NAVALHAS AO VENTO

 RELIGIÃO: UMA ESCOLHA PESSOAL 

E INTRANSFERÍVEL

Antes de mais nada quero deixar registrado que não estou generalizando nem julgando a escolha de ninguém. Meu texto é apenas um questionamento, um meio de aprender, de cogitar o que não consigo entender sozinha.

No meu entendimento a religião de uma pessoa é algo inquestionável, cada um busca sua crença e está tudo bem. Deus é um só e está em cada coração. Pode ter vários nomes, mas não deixa de ser a busca pelo crescimento espiritual de cada um.

Sou uma pessoa de muita sorte, nasci numa família eclética. Dentro de uma mesma casa haviam várias religiões coabitando sob o mesmo teto e sob o manto do respeito e da compreensão. Quando pequena gostava de ir na umbanda com meu avô, na espírita com minha avó, na católica com minha tia, na assembleia de Deus com a outra tia... eu gostava de conhecer um pouco de cada uma. Aos 10 anos eu pedi para minha avó para fazer a primeira comunhão na católica e ela perguntou se eu seguiria esta religião, se eu já tinha escolhido. Respondi que não, só queria vestir aquele vestido bonito. Ela, com muita calma, me explicou que um dia eu teria que fazer uma escolha, escolher uma religião e que o correto era escolher com calma e nela permanecer, não ficar pulando de galho em galho. Aos 14 anos fiz minha opção: sou umbandista desde então. Por 37 anos eu trilhei os terreiros de umbanda sem muito alarde. Não via necessidade de ostentar publicamente minha crença, aliás, ninguém tem nada a ver com ela. Só agora, aos 61 anos, quando me tornei cacique de umbanda é que comecei a trabalhar publicamente na minha fé e sempre respeitando as diferenças das pessoas.

Todos sabem que as religiões de matriz africana sofrem preconceito, não entendo o motivo, mas somos erroneamente estigmatizados como seres do mal. E muitas pessoas não escondem a ojeriza, é só ver um fio de contas no pescoço e já olham de cara feia. Principalmente quando se fala em Exú, muitos o confundem com o diabo (que aliás nem existe na nossa religião, isso é uma invenção dos cristãos como forma de causar medo). Mas nós, os adeptos da umbanda, candomblé e quimbanda seguimos suas vidas sem interferir na opção de ninguém. Fazemos nossas sessões dentro dos nossos terreiros, nossas oferendas nos cruzeiros sem envolver ninguém. Não batemos nas casas aos domingos pela manhã, não tocamos nossos atabaques, agogô, tambor, sineta ou qualquer outro instrumento musical dentro de ônibus, não tentamos enfiar nossa crença guela abaixo de ninguém, vai ao terreiro quem quer.

Toda essa introdução é para perguntar, sem querer generalizar, porque os evangélicos são tão chatos. Não se pode embarcar num ônibus que já vem alguém enfiar um panfleto na nossa mão com a “palavra de Deus” acompanhada de um discurso que eu tenho que encontrar Jesus. Oras, eu não precisei sair rua afora para encontra-Lo, nasci com ele dentro de mim. E quando eu digo que já tenho religião sou olhada com desprezo porque não sigo o que eles pensam ser a única religião que presta. Ontem mesmo no ônibus uma senhora disse que ia orar por mim, agradeci a bênção que ela me oferecia, toda a bênção é bem-vinda. Assim eu fui ensinada pela minha avó. Mas quando eu disse que bateria uma sineta por ela, recusou veemente pedindo “pelo amor de Deus” que eu não o fizesse. Oras, porque que ela não aceita a minha bênção? Eu aceitei de coração aberto o que ela tinha de melhor para me oferecer e quando eu quis retribuir ela rechaçou o que eu tinha de melhor para lhe oferecer. Esta pessoa disse, inclusive, que na bíblia está escrito que a umbanda é do diabo. Meu Deus, a bíblia dela deve ter sido escrita no século XX, pois a umbanda surgiu em 15 de novembro de 1908, quando o médium Zélio Fernadino de Moraes incorporou pela primeira vez o Caboclo Sete Encruzilhadas. Há relatos de sincretismo desde o século XVII quando surgiram as primeiras comunidades religiosas afro-brasileiras, principalmente nos calundus dos escravizados, mas a bíblia já não havia sido escrita antes disso? Quando eu questionei ela disse que estava lá com todas as letras que “a umbanda é do mal” e quis me doutrinar em alto e bom tom dentro do coletivo. Como sempre, não fiquei quieta e debati, dei uma aula sobre a minha religião ali  mesmo. Eu não queria doutrina-la, apenas estava pedindo respeito. Ela me convidou para visitar a igreja dela, aceitei o convite, disse que poderia ia a um culto como visitante sem problema algum, porque eu a respeito e respeito a religião dela e perguntei se depois ela iria comigo ao terreiro. Ela disse que nem morta ela pisaria na casa do demônio. Ela estava sendo preconceituosa e ignorante, pois estava desrespeitando a minha pessoa e minha religião.

Minha pergunta é justamente essa: porque a maioria do povo evangélico é assim? Quem deu a eles a ideia de que só eles têm a verdade? Quem disse a eles que só eles prestam? Quem deu a eles o poder de ofender, magoar, desrespeitar uma pessoa que eles mal conhecem? Com certeza não foi Deus. Volto a afirmar que não estou generalizando. Tenho muitos amigos cristãos, tenho primos que eu amo e que são pastores, minha madrinha que é uma pessoa maravilhosa... me respeitam e eu os respeito com todo o meu amor. Não estou dizendo para todos, mas para aqueles que se acham superiores, vocês são chatos. São ignorantes. Julgam o que não conhecem. Vomitam inverdades enfiadas nas cabeças de cérebros de ovelhas de um rebanho apodrecido.

Minha amiga define isso muito bem quando diz que “religião é igual a pênis, não é porque tu tens que pode sair enfiando em todo mundo”. Cada vez que um de vocês tenta me enfiar “a palavra” guela abaixo eu me sinto estuprada, violada na minha escolha.

Eu quero ter o direito de andar com a minha imperial atravessada no peito do mesmo jeito que tu desfila com a bíblia como se fosse desodorante. Eu nunca baterei na tua porta para te convidar para ir ao terreiro, nem tentarei te convencer no ônibus. Se for da tua vontade, serás bem-vindo em qualquer ilê, basta chegar e receberás a bênção. Oxalá não faz distinção, não te olhará feio nem criticará a tua escolha. Para nós todos são filhos de Olorum e são amados como tal.

Fico muito feliz quando vejo alguém fiel a sua fé. Seja ela em qualquer religião. Se ela é boa para ti, ela é boa. Se a tua religião te faz feliz, essa é a religião certa para ti. A minha é batendo tambor, batendo sineta, cultuando orixás, caboclos, pretos velhos, ciganos, exus e pombogiras. Eu te respeito e quero ser respeitada. Axé.


Isab-El Cristina Soares


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

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3 Comentários

  1. É isso mesmo Isab-El! Vivemos num país eclético e miscigenado com uma Constituição que afirma que o Estado é laico. O meu pai era umbandista, o restante da minha família nuclear, católica e tenho uma tia espírita. Eu procuro tirar o melhor de cada e seguir um espiritualismo humanista. O problema é que muitos desse "crentes" são massa de manobra de interesses financeiros e políticos. Deus me salve das pessoas que querem me salvar!

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    1. Oi, João Luis, sou a Isab-El. Não consigo te responder por falha no meu acesso, por isso pedi ao Jorge.
      Quero agradecer pelos teus comentários.
      Sempre os leio com muita atenção, confesso q sempre aguardo por eles.
      Continue comentando, por favor, mesmo q eu não responda, saiba q são muito importantes. Assim como todos os comentários q recebo.
      Grande abraço

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  2. Isso aí! Cada um com sua fé e todos com respeito entre si...

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