. Nisso chega o marido classemediano. Ele vê a fumaça. Não têm dúvidas. Corre até o banheiro enche uma bacia de água e joga na direção do fogão.
Pronto! Começa uma briga. Ele terá estragado o penteado, o vestido e o peru dela. Não adianta pedir desculpas. Ela vai chorar, chorar, chorar e chorar até ele se sentir a última das criaturas. Desesperado pelo estrago incorrigível, e não aguentando mais a choradeira, ele se atira do 23º andar. Arrependida, ela pega a faca de passar manteiga e crava no peito. Deveria cair morta no chão. Mas a falta de espaço é tanta que fica escorada entre uma das paredes e a geladeira. Nossa, que tragédia!
O senhor, já pensou no que acontecerá com os filhos sobreviventes deste casal? Pois eu sei. Provavelmente serão entregues a uma instituição para menores carentes. Com certeza fugirão e acabarão se tornando meninos de rua. Irão pedir esmolas nas sinaleiras enquanto equilibram bolinhas de tênis. E o pior não é isso. Revoltados por não ganharem moedas o suficiente, assaltarão e matarão os classemedianos desprevenidos. Que horror!
Agora o senhor também já sabe! Esses são os planos secretos de eliminação da classe média. Caso o senhor seja um classemediano, comece a se prevenir: evite comprar apartamento com cozinha americana, ter filhos, ler enciclopédia, cozinhar peru defumado, morar acima do segundo andar e nunca, em hipótese nenhuma, declare sua renda mensal em pesquisas encomendadas. Pode ter alguém da elite vigiando-o . Eu avisei!
Eu avisei! Eu avisei!
Assinado: Maria Louca
Endereço: Manicômio da Cidade
Endereço: Manicômio da Cidade
Miriam N. Dohrn |
Miriam N. Dohrn é jornalista, escritora e mestre em design.
04 ANOS DE COLETIVEARTS,
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