NAVALHAS AO VENTO

 

ODEIO O FRIO, AMO O VERÃO

Costumo dizer que brasileiro não gosta de frio nem de calor, gosta mesmo é de reclamar. Com a chegada do inverno o frio voltou e com ele a eterna briga nas redes sociais. Cada vez que troca a estação um grande número de postagens invade as redes sociais, umas elogiando e outras criticando a nova estação.

A temperatura costuma ser assunto para o início de uma conversa banal. Quem é usuário de transporte público conhece bem o tipinho que já senta no banco ao seu lado falando, reclamam tanto do calor quanto do frio. Eu pego sempre o mesmo ônibus, no mesmo horário, com os mesmos passageiros e tem um homem que todo dia reclama da temperatura, seja ela qual for.

Acho engraçado quando uma pessoa diz que ama o frio... que adora ficar na lareira tomando vinho e olhando pela janela a chuva fina cair. Isso não é gostar do frio, é gostar do conforto que essa pessoa tem para enfrentar o frio. Gostar do frio seria ir para a rua e enfrenta-lo com pouca roupa e dormir ao relento.

Quando questionada eu digo que odeio inverno e amo o verão e as pessoas acham que eu gosto de  ficar escorrendo suor. Pelamordedeus, eu não sou louca, ficar gosmenta com o suor é nojento e anti- higiênico. Eu gosto do verão porque é uma estação alegre, colorida, com crianças brincando na rua, sol  transmitindo felicidade, chope, sorvete, praia... Quando passo por uma pessoa em situação de rua eu ofereço uma garrafinha de água mineral para amenizar o seu calor. Posso sair a qualquer hora do dia ou da noite, as roupas são leves, esvoaçantes e coloridas. Não tem nada a ver com gostar de me sentir desmanchar em suor pegajoso. Amo o verão por não ser frio, nunca disse que amo o calor.

Quando digo que odeio o frio é porque o inverno é cinza, triste, feio. Se para mim é difícil levantar da cama pela manhã, deixar as minhas cobertas quentinhas e desligar o ar condicionado, fico pensando no irmão que está dormindo no chão, nas ruas, no frio, muitas vezes com as roupas molhadas, sem uma alimentação mínima e isso me incomoda muito. Muitos tem apenas um cachorrinho como amigo e é comum de ver essas pessoas dormindo abraçadas no seu amigo de quatro patas para se aquecerem mutuamente. Daí vem o riquinho que nunca passou frio dizer que essas pessoas “adoram ficar na rua, não procuram um abrigo”. Essa gente é fiel aos seus amigos peludos, ir para um abrigo seria abandonar seu amigo, abrigos e albergues não aceitam cães. Tudo o que essas pessoas têm é um animalzinho, tu achas, realmente, que seriam capazes de abandonar tudo o que possuem? Por outro lado, o motivo daquela pessoa estar nas ruas não me interessa, cada um tem a sua história e as suas tristezas, cada um resolve seus problemas de uma maneira. Não estou aqui para julgar o porque ele foi parar nas ruas, qual a patologia o domina. Só tenho que ter em mente que o simples fato de ir para as ruas já é indício lógico de que esta pessoa é doente. Daí vem o outro mimadinho dizer: “- Ah, mas ele é drogado porque quer e todo drogado é vagabundo.” Não. Mais uma vez é uma pessoa que sofre de uma patologia, no caso, a drogadição.

Eu sempre via uma idosa dormindo sobre panos velhos embaixo da marquise do Sesc. Um dia comprei uma quentinha de sopa e levei para ela, sentei no chão e puxei assunto. Na época ela tinha 52 anos e eu 53. Ela parecia ter uns 80. Contou que não tinha ninguém, se criou em orfanato, nunca havia casado e não tinha parentes. Quando ficou doente foi demitida da casa de família onde trabalhou toda a vida sem carteira assinada, foi parar nas ruas porque não teve como se sustentar. Todo dia eu levava uma sopa e chocolate quente para ela na tentativa de amenizar seu sofrimento até que um dia soube que havia morrido congelada durante a noite mais fria do ano.

Sim, eu odeio inverno. Odeio ver meu irmão tremendo sob uma marquise... odeio ver um cachorrinho enroscado, muitas vezes preso a uma corrente para cuidar da casa, sem nem um pano para lhe aquecer... odeio ver um gatinho tentando entrar no motor de um carro por ser quente... odeio ver qualquer ser vivo sofrendo de frio... É muito mais comum morrer de frio do que de calor. O inverno mata.

Dizer que gosta de frio de dentro de uma casa quente, é hipocrisia. Eu não gosto de calor, gosto é da alegria do verão. Antes de enaltecer o frio que tal te colocar no lugar do outro? Esse é um exercício de humanidade e posso garantir que não dói nem arranca pedaços... e com certeza não te matará, nem pela frieza do teu coração...

Isab-El Cristina Soares
Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

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