O UNIVERSO CONTA

 Naigaron

Parte 1

Capítulo I - Uma estranha no ninho

Existem muitos mundos paralelos à Terra e poucas pessoas percebem sua existência. Não importa a sua crença, nada impede que eles existam e - muitas vezes - interfiram no destino das pessoas que neles habitam. Desde criança sempre senti isso no meu coração e tinha vislumbres do que vivi em outras vidas nesses outros mundos.

Destes outros universos, existe um em particular que se tornou tão especial para mim, que nem o véu do esquecimento o qual nos é dado no nascimento foi capaz de apagar as experiências e a minha mais forte conexão de alma. Nascemos novamente, deveríamos ter nos esquecido de tudo, mas em meus sonhos sempre lembro desse alguém especial. Eu sei que vive aqui, no mesmo tempo e espaço que eu novamente - embora ainda não tenhamos nos reencontrado, eu sei que ele está tão vivo quanto eu. Conto nessas páginas a seguir a nossa história, na esperança de que algum dia estas palavras cheguem até ele. Estou à sua espera, como prometemos.

Naigaron é o lugar em que nascemos. Não era melhor nem pior que o planeta água, pois tudo de bom e ruim que existia lá, também existe aqui. A vida apenas acontecia de forma diferente. Em Naigaron, existiam oito Condados, cada um representando uma natureza do planeta (terra, água, fogo, vento, pedras, plantas, animais e Éter), cada um destes Condados produzia o seu produto e exportava para os demais grupos. No centro do planeta, vigiando e controlando todos, existia o Conselho Geral de Naigaron, composto por oito estranhos membros, que cobrem seus rostos para manter a imparcialidade em suas ações. Ninguém sabe quem são, nem de onde vieram, ou como foram escolhidos. Eles apenas estavam lá, interferindo na vida de todos como bem convinha aos seus interesses ocultos - ou “bem maior” como gostavam de nomear. Quando um deles morria, logo era substituído por outro, que ninguém sabia de onde ou como era escolhido. Tudo que sei é que foram alguns destes homens que me levaram para fora do meu planeta, me fazendo acreditar que eu era da Terra, e  no momento mais complicado da minha vida - dezenove anos depois - vieram me buscar, largando o imenso bloco de concreto da verdade em cima do meu frágil mundo. Eu nunca me senti parte desse planeta. Tinha dificuldade de entender as pessoas. Porém não imaginava que vinha daqueles pontos brilhantes do céu que eu tanto admirava à noite. Talvez, em algum lugar dentro de mim, eu sentia que faltava alguma peça para que tudo fizesse sentido. Com o tempo, tudo se encaixou.

Naquela manhã, Laura acordou sentindo as lágrimas secas e frias em seus olhos. Dormira no chão duro, amarrada por um cordão de prata muito resistente. Moveu-se devagar, percebendo a garganta gasta de tanto gritar, além do corpo exausto pelos esforços da noite anterior. Sentia como se tivesse lutado com gigantes. Tentou levantar-se, mas conseguiu apenas sentar sobre os joelhos, a claridade do quarto incomodava seus olhos. Esfregou-os, limpou o rosto, afastou alguns fios de cabelos ruivos, jogando-os para trás da orelha. Seus cabelos estavam totalmente desalinhados e enosados.


- Finalmente a senhorita acordou - disse Alue, uma das servas da Casa Principal do Condado das Águas, entrando no quarto com um prato de comida. Laura queria falar algo, mas conseguiu apenas soltar um gemido. Sua garganta estava seca. A serva serviu um copo de água e entregou para a garota no chão, que bebeu com muita avidez. Aos poucos os comandos do corpo retornavam para o seu controle ao mesmo tempo que se lembrava da tentativa falha de fuga da noite anterior - mais uma! Ela teve vontade de chorar novamente, mas segurou o impulso.

- Até quando vão me manter aqui? E assim? - perguntou, com a voz rouca e falha, mostrando seus pulsos amarrados.

- A senhorita sabe que seus pais não a não confiam mais em permitir sua liberdade. Já tentou fugir tantas vezes e está há poucos dias nessa casa. Quantos mesmo?

- Oito ou nove dias, não sei… - respondeu contrariada - Eu não me reconheço aqui, tem algo que me incomoda. Certamente se enganaram de pessoa, eu não sou quem pensam que sou!

- Dificilmente os Conselheiros se enganam. Foram eles quem a levaram para a Terra assim que a senhorita nasceu, junto com o seu irmão que já tinha um ano - respondeu a serva, arrumando os cabelos da jovem com suas mãos.

Um estranho calor percorreu o corpo de Laura, dando-lhe uma energia ruim. Alue percebeu a reação da jovem e se lembrou do quão mal Laura ficava ao se lembrar de Eduardo, pensou em mudar rapidamente de assunto, porém era tarde, a jovem estava novamente fora de controle, seus ombros tremiam, enquanto ela chorava, olhando para o chão.

Quando ainda tinha quinze anos, Laura e Eduardo cruzaram seus olhares pela primeira vez. Ambos estudavam na mesma escola, porém não eram da mesma turma. Ela sentia uma forte e inexplicável conexão com ele desde o primeiro instante. O coração de Laura disparava todas as vezes em que eles passavam pelo mesmo corredor, até que um dia ela tomou a iniciativa de se aproximar dele perguntando sobre sua banda de rock favorita estampada na camiseta, Leed Zepplin. Ela o conquistou com seu jeito alegre e curioso de ser, namoraram aquele namoro inocente de infância, com poucos beijos, muita timidez e olhares sonhadores. Porém tudo terminou de forma abrupta, ele se afastou sem motivos e ela, por ainda ser uma menina inexperiente, nunca indagou a causa - sentiu-se rejeitada. Com o tempo, ela descobriu que os pais dele tiveram um divórcio complicado, com muitas brigas e ele ficou profundamente triste. A relação entre eles foi curta, com poucas informações, mas ela sempre manteve seu coração preso a ele, até que a grande revelação
chegou: eram irmãos. Foram trazidos por dois Conselheiros Gerais em uma espécie de avião rápido, que viajava na velocidade da luz, diretamente para Naigaron, no Condado das Águas.

Laura imediatamente se lembrou do que mais tentava esquecer naquele momento: dele! Seu grande amor proibido. Sim, era um amor proibido, pois certamente nem em Naigaron, com tantas diferenças culturais, os irmãos podiam se amar daquela forma. Mas ela não se apaixonou por ele sabendo que eram irmãos, o que dificultava o processo. Como deixar de amar alguém que já está enterrado no fundo do seu peito de forma tão intensa?

- A senhorita precisa se alimentar - disse Alue, interrompendo Laura dos seus devaneios.

- Não quero comer, quero apenas que me libertem dessa casa - ela precisava ir embora o mais rápido possível, principalmente para longe dele, que poderia esbarrar a qualquer instante, pelos corredores da casa.

Alue suspirou profundamente, abaixou-se próxima de Laura e pegou seu queixo com uma das mãos. A garota parou de chorar e fitou a serva com curiosidade. Era a única quem parecia entendê-la de alguma forma. Tinham aproximadamente a mesma idade, porém a serva era morena, com longos  cabelos lisos, seus olhos também eram azuis como os de Laura. Sua boca tinha lábios grossos e bem desenhados, parecia uma linda boneca, enquanto a garota tinha a impressão de parecer uma jovem bruxa, pelo seu estado caótico.

- Escuta bem o que vou dizer, pois vou falar apenas uma vez. Como pode querer enfrentar um grupo inteiro de pessoas que não conhece, numa terra onde nunca esteve, totalmente desarmada e sem nenhum plano consistente ou aliados? - Laura arregalou os olhos, despertando dos seus impulsos racionais, a serva tinha razão! - Tem de usar a mente muito mais que o impulso! - continuou Alue - se usar a cabeça, conseguirá ludibriar os que são fortes nesse momento e escapar quando menos esperaram! Posso te ajudar, mas primeiro
você precisa se acalmar! - Alue a sacudiu pelos ombros, assim que encerrou sua fala, como quem dizia para ela voltar ao prumo. Ergueu-se e ajudou a garota a se levantar do chão. - Não fale a ninguém sobre o que te disse agora, eu vou ajudá-la! - disse. Se afastou da garota deixando o prato com mingau e frutas do Condado em cima da mesa ao lado da cama. Soltou os pulsos de Laura em silêncio e se dirigiu a porta, dando o último olhar firme para a menina antes de fechar e chavear a porta atrás de si.


CONTINUA...

Miriam Coelho


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
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