DIA INTERNACIONAL DE ATENÇÃO À GAGUEIRA - DIAG
No último dia 22 de outubro eu liguei para uma operadora de internet e a maneira como fui atendida me surpreendeu negativamente. É difícil crer que em pleno século XXI ainda exista tanta ignorância.
Logo que a ligação começou eu dei uma gaguejada, uma travada, a atendente, do outro lado, falou que a ligação estava travando. Respondi calmamente que quem estava travando não era a ligação, que era eu, porque sou gaga. Estou acostumada a dar esta resposta, são muitas as vezes que tenho que explicar minha tartamudez (nome técnico para pessoa gaga), mas desta vez a reação da moça foi inimaginável. Ela deu uma gargalhada e gritou: -Que hilário, é muito engraçado! Enquanto eu falava, ela ria. Não consegui completar a ligação, desliguei a chamada e refiz novamente, desta vez para reclamar do atendimento e cancelar minha assinatura.
Isso tudo aconteceu no dia 22 de outubro, justamente o dia em que comemoramos o Dia Internacional de Atenção à Gagueira. Um dia celebrado em todo o mundo desde 1988. De acordo com o site www.fonoaudiologia.org.br “No dia 22 de outubro de 1988 foi instituído o Dia Internacional de Atenção à Gagueira pela Associação Internacional de Fluência (IFA) e pela Associação Internacional de Gagueira (ISA). Esta data tornou-se referência para a promoção da desmistificação de diversos pontos relacionados à gagueira, além de promover a conscientização acerca do assunto.”
Um dos temas do DIAG foi “Gagueira não tem graça, tem tratamento” e este tratamento deve iniciar na mais tenra idade para alcançar sua eficiência, mas muitas mães acreditam que o filho esteja querendo chamar atenção e por isso está gaguejando e quando se apercebe da gravidade, já é tarde demais.
No mesmo site, um dado assustador. É muito grande o número de tartamudos no Brasil e mesmo assim as pessoas ainda levam isso como uma piada. “Um levantamento feito pelo IBGE estima que cerca de 2 milhões de pessoas gaguejam de forma crônica no Brasil. Calcula-se, ainda, que 5% das crianças apresentam gagueira, que manifesta-se frequentemente antes dos 6 anos de idade.” Não, não somos piada e merecemos respeito.
Durante minha infância e adolescência eu tive muitos problemas de baixa estima pela minha condição. Muitas piadas, principalmente na escola, podem destruir com o futuro de uma pessoa. Eu me blindei, me bloqueei por muito tempo. Até mesmo depois de adulta, já com filhos, era incapaz de pedir uma informação para um desconhecido ou fazer uma ligação. Tinha muita vergonha de mim mesma.
Mas a vida não facilita para quem não tem rede de apoio e eu precisava trabalhar para viver. Tudo o que eu mais sei fazer e faço com amor é atender ao público. Desde sempre trabalhei tentando chegar perto do público, a gagueira me impedia e eu insistia. Tentei tanto que cheguei a ser recepcionista de um escritório de advocacia. Muito tempo depois fiquei sabendo que o advogado me deu uma chance mesmo sabendo que seria muito difícil.
Muitos dos nossos sonhos encontram dificuldades na realidade e isso aconteceu comigo. Fiz concurso público para lidar com crianças. Imagina uma atendente de creche gaga? Não desisti. Eu não podia desistir. Mas tinha muito medo de não passar pelo estágio probatório em função da condição de tartamuda. Foi nesta época que entendi porque eu sempre procurei o teatro. Adorava fazer oficinas de teatro. Nunca me apresentava no final do período, mas curtia os exercícios, principalmente os de respiração. O teatro me levava a uma outra dimensão, uma dimensão onde eu não tinha problemas de fala. E com a experiência de usar o corpo para falar, eu me atrevi a recitar minhas poesias em recitais da extinta Associação Literária de Gravataí. O que todo o poeta faz sem esforço eu tinha que me esforçar 300%. Apresentar é só ler as poesias, mas eu não posso ler, tenho que decorar e interpretar, pois se eu ler, vou gaguejar. Interpretando eu não sou responsável pelas minhas palavras, é a personagem que é responsável. E assim eu não gaguejo no palco, recito minhas poesias e amo fazer isso.
A partir daí eu apelei: resolvi que seria professora. Pensa bem, uma professora de português e literaturas de língua portuguesa gaga. Eu seria a chacota. Hoje quando entro numa sala de aula, olho para cada aluno e já aviso: “- Sou gaga e vocês terão que ter paciência comigo” e tudo flui.
A vida do gago não é piada. Não temos nariz vermelho, não somos palhaços. Lutamos com cada sílaba que sai de nossa boca. O que para ti flui com simplicidade, na nossa garganta chega a doer o esforço físico... sem contar o emocional.
Então, chega de ser educada com pessoas sem empatia. Minha paciência acabou e eu não perdoo. Não podemos aceitar nenhum tipo de crítica ou deboche. Informação sobre o assunto está disponível em qualquer telefone celular com internet, na palma da tua mão. “Gagueira não tem graça, tem tratamento.” Sou gaga e exijo respeito.
Isab-El Cristina Soares |
6 Comentários
Muito bem dito, ou melhor, escrito. Parabéns pelas tuas lutas e vitórias nesta vida. És uma vencedora, uma pessoa admirável.
ResponderExcluirOi, sou a Isab. Não me considero vencedora, apenas não tive oportunidade de ser fraca kkk. Também não me considero uma pessoa forte, camo isso de sobrevivência. Agradeço pelo carinho.
ExcluirEngraçado é como tu transforma teus sofrimentos em arte. Te olhando de fora não imaginamos o quão difícil seja, pq tu faz parecer fácil. Gagueira não tem graça, perfeito!
ResponderExcluirDidia, sou a Isab. Lidar com os problemas de maneira leve é muito mais fácil do que supervalorizar algo difícil. Nao é fácil lidar com a gagueira, as pessoas acham que é piada, mas se eu supervalorizar ficarei refém da minha própria deficiência e não estaria ajudando nenhuma criança gaga. Bju no teu coração, guerreira.
ExcluirMuito bem! ✨️As pessoas devem respeitar as diferenças! 👏🏼👏🏼
ResponderExcluirOi, Marli, sou a Isab. Obrigada pelo retorno. O mundo seria muito melhor se houvesse respeito. Bjuuuu
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