DEAMBULÂNCIAS

 Encontro inesperado

Meu amigo médico insistiu tanto que eu deveria ir ao consultório dele por em dia meus exames, que não tive como resistir. Afinal, não é toda hora que se tem o privilégio de um amigo e um médico excelentes, ambos investidos na mesma pessoa. De modo que considerei esse patrimônio a preservar e fui, ainda que intrigado com a possibilidade de ele ter alguma informação sobre meu estado de saúde que eu não soubesse. É que na meia-idade para lá não faltam suspeitas de alteração súbita de roteiro vital.

Chegando no consultório, a grande surpresa: estavam outros três amigos em comum, em estado de pacientes, convidados da mesma forma inesperada a comparecer ao consultório. Revelou-se então o estrategema, agora tornado perfeitamente justificável por razões de afeto: seria difícil nos encontrarmos se dependesse de chegarmos a horários comuns e conversas à distância. De modo que ele tomou a iniciativa do plano de encontro e nós nos deixamos conduzir e examinar, exercitando por mão alheia a lembrança da importância de nossos cuidados uns com os outros.

O diagnóstico foi preciso: havia urgência de rir, de conversar bobagens e celebrar estarmos vivos; de nos beneficiarmos mais deste estado precário, sujeito a radicais mudanças de rumo a qualquer momento e sem poder contar com certeza de aviso prévio da senhora morte. Era absolutamente necessário marcarmos outros encontros em dia e hora certos, de modo a não haver recidiva ou qualquer desvio da imperiosa necessidade de diversão.

Esses sintomas e a posologia de cura foram prontamente reconhecidos pelos garotos moleques que sempre habitaram em nós, a custo escamoteados pelos adultos que se sobrepuseram. Na pronta comunhão que surgiu na roda de conversas em que se transformou o consultório do amigo, foram-se embora a seriedade tesa, os compromissos inflexíveis e as lutas por desempenhos e índices de produção . Até mesmo os comparativos de glicemias e de bons e maus colesteróis cansaram de chamar atenção, e o que restou foi a certeza simples de um momento bem vivido. 

Paulo Malburk

Paulo Albuquerque, nome literário Paulo Malburk. Já foi filatélico e normativista, hoje é nefelibata e caçador do poético. Crônicas, mini-contos, contos e quase alguma coisa mais. Selecionado em coletâneas nacionais.


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

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