NAVALHAS AO VENTO

MINHA AMIGA, MINHA IRMÃ PROFESSORA

E ESCRITORA ZULAIR

Eu nunca soube lidar com a finitude. A morte sempre foi um assunto que eu não aceito. Sei que é a única coisa certa nesta vida, mas não é por isso que abaixaria a cabeça para ela. O fim de uma pessoa me assusta e me irrita, principalmente se esta pessoa é importante para mim, principalmente se for minha amiga.

Na década de 90 eu conheci aquela que viria a ser a minha irmã. Zulair Maria de Souza, a escritora do rímel azul logo deixou de ser uma simples amiga para ser a irmã que a vida me deu.

Em outubro de 1996, após o antigo presidente ir embora da cidade, assumimos juntas a Associação Literária de Gravataí, sem nenhuma experiência, sem conhecimento de nada, mas a força daquela mulher era algo inacreditável, ela me empurrava ladeira acima. E assim fizemos a literatura explodir em Gravataí: eram recitais dentro e fora do estado, oficinas, concursos, palestras, publicação de antologias, feiras de livros em várias cidades...  Parcerias com Fundarc, Smed, lancherias, restaurantes, bares, cafés, Casa de Cultura Mario Quintana, entre outras...

Nossa alegria era ver nascer publicações de novos autores. Fazíamos a editoração e correção das novas obras sem cobrar nada do autor pelo nosso trabalho, afinal a felicidade é ver a literatura da cidade crescer.

Na pior fase da minha vida, quando pensei em terminar comigo mesma, era ela quem ia para meu apartamento no Parque dos Anjos. Levava outras amigas, outras poetas, café e chocolate e a tristeza acabava em poesia, risos e pizza. Foi nessa época que ela compôs uma linda poesia para mim chamada “Monólogo”.

Zula, como a chamávamos carinhosamente, me incentivou a voltar a estudar e juntas “tocamos o terror” na Ulbra Gravataí.

Por trinta anos eu soube que bastava uma ligação ou ir até a casa na Vila Natal e eu teria apoio, teria alguém para me ouvir, um abraço na hora certa, uma palavra de conforto. E agora? Como seguir sozinha a trilha da literatura? Quem é que vai avaliar minhas poesias antes de publicar? Quem é que vai me  dizer que posso superar a gagueira e enfrentar o palco? Quem é que vai segurar minha mão e dizer: “- Tá tudo bem!” quando a minha vida vira de cabeça para baixo depois de uma agressão doméstica, no meio de um divórcio? Quem é que vai me esperar na porta com um copo de café só para me fazer rir? Quem é que contrata um violinista para tocar “Amigos para sempre” para mim?

Então porque foste embora? Não era para sempre? Eu preciso entender que o sempre sempre acaba, mas é mito difícil entender isso. É difícil aceitar. Não tenho irmãos e quando a vida me presenteia com uma irmã, o Alzheimer leva embora tão cedo...

Não posso mudar o curso da vida. Infelizmente tudo tem um fim. Mas posso manter vivas dentro do meu coração as pessoas que eu amo. Por isso, Zula, vou te pedir mais uma coisa: já que tu chegaste primeiro que eu aí, vai organizando as coisas, juntando os poetas que chegaram antes de ti (João Batista, Edílio, Fialhinho, Bernardino, Pedro) e assim que eu chegar a gente cria uma nova associação como fizemos lá atrás, no início da década de 90. Faremos recitais entre  as nuvens ao som de harpas da banda dos anjos.

Só me resta o vazio de ser a única que ainda resta, recitando mentalmente a poesia que tu escreveste para mim, agora fazendo muito mais sentido:

Monólogo

Só eu falo

A natureza, aos pássaros, ao horizonte

Um vazio me invade

Falo, grito, suplico

Mas só eu escuto o meu eco

Sou uma sombra insignificante

Uma estrela decadente

Eu sou um monólogo

O mundo não me pertence

Ninguém me vê

Ninguém me ouve

Simplesmente

Porque não existo!



Isab-El Cristina Soares
Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

 CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!
O Coletive está de luto pela passagem
da professora e escritora
Zulair Maria de Souza.


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