UM POUCO DE HISTÓRIA

 

“Só por hoje”

Este artigo é uma forma de denunciar o descaso da população em geral com o patrimônio histórico de Gravataí/RS.

Sou conselheiro suplente da Setorial do Patrimônio do Conselho Municipal de Cultura e nestes últimos anos, através dos livros “Gravataí: entre anjos e gravatás” e “Gravataí: Histórias” e vários artigos escritos nesta coluna, procurei denunciar o descaso do poder público com o patrimônio histórico do município. Entretanto, nos últimos dias fiquei preocupado com as pichações feitas na porta da Capelinha, patrimônio afetivo e legalizado da cidade, independente da religião de cada um.

Esta frase “só por hoje”, disse-me uma amiga, é utilizada nos Alcoólicos Anônimos e nos Narcóticos Anônimos como um mantra de resistência, “aguente um dia de cada vez”, “uma vitória a cada dia”... A Capelinha já foi utilizada para reunir quem luta contra o alcoolismo e a drogadição... talvez isto explique a tal frase pichada. Entretanto, pode soar como uma ameaça, do tipo: hoje pichamos, amanhã...

Penso que o amor é um aprendizado. Ninguém nasce sabendo amar, ao mesmo tempo em que ninguém pode amar aquilo que não conhece. Talvez seja este, de forma implícita, o grande papel da educação e dos educadores, possibilitar no processo ensino aprendizagem que ambos, professores e alunos aprendam a amar através do conhecimento.

Aproveito esta coluna para enviar material produzido sobre este local tão singelo e tão importante na História de Gravataí. Afinal, é necessário conhecer para amar e amar para cuidar.

Patrimônio, muito mais do que um bem tombado, registrado no setor do Patrimônio Histórico do Município, é memória afetiva de uma comunidade, um símbolo do seu processo histórico/cultural. Hoje, sabe-se que as construções antigas e seus estilos arquitetônicos, mais do que testemunhas de uma época histórica, fazem parte da memória coletiva da sociedade e sua substituição, de uma hora para outra, sem o devido esclarecimento e convencimento da população, segundo profissionais de saúde, afeta, emocionalmente, aqueles que tiveram suas vidas, de alguma maneira, relacionadas com algum determinado prédio, por exemplo, uma rodoviária ou uma determinada praça arborizada ou, ainda, pedrinhas coloridas que, outrora, embelezavam os caminhos. O sentimento de pertencimento a um local serve de conforto psicológico e sua substituição, geralmente, motivada pela ânsia burguesa de aumento dos lucros, contando com a cumplicidade de alguns agentes públicos, contribui, sem dúvidas, para a perda de referenciais geográficos/históricos/afetivos, levando ao adoecimento de muitas pessoas.

A Capela Santa Cruz, conhecida como Capelinha, é um exemplo de patrimônio afetivo que não consta no rol do Patrimônio Histórico de Gravataí. Me pergunto quantos estudantes, principalmente do centenário Colégio Barbosa Rodrigues, vieram aqui, rezar pela sua aprovação no fim do ano; quantos namorados marcaram de se encontrar aqui, na frente; quantos, acolhidos entre as suas paredes, foram catequizados; quantas reuniões do Apostolado da Oração, casamentos, batizados e outras cerimônias religiosas foram realizadas aqui, na Capelinha?


Não se sabe exatamente quando foi construída a Capelinha, mas, segundo o pároco da Igreja Matriz de Gravataí, Padre Léo, no século XVIII, por volta de 1760, freis franciscanos, com a ajuda dos indígenas, ergueram uma cruz em louvor à Nossa Senhora dos Anjos, que, de acordo com a tradição católica, teria feito o chamamento religioso para São Francisco de Assis. Mais tarde, para abrigar a cruz, foi construída a Capela Santa Cruz, primeira capela do município de Gravataí. Portanto, mesmo não sabendo a data exata da sua construção, pode-se afirmar ser a Capelinha o prédio mais antigo, ainda em pé, na nossa Aldeia dos Anjos.

Sino “emprestado”, afinal, se não tem mais missa na Capelinha... Ao lado, detalhe das portas. Quantos curiosos já espiaram por aqueles buraquinhos?

Registros apontam que, devido ao seu péssimo estado de conservação, de 1909 até 1944, a comunidade se mobilizou para reformá-la, com o cuidado em preservar a sua arquitetura original. Na fachada, podemos observar a existência de um suporte de metal que, em tempos idos, sustentava um sino, doado em 1948, que, mais tarde, foi emprestado à Igreja Santa Isabel. O suporte ainda está lá, como a perguntar: quando voltará o sino “emprestado”?

Recentemente, em plena pandemia, uma obra ao lado da Capelinha, fez muitas pessoas manifestarem justificada preocupação com a possibilidade da sua demolição. Afinal, tantos prédios antigos são derrubados da noite para o dia, por aí. O aspecto positivo, de tudo isto, é que tais manifestações demonstram a importância da Capelinha na vida de muita gente. Atualmente, pertence a Cúria Metropolitana de Porto Alegre e, além de atividades religiosas, já serviu como espaço para reuniões dos Alcoólicos Anônimos, dependentes químicos e, hoje, continua em uso, todas às terças-feiras, às 14: 30, recebendo o grupo de Leitura Orante, na rua Otávio Chiavaro, 40.

Enfim, a urbanização modificou a paisagem do entorno da Capelinha. O que era um campo, no alto de uma colina, foi recortado por ruas e avenidas, dividido em lotes, espremendo a Capelinha em uma área de poucos metros quadrados. Entretanto, sua simplicidade arquitetônica, com telhas de tamanhos e ângulos inexatos, característica marcante nas construções coloniais, e portas, diretamente expostas ao Sol e a chuva, dá testemunho da força do trabalho das pessoas escravizadas, tanto de origem indígena, quanto africana, que ergueram suas paredes e, ao mesmo tempo, nos faz pensar: tão pequena em tamanho, mas tão importante em afeto e memória/História esta bicentenária tem, para muitos, o valor de uma catedral.


O interior da Capelinha, finalmente revelado, e, ao fundo, destaca-se a cruz que, segundo dizem, é uma relíquia por ser parte da própria cruz original, erguida no século XVIII, fixada ali, naquela singela parede da Capelinha. Quem é que vai duvidar?! Afinal, abaixo do céu e acima da terra, tudo é possível na nossa
Aldeia dos Anjos.

Texto e fotos: Nestor Ourique Medeiros

Bibliografia:

-Gravataí: Entre Anjos e Gravatás – Irmãs TM Projetos Culturais;

-Nossa Terra, Nossa Gente – Agostinho Martha e Marco A. Bandeira Martha;

-História de Gravataí – Jorge Rosa;

-Gravataí Histórica (livro eletrônico) – Projeto Cidade Histórica.

Material produzido especialmente para a 2a Caminhada Cultural de Gravataí, 19 de agosto de 2023.


NESTOR OURIQUE MEDEIROS


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
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4 Comentários

  1. Sou a Isab. Parabéns pelo registro. Nossa história está indo pelo ralo. Qdo o governo não cuida da nossa história, termina com a cidade. Em Gravataí o projeto é terminar com o nosso passado.

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    1. Nestor Ourique Medeiros5 de fevereiro de 2025 às 07:28

      Já terminaram com a praça e o Aldeião...

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  2. Quem sabe a frase pichada na porta seja um marco de resistência da própria Capela que resiste por mais um dia ao descaso ao patrimônio histórico de nossa cidade.

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    1. Nestor Ourique Medeiros5 de fevereiro de 2025 às 07:30

      Gostaria que fosse esta a intenção... mas tudo são especulações.

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