CONTRAPONTO


 Tática de destruição

[...] Hoje nos aproximamos cada vez mais de um mundo onde o discurso político e ideológico se tornou um exercício de desumanização. E as redes sociais servem como as principais plataformas do nosso comportamento desumanizador. No Twitter e no Facebook, podemos num instante empurrar as pessoas com as quais discordamos para o perigoso território da exclusão moral, quase sem nenhuma responsabilização e por vezes no completo anonimato. (A coragem de ser você mesmo, Brené Brown, RJ, 2023, p.61)

Ao ler esse trecho da obra de Brené Brown, concordei de forma reflexiva e chocante. Os eventos narrados pela autora pintam o cenário caótico civil norte- americano em 2017, o qual é nossa realidade brasileira em 2023 (situação que alimenta ainda mais a minha ideia de que não somos brasileiros, não somos americanos, somos todos raça humana, moradores do planeta Terra e não deveria existir fronteiras, pois vivemos as mesmas alegrias e dores!).

Este livro colocou em questionamento atitudes que temos sem perceber e que são destrutivas aos próximos tornando a nossa atmosfera ainda mais densa. Quem nunca chamou aquela fulaninha de “cadela” ou aquele meliante de “asno”? Quem nunca frisou os defeitos e erros do outro como a única verdade existente no alvo da nossa raiva? Quem nunca desejou que alguém simplesmente sumisse? O problema dessas atitudes que pareciam - no primeiro momento - um mero desabafo de uma indignação tomou proporções imensas atualmente, tornando as relações entre nós, enquanto comunidade, frias e cruéis. Basta discordar de uma posição política, de uma ideia social ou emocional que as pessoas viram descartáveis e precisam estar a baixo de nós.

Nosso meio de maior desumanização atual é o Instagram, pois criamos vídeos e viralizamos memes que objetificam pessoas de determinadas ideias. As pessoas são reduzidas apenas àquele recorte e julgadas no tribunal da opinião pública.

Um dos tipos de pessoas que mais perderam o foco foram os ativistas. Há muitos anos atrás, indivíduos que percebiam a incoerência de atitudes separatistas e julgadoras populares começaram a agir em defesa da racionalidade, do respeito e da liberdade. É assim que nós mulheres podemos andar na rua sem a permissão de homens-tutores, é assim que afrodescendentes podem trabalhar e estudar sem serem capturados por feitores e é assim que casais homoafetivos podem caminhar de mãos dadas pelas ruas sem serem queimados em praça pública diante de uma multidão enfurecida. A ideia era boa! Tinha tudo para dar certo. Porém esbarramos atualmente na onda de ódio e revolta das pessoas, mergulhadas no medo e na falta de maturidade. O resultado disso são grupos ideológicos guerreando contra outros grupos ideológicos e fuja disso se puder (mas não pode!).

Quando o presidente dos Estados Unidos chama mulheres de cachorros ou sugere pegá-las pela vagina, devemos sentir um arrepio subir pela espinha e as veias latejando de repulsa. Quando chamam o presidente dos Estados Unidos de porco, temos que rejeitar esse linguajar, não importa qual seja a nossa visão política e exigir uma fala que não sub-humanize ninguém.

Quando ouvimos pessoas sendo chamadas de animais ou de alienígenas, devemos nos perguntar na mesma hora: “Estão tentando reduzir a humanidade delas para podermos feri-las sem culpa ou tirar delas os direitos humanos mais básicos?”

[...] Aquele limite existe. Está marcado pela dignidade. E gente furiosa e assustada da direita e da esquerda está cruzando vezes sem precedentes diariamente. Não devemos nunca tolerar a desumanização - o principal instrumento de violência utilizado em todos os genocídios registrados ao longo da história. (A coragem de ser você mesmo, Brené Brown, RJ, 2023, p.62)

Me pergunto quando iremos aprender com nossas próprias atitudes? Hitler disseminou o ódio contra o povo judeu defendendo a ideia de que eram animais. Povos como os ciganos, os nativos, os africanos e os judeus foram escravizados porque grupos de pessoas os viam como animais subservientes, indignos de qualquer consideração humana. E para aquele militante revoltado com as injustiças sociais, eu pergunto o que o torna melhor que os ignorantes da sua luta, quando você também desumaniza e rebaixa quem ainda não tem maturidade suficiente para entender a sua causa? Em que momento da história, ofender os outros, matar, espancar, aprisionar e desrespeitar mudou as ideias do grupo “adversário” a ponto de dizer “eles têm razão, vamos mudar!”?

Também não acho que jogar flores em armas também mudará algo de forma positiva. Mas é claro que raiva, agressão e desumanização também não vão melhorar nada. Ainda sou da opinião que ninguém muda ninguém, que é olhando para mim, não jogando o meu lixo na rua, não sendo inconveniente, ignorante e maldoso que o mundo vai melhorar. Porque o assunto todo acima não se trata de batalhas, se trata da nossa eterna infantilidade em querer mudar os outros, para não olhar para o nosso próprio umbigo e ter de mudar todas as toxicidades que contribuímos para caos já existente. O nome do livro é “A coragem de ser você mesmo” e o título já traz o caminho para tudo isso.



Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!



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1 Comentários

  1. Obrigado por tão bela reflexão e coragem em soltar o verbo, Miriam. Estupenda!

    Só precisamos ser humanos... Não homens.

    g. g. carsan.

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