Da janela do meu apartamento eu o vejo passando quase todos os dias. Ele vasculha o lixo, conversa sozinho, agita os braços e grita em plena avenida.
Os carros passam, uns buzinam, outros o xingam apenas pelo motivo dele existir .
Tem os trabalhadores das obras que acontecem no local, que quando ele grita, respondem para ele o incentivando a dar mais vasão à sua verborragia.
Outro dia uma senhora atravessou a rua para não passar na sua frente, ele ficou quieto, olhou e gritou:
- Eu não mordo, sou preto, pobre, mas não tenho dente, se te abocanhar só faço cócegas com minha gengivas.
E soltou uma enorme gargalhada...
Quando eu passei por ele ontem pela manhã, dei bom dia e perguntei como ele estava, às vezes ele não responde, só balança a cabeça, mas desta vez ele falou alto:
- Bom dia, eu estou bem, mas acho que vai chover, e me falaram que você precisa tomar cuidado com as coisas do coração, eles deixam a gente louco! Eu, eu já estou me cuidando!
O dia estava ensolarado, fui ao mercado e retornei ao meu lar curioso com seus conselhos. Olhei pela janela e ele já tinha ido embora, olhei para o céu e continuava ensolarado.
Passado duas horas, o tempo mudou, muito vento e muita chuva.
Meu peito se encheu de saudades, tristeza e melancolia.
Meu amigo tinha razão em sua análise do tempo e em seus conselhos .
No outro dia lá estava ele novamente, sorrindo e gesticulando com freneticamente com seus braços. Será que ele está se cuidando das coisas do coração?
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Arte: Miriam Coelho |
"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes
2 Comentários
Que texto bacana.
ResponderExcluirQue texto bacana.
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