TRANSVIADA, o olhar que desafia

Ética, consciência e empatia

Dia 29 de janeiro, foi dia da visibilidade Trans. Pra muitos, pode ser frescura, sem sentido ou pura lacração. Pra quem faz parte da comunidade Trans, o dia é de luta, de conscientização, de dar voz àquele grito que foi abafado.

Deixei que passassem os dias, esperei que o coração se acalmasse do susto, preferi não transbordar as emoções daquele momento, mas não podia deixar passar.

Pra quem não sabe, é considerado transsexual, aquele que se autodeterminar e independentemente de realizar a cirurgia de redesignação de sexo e pode ter o seu nome e sexo alterados. 

A Carteira de Nome Social - CNS  e regulamentada pelo Decreto nº 49.122, de 17 de maio de 2012. Ela foi instituída para travestis e transexuais no Estado do Rio Grande do Sul para o exercício dos direitos previstos (Decreto nº 48.118, de 27 de junho de 2011) e é válida para tratamento nominal nos órgãos e entidades do Poder Executivo do RS.

Além disso, existe decreto federal.O Decreto 8.727/2016 passa a reconhecer que, nas repartições e órgãos públicos federais, pessoas travestis e transexuais tenham sua identidade de gênero reconhecida e sejam tratadas pelo nome social.

Mas o por que falar nisso agora?

No finalzinho de janeiro, fomos retirar alguns exames que meu filho havia  feito. Na entrada do laboratório, ele insistiu pra que eu entrasse e retirasse os exames. Na hora brinquei, achei graça daquele pedido de quem quer ser tão independente.

Pra quem não conhece, antes que seja feita a carteira de identidade com  social, todo documento  emitido pela rede de saúde, vai o nome social e gênero que a pessoa se identifica, seguido do nome de batismo. 

Entrei, me dirigi ao balcão e entreguei o documento para retirada.

Isso aqui tá escrito certo? Me perguntou a atendente.

Respondi Que sim, e ela continuou olhando para o computador e resmungando.

Quando a colega percebeu, veio, deu uma olhada na tela e imediatamente indicou o nome.

Ahhhhh… HELOÍSA!

meu olhar fuzilou a querida, mas mantive a calma e respondi

Heros! 

Enquanto  imprimam os exames, e tentando processar o que havia acontecido, observava o incômodo da pessoa, que andava visivelmente irritada, de um lado para o outro.

Quando terminou, dobrou e antes de me entregar, me pergunta:

Qual teu nome?

Eu respondi.

Tu é mãe?

como quem questiona como permito isso.

Respondi com outra pergunta

TU ÉS PRECONCEITUOSA ?

Sai do laboratório me questionando como e por quê?

Como se permite, que alguém com esse tipo de mentalidade trabalhe com saúde?

Por que uma pessoa que recebe um cadastro, onde existe o nome social e faz questão de utilizar e frisar o nome morto?

Aquele recuo lá na entrada, será que aconteceu algo na coleta e eu não sei?

Estamos passando por transição,e nesse processo estamos recebendo um apoio importantíssimo, com acompanhamento psicológico e grupo de apoio. As coisas que são relatadas nesses grupos, os acontecimentos e as dores que se expõe ali, não são brincadeira, não são conversa de quem quer chamar atenção.

Várias foram as vezes que sai em lágrimas, por ver a dor dos pais que tem de enfrentar as tentativas de suicídio dos filhos.

Sempre me pergunto, o que eu poderia fazer pra amenizar esse sofrimento, como poderia auxiliar essa pessoa e agradeço por essa não enfrentar essa realidade.

Essa não foi a primeira situação que tivemos de passar, coisas desse tipo, acontecem o tempo todo, inclusive dentro do círculo familiar.

 Sempre tirei de letra, afinal, não bebemos água na orelha de ninguém, então, qualquer opinião é irrelevante. Mas dessa vez, isso me pegou de surpresa. Não foi uma pessoa qualquer na rua, não foi uma tia aleatória e jurássica, que não entende nada além de trechinhos da bíblia. Dessa vez, o gatilho veio de alguém que está inserida no único lugar, onde sempre fomos acolhidos e livres de julgamento, uma pessoa jovem por fora e putrefata por dentro. 

Isso é apavorante!

A atitude dessa criatura, me desestruturou e quem me conhece sabe, não é qualquer coisa  que consegue. Mas fico imaginando aquelas pessoas, com a saúde mental abalada, tendo de enfrentar uma situação dessa. Como se sentiriam? Quais as consequências?

Quem tem esse tipo de atitude não pensa em nada disso, não tem ética, não tem consciência ou empatia.

Na mesma semana, em uma publicação de uma página da cidade, 3 pessoas, funcionárias uniformizadas de uma fábrica local, brigando em frente a fábrica. 

Entre vários comentários maldosos, um me chamou atenção. Ele atacava uma das pessoas envolvidas, chamando atenção pelo fato de que eram duas mulheres brigando por alguém “indefinido”.  Rebatendo o comentário, alguém responde 

“ Quero que se  explodam essas tranqueiras”

Uma publicação tão cheia de amor, que me deu vontade de saber quem era o autor. E pra minha surpresa, um socorrista da SAMU.

Fico pensando, que tipo de tratamento teriam nas mãos desse socorrista. Será que ele lembraria do juramento que fez em sua formação? Será que ele deixaria seus preconceitos de lado? Minha única certeza, é que eu rezo para nunca precisar de seu atendimento. 

Os dois casos foram denunciados, pra quem não sabe, pesquisinha rápida evita confusão, mas tanto a discriminação declarada, quanto a insistência no uso do nome morto, é considerado crime.  Quando se insiste no uso de um nome ao qual a pessoa não se identifica, tu está cometendo um crime de racismo.

E se é crime, bom, deve ser punido.

A felicidade do outro te fere? 

O modo como ele se vê?

A aceitação de ser quem se é?

Amigo, procura um psicólogo! Talvez, isso seja sentimento reprimido.

Aguardo as providências a serem tomadas diante dos fatos, e espero que sirva de exemplo, que se te falta consciência, que ao menos tenha medo da lei.

Ninguém é mais ou menos que ninguém!


D'Anjo

D'Anjo é gaúcha, educadora, controversa e gosta de brincar entre rabiscos e palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!
Chegou dezembro!


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